Arquivo

Thiago de Melo – Poesia – Literatura

Como um rio Thiago de Melo Ser capaz, como um rio que leva sozinho a canoa que se cansa, de servir de caminho para a esperança. E de levar do límpido a mágoa da mancha, como o rio que leva e lava. Crescer para entregar na distância calada um poder de canção, como o rio decifra o segredo do chão. Se tempo é de descer, reter o dom da força sem deixar de seguir. E até mesmo sumir para, subterrâneo, aprender a voltar e cumprir, no seu curso, o ofício de amar. Como um rio, aceitar essas subitas ondas feitas de águas impuras que afloram a escondida verdade das funduras. Como um rio, que nasce de outros, sabe seguir junto com outros sendo e noutros se prolongando e construir o encontro com as águas grandes do oceano sem fim. Mudar em movimento, mas sem deixar de ser o mesmo ser que muda. Como um rio. Foto Flickr

Leia mais »

Elizabeth Barrett Browning – Poesia – Como te amo?

Como te amo? Elizabeth Barrett Browning Como te amo? Deixa-me contar de quantas maneiras. Amo-te até ao mais fundo, ao mais amplo e ao mais alto que a minha alma pode alcançar buscando, para além do visível dos limites do Ser e da Graça ideal. Amo-te até às mais ínfimas necessidades de todos os dias à luz do sol e à luz das velas. Amo-te com liberdade, enquanto os homens lutam pela Justiça; Amo-te com pureza, enquanto se afastam da lisonja. Amo-te com a paixão das minhas velhas mágoas e com a fé da minha infância. Amo-te com um amor que me parecia perdido – quando perdi os meus santos – amo-te com o fôlego, os sorrisos, as lágrimas de toda a minha vida! E, se Deus quiser, amar-te-ei melhor depois da morte.

Leia mais »

Gerson Valle – Poesia

Fala das melodias Gerson Valle Chegávamos ao ponto de falarmos por melodias, enquanto nossos olhares davam-se as mãos, percorrendo um possível horizonte de encontros. Que palavras haveriam de se formar na dimensão pura de nosso olhar? Escapa a emoção dos momentos, forçando-nos a procurá-los por cima dos armários, pelas penas dos pássaros que passam, ou condensá-los na forma de poesia, que não devia estar aqui, ser escrita ou pensada, por ser poesia em si, e mais nada. Mas, não querendo esquecer a melodia, escrevo e reescrevo a mesma poesia, com medo que ela caia e se esvaia como as folhas no outono, e assim a retenho guardada para os possíveis tempos mais duros imprevisíveis do futuro. Pintura de Paul Artot

Leia mais »

Walt Whitman – Poesia

Às vezes com a pessoa a quem amo Walt Whitman ¹ Às vezes com a pessoa a quem amo Fico cheio de raiva Por medo de estar só eu dando amor Sem ser retribuído; Agora eu penso que não pode haver amor Sem retribuição, que a paga é certa De uma forma ou de outra. (Amei certa pessoa ardentemente e meu amor não foi correspondido, mas foi daí que tirei estes cantos.) As coisas mais importantes.

Leia mais »

J.G de Araújo Jorge – Poesia – 15/09/23

Boa noite. Quando chegares… J.G de Araújo Jorge ¹ Não sei se voltarás sei que te espero. Chegues quando chegares, ainda estarei de pé, mesmo sem dia, mesmo que seja noite, ainda estarei de pé. A gente sempre fica acordado nessa agonia, à espera de um amor que acabou sendo fé… Chegues quando chegares, se houver tempo, colheremos ainda frutos, como ontem, a sós; se for tarde demais, nos deitaremos à sombra e perguntaremos por nós… José Guilherme de Araújo Jorge * Tarauacá, AC. – 20 de Maio de 1914 + Rio de Janeiro, RJ. – 27 de Janeiro de 1987

Leia mais »

Heriqueta Lisboa – Versos na tarde

Os lírios Henriqueta Lisboa¹ Certa madrugada fria irei de cabelos soltos ver como crescem os lírios. Quero saber como crescem simples e belos – perfeitos! – ao abandono dos campos. Antes que o sol apareça neblina rompe neblina com vestes brancas, irei. Irei no maior sigilo para que ninguém perceba contendo a respiração. Sobre a terra muito fria dobrando meus frios joelhos farei pergunta à terra. Depois de ouvir-lhe o segredo deitada entre lírios adormecerei tranquila. ¹Henriqueta Lisboa * Lambari, MG. – 15 de Julho de 1904 + Belo Horizonte, MG. – 9 de Outubro de 1985 Escritora brasileira. Considerada pela crítica uma das poetas mais bem-sucedidas da moderna literatura do país. Pouco conhecida do público, a mineira Henriqueta Lisboa foi consagrada por críticos do porte de Antônio Cândido e Alfredo Bosi como uma das poetisas mais bem-sucedidas da moderna literatura brasileira. Henriqueta Lisboa nasceu em Lambari MG em 15 de julho de 1904. Estudou no Colégio Sion da cidade de Campanha MG e dedicou-se ao magistério. Estudou línguas e letras no Rio de Janeiro e, em Belo Horizonte, lecionou literatura nas universidades locais. Desde o segundo livro, Enternecimento (1929), recebeu vários prêmios literários, inclusive a Medalha da Inconfidência de Minas Gerais, com Madrinha Lua (1952), e o Prêmio Brasília de Literatura (1971) pelo conjunto de sua obra. Inicialmente identificada com o simbolismo, Henriqueta Lisboa aceitou a influência do modernismo, mas permaneceu fiel aos temas de sua terra e de sua gente. A partir de Prisioneira da noite (1941) atingiu um lirismo que, nas palavras de Alfredo Bosi, distingue-a como “sutil tecedora de imagens capazes de dar uma dimensão metafísica a seu intimismo radical”. Autora ainda de A face lívida (1945), seu livro mais importante, Flor da morte (1949), Lírica (1958) e outras obras.

Leia mais »

Vieira Calado – Versos na tarde – Poesia

Regresso a casa Vieira Calado¹ A passagem das horas o perpassar dos dias o lento fervilhar do tempo em seus artifícios de claridade e sombras trazem-nos a este lugar preciso de quietude em ondulações de silêncio e apaziguamento. É aqui onde deveremos reaprender os festejos da luz a sombra do pecado original dos fascínios pelo regresso urgente a nossa casa. ¹José Vieira Calado *Lagos – Algarve,Portugal

Leia mais »

José Tolentino de Mendonça – Versos na tarde – 13/01/2018

O fio de um cabelo José Tolentino Mendonça¹   Abandono a casa o horto o lugar à mesa o casaco de que gostava, sobre o leito dobrado esta verdade quase banal que toda a vida fui   Não abro a porta quando batem (às vezes batiam só por engano) não avalio o balanço das certezas o que separa uma forma da outra sempre me escapou   Ontem começava a clarear o ar frio que vinha dos campos julguei-o de passagem e afinal era um segredo que meu corpo de uma vez por todas contava ao meu corpo   Mas quando tombei sobre a terra perdido como o fio de um cabelo (aqueles que primeiro caem da cabeça de um rapaz e por não serem notados são mais perdidos ainda) estavas junto de mim   Lançaste ao fogo cidades afogaste os exércitos no vermelho mar da sua ira hipotecaste terras tão preciosas para estares junto de mim   ¹José Tolentino Calaça de Mendonça ComSE *Machico, Portugal – 15 de dezembro de 1965

Leia mais »

Rosa Lobato Faria – Versos na tarde – Poesia – 26/11/2017

Sem Título Rosa Lobato Faria¹ E de novo a armadilha dos abraços. E de novo o enredo das delícias. O rouco da garganta, os pés descalços a pele alucinada de carícias. As preces, os segredos, as risadas no altar esplendoroso das ofertas. De novo beijo a beijo as madrugadas de novo seio a seio as descobertas. Alcandorada no teu corpo imenso teço um colar de gritos e silêncios a ecoar no som dos precipícios. E tudo o que me dás eu te devolvo. E fazemos de novo, sempre novo o amor total dos deuses e dos bichos. ¹Rosa Maria de Bettencourt Rodrigues Lobato de Faria * Lisboa, Portugal – 20 de abril de 1932 + Lisboa Portugal – 2 de fevereiro de 2010  

Leia mais »

José Luís Peixoto – versos na tarde – Poesia – 25/11/2017

A mulher mais bonita do mundo José Luís Marques Peixoto¹ estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram  flores novas na terra do jardim, quero dizer  que estás bonita.  entro na casa, entro no quarto, abro o armário,  abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio  de ouro.  entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como  se tocasse a pele do teu pescoço.  há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.  estás tão bonita hoje.  os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.  estás dentro de algo que está dentro de todas as  coisas, a minha voz nomeia-te para descrever  a beleza.  os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.  de encontro ao silêncio, dentro do mundo,  estás tão bonita é aquilo que quero dizer. ¹José Luís Marques Peixoto *Galveas, Portugal – 4 de setembro de 1974

Leia mais »