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Violência no Rio – Beltrame: ‘Como vou exigir que o policial arrisque a vida se o Estado não paga?

“É muito difícil. A gente está preparado para situações bem complicadas. Temos procurado estudar maneiras de manter aquilo que se conquistou, mas avançar é muito difícil”. Forças de segurança patrulham o Complexo da Maré, que ainda não conta com UPPs e é um dos locais mais perigosos do Rio – Image copyrightAP A avaliação é de José Mariano Beltrame, secretário de segurança do Estado do Rio de Janeiro há quase dez anos, sobre o futuro da segurança no Rio depois da Olimpíada, quando os reforços militares e policiais deixarem a cidade.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Para ele, a crise econômica vivida pelo RJ acrescentou ainda mais dificuldades a uma área já complexa. “Como é que você vai fazer as coisas com os policiais sem salário? Com os batalhões às vezes sem alimentação? Imagina eu chegar pra você e dizer que você vai receber só meio salário. Como é que eu vou exigir que o policial saia para a rua, arrisque a vida e se comprometa com uma sociedade e com um Estado, se esse Estado não paga?”, questiona. Desde o final do ano passado, os servidores públicos do Estado, entre eles policiais civis e militares, têm enfrentado atrasos e suspensões de pagamentos de seus salários. Só recentemente, graças à ajuda de R$ 2,9 bilhões recebida do governo federal, foi possível programar o pagamento de salários atrasados dos agentes de segurança. Em entrevista à BBC Brasil e à BBC News no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), de onde será gerenciado todo o esquema de segurança da Olimpíada, Beltrame comentou a onda de violência que atinge o Rio nos últimos meses e que se intensificou nas últimas semanas, com mais mortes por balas perdidas, arrastões em bairros da Zona Sul e da Zona Norte, e o maior número de assaltos em 26 anos, registrado no mês de maio, com quase 10 mil roubos, praticamente um a cada quatro horas. Embora não negue que o Rio esteja “em um de seus momentos mais difíceis”, o secretário rejeita que a situação esteja “fora de controle”. “Os indicadores tiveram um aumento nos últimos quatro ou cinco meses mas nós temos uma história de nove anos e estamos, mesmo na crise, buscando já recuperar a diminuição desses índices, principalmente dos crimes contra a vida”, diz. À frente da segurança pública do RJ há quase dez anos, Beltrame diz que Estado vive um de seus ‘momentos mais difíceis’ – Image copyright JEFFERSON PUFF – BBC Beltrame diz não ter dúvidas de que haverá segurança no Rio durante os Jogos. “Eu posso dizer que as Olimpíadas vão ser tranquilas, que as pessoas podem vir ao Rio de Janeiro. O Rio está pronto para isso”. Para ele, o motivo de preocupação é o que vem depois. “Tenho policiais para serem chamados para trabalhar, mas não sei se vão conseguir nomeá-los. Tenho solicitação de concursos públicos para fazer, mas não posso porque não tenho dinheiro. Nós vamos ter que diminuir as incidências criminais dentro de uma realidade econômica sem perspectiva de melhora. É uma tarefa difícil”, avalia. Rumo aos 60 anos, o gaúcho de Santa Maria já se disse cansado do cargo diversas vezes, mas sempre aceitou continuar à frente da segurança pública do Rio. Ele diz que ainda tem “umas coisinhas para fazer”, e que vai tentar fazê-las, mesmo sem dinheiro. “Quando eu fizer, eu vou dar a minha missão, o meu período por cumprido.” Veja os principais trechos da entrevista: BBC Brasil – Nas últimas semanas o Rio de Janeiro tem vivido assaltos, arrastões, mortes por balas perdidas, casos de muita repercussão e cenas que remetem a uma época que o carioca já considerava parcialmente superada. Há uma crise de segurança no Rio? A situação está fora de controle? José Mariano Beltrame – Não, absolutamente não. Ainda ontem nós fechamos os números de junho e nós estamos no terceiro mês consecutivo de queda de homicídios. Nós temos sim um impacto na segurança pública que é oriundo de uma crise econômica que o Estado vem enfrentando, e isso foi se refletindo na segurança a partir de março em função de alguns programas que nós tínhamos e cujas verbas foram cortadas. Houve um impacto, mas não se trata de nada que possa ser classificado como fora de controle, ou a situação que nós tínhamos antes de 2007. Basta olhar os números. Os indicadores tiveram um aumento nos últimos quatro ou cinco meses mas nós temos uma história de nove anos e estamos, mesmo na crise, buscando já recuperar a diminuição desses índices, principalmente dos crimes contra a vida. Estamos conseguindo com muito sacrifício. Temos problemas de gerenciamento em função da economia do Estado e do país, mas longe de se ter algo fora de controle. BBC Brasil – À frente da segurança do Estado do RJ há quase dez anos, o senhor viu muitas transformações e diferentes situações. Em que momento o Rio está agora em termos de segurança pública? Beltrame – Nós estamos em um momento difícil. Como é que você vai fazer as coisas com os policiais sem salário? Com os batalhões às vezes sem alimentação? Isso tudo foi sanado agora semana passada, com dinheiro federal, mas não há como dizer que não temos problemas. É claro que temos. Imagina eu chegar pra você e dizer que você vai receber só meio salário. E a segunda parte? Não sei quando eu vou te pagar. Como é que eu vou exigir que o policial saia para a rua, arrisque a vida e que se comprometa com uma sociedade e com um Estado, se esse Estado não paga? Nós estamos vivendo um dos momentos mais difíceis da segurança pública no Rio. BBC Brasil – Estamos a três semanas da Olimpíada. O que pode ser feito antes dos Jogos para segurar a atual onda de violência? Beltrame – Eu posso dizer que a Olimpíada vai ser tranquila, que as pessoas podem vir ao Rio de Janeiro. O Rio está pronto para isso. Por quê? Porque nós vamos ter aqui em

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UPPs para inglês ver?

Nesta minha estada no Rio tenho podido testemunhar o fenômeno de que tanto se fala nos jornais. A elevação acentuada de preços. <= Eleanor Warnick – Estudante da Universidade de Oxford Segundo muita gente, ela tem sido causada em boa parte pelo aumento do poder aquisitivo do brasileiro. Outros motivos: a Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016. Mesmo esperando preços mais altos por conta destes eventos, confesso que me surpreendi quando cheguei. E acho que não sou a única a me assustar. O custo da moradia não para de subir e já não há muita diferença para os preços de acomodação na Europa. Isso tem feito muita gente da chamada classe média deixar o asfalto, como se diz por aqui, e procurar casa ou apartamento em comunidades pacificadas nos morros do Rio. Um bom exemplo disso é o morro do Vidigal, na zona Sul, vizinho do bairro do Leblon, onde mora boa parte da elite carioca. A instalação de uma UPP no Vidigal levou mais segurança à comunidade, e, juntamente com a localização privilegiada, tornou o morro uma boa opção para quem foge dos aluguéis elevados. O Vidigal virou moda. E com a moda, vieram os preços mais altos. A vista desde o topo do Vidigal de onde se avista as praias de Ipanema e Leblon Toda vez que subo o morro vejo novas construções, novos hotéis, bares e restaurantes. Um hotel boutique recém-inaugurado no alto do Vidigal cobra diárias em torno de 600 reais.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Os restaurantes locais estão sendo transformados, alguns têm menus internacionais e cobram preços incompatíveis com o padrão local. Hoje existe um sushi bar logo na entrada do morro e, lá no alto, uma discoteca cobra entrada de até 50 reais. Fico pensando, será que os moradores tradicionais do Vidigal se beneficiam dessa modernidade súbita? Será que frequentam estes lugares? Será que gostam do que está acontecendo? Conversei com Lenidafia Soares, moradora do Vidigal. Ela me disse que o morro está sendo dividido, entre “os ‘estrangeiros’ que vêm do ‘asfalto’ e a comunidade local que atualmente ficou com poucas opções de lazer”. “Até os bailes funk a polícia proibiu.” Outros moradores me disseram que detestam as excursões de turistas levados ao morro para ver como vivem os favelados. André Luiz Abreu Souza, do movimento “A Favela Não se Cala”, diz que não quer se sentir “como um animal num zoológico”. “Queremos ser respeitados por quem tira uma foto de nós”, diz ele. Mas noto também que a chegada dos turistas ao morro também criou empregos e oportunidades que antes não existiam. Alguns moradores alugam quartos em suas casas para acomodar estrangeiros interessados em curtir uma experiência diferente e aproveitar a linda vista que o Vidigal proporciona. Elliot Rosenburg, um americano de 23 anos, criou uma empresa que consegue acomodação para turistas e dá 70% do valor para os proprietários das casas. Segundo Rosenburg, o esquema promove integração entre turistas e moradores locais. Mas um dos moradores do Vidigal, André Luiz Abreu Silva, acredita que “a favela está pagando um preço caro por causa da Copa”. Ele diz que “a renovação branca já chegou e não há sinal de que isso vá mudar.” Parece que a comunidade do Vidigal, que tanto celebrou as melhorias feitas no morro, incluindo a instalação de uma Unidade Pacificadora da Polícia, hoje já começa a ter saudade de um passado em que, apesar da pouca segurança, poucos pensavam em deixar o local. Será então que, no final, a UPP chegou para beneficiar os “estrangeiros que vêm do asfalto”? BBC

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