A bebida alcoólica, que é legal, já é um flagelo no país, como sabe qualquer profissional que trabalha com saúde ou segurança públicas. Boa parte dos 50 mil homicídios por ano no país tem na raiz o chamado “motivo fútil” – quase sempre relacionado ao consumo de bebida. O índice de assassinatos na cidade de Diadema, em São Paulo, caiu muito depois que se determinou o fechamento dos bares às 22h. É matéria de fato, não de gosto. Não por acaso, e com acerto, há limites para a propaganda de bebida alcoólica, embora ainda indevidamente associada a situações de realização pessoal. Para vender um iogurte, tenta-se provar que ele faz bem à saúde, que melhora o funcionamento do intestino, que fornece vitaminas sem engordar etc. Para vender cerveja, promete-se apenas felicidade – afinal, o máximo de propriedades benfazejas para a saúde seria o seu valor diurético, que é omitido… Não estou flertando, nem de longe, com a proibição do álcool. Seria o mesmo que reforçar o poder do narcotráfico com uma mercadoria nova: não eliminaríamos os problemas existentes e ainda criaríamos outros. No mundo inteiro, exceção feita a países em que a religião exerce um papel que as democracias consideram inaceitável, a substância é liberada. Com as drogas, dá-se o contrário: a esmagadora maioria dos países procura bani-las. A palavra de ordem é repressão, não liberação. E que se note: essa costuma ser a vontade expressa pela esmagadora maioria das respectivas populações. “Ah, Reinaldo, conhecemos como é reprimir, mas não conhecemos como é liberar”. Lamento dizer que conhecemos, sim. Vejam o caso do álcool. Os crimes e os graves problemas de saúde estão aí, à vista de toda gente. E olhem que não se trata de uma substância que promete, como direi?, “altas viagens” a quem consome. É inegável que as drogas hoje consideradas ilícitas estão associadas a alterações de percepção que apontariam, sei lá eu, para novos patamares da sensibilidade. A liberação das drogas seria, certamente, um flagelo entre os jovens. Ademais, proibidas em quase todo os países, as ditas substâncias ilícitas entram no país, necessariamente, por intermédio do crime organizado – QUE CONTINUARIA, É BOM FRISAR, A MANDAR NO NEGÓCIO EM ESCALA MUNDIAL. Não se acende um baseado que seja sem integrar a cadeia criminosa. De novo, é matéria de fato, não de gosto. A afirmação de que consumir ou não consumir é só uma questão de escolha individual, que a ninguém diz respeito, é frívola. Não adianta cobrir a realidade com o véu diáfano da fantasia (Eça!): ao tomar uma dose de uísque, você não está alimentando o tráfico de armas; ao cheirar uma carreira, sim. Aí alguém poderá dizer: “Ah, mas que culpa tenho eu se é ilegal? Por mim, não seria.” É o que diz qualquer um ao transgredir uma lei com a qual não concorda – se você, por exemplo, julga aquela lei essencial, certamente defende punição para o transgressor, certo? Mas pretende fumar maconha ou cheirar pó sem ser incomodado? Bom crime é só aquele que a gente gosta de cometer? Com isso, sustento que o consumo de drogas é, então, uma escolha moral, individual – “devo fazer ou não? Isso só a mim diz respeito!” -, mas é também uma escolha ética: “Que se dane a lei; nesse caso, eu não a reconheço como válida”. É preciso saber se essa atitude, vamos dizer, de rebeldia, de desobediência civil (solitária ou no seu grupinho), torna o mundo mais livre e mais justo ou confere poder a bandos de facínoras. Sempre se pode acender uma bagana e não pensar no assunto. Se o sujeito quer se matar cheirando pó ou bebendo água (o que é possível, saibam), como impedir? O que temos com isso? Mas não venham me dizer que as duas formas se igualam. Nem a um suicida se dispensa o decoro. Ao se matar, ele pretende levar outros com ele? PS: E reitero: a lei brasileira já é tolerante, quase paternalista, com o consumidor de drogas. Essa história de que tem gente presa só porque fumou um baseado já é lenda. Ninguém mais dá bola. O país não consegue prender nem quem fuma pessoas. Imaginem, então, quem fuma mato. do blog do Reinaldo Azevedo