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Umberto Eco e o Fascismo

Vocês já observaram que fascista adora falar “defina fascismo”? Pois então, Umberto Eco já respondeu essa pergunta. As 14 características do fascismo, por Umberto Eco. Parecem familiares? Fragmento de uma conferência que Umberto Eco fez em 1995 na Universidade de Columbia, em que elaborou uma rápida caracterização do que chamou “Ur-Fascismo” ou “fascismo eterno”. 1. Culto da tradição, dos saberes arcaicos, da revelação recebida no alvorecer da história humana, dos hieróglifos egípcios às runas dos celtas e aos textos sagrados, ainda desconhecidos, de algumas religiões asiáticas. 2. Rechaço do modernismo. O Iluminismo, a idade da Razão, são vistos como o princípio da depravação moderna. Neste sentido, o Ur-Fascismo pode se definir como irracionalismo. 3. Culto da ação pela ação. Pensar é uma forma de castração. Por isso a cultura é suspeita, à medida em que é identificada com atitudes críticas. 4. Rechaço do pensamento crítico. O espírito crítico opera distinções e distinguir é sinal de modernidade. Para o Ur-Fascismo, estar em desacordo é traição. 5. Medo ao diferente. O primeiro chamamento de um movimento fascista, ou prematuramente fascista, é contra os intrusos. O Ur-Fascismo é, pois, racista por definição. 6. Apelo às classes médias frustradas. Em nossa época, o fascismo encontrará seu público nesta nova maioria. 7. Nacionalismo e xenofobia. Obsessão pelo complô. Os seguidores têm de se sentir ameaçados. 8. Inveja e medo do “inimigo”. 9. Princípio de guerra permanente, antipacifismo. 10. Elitismo, desprezo pelos fracos. 11. Heroísmo, culto à morte. 12. Transferência da vontade de poder a questões sexuais. Machismo, ódio ao sexo não-conformista, como a homossexualidade. Transferência do sexo ao jogo das armas. 13. Populismo qualitativo, oposição aos apodrecidos governos parlamentares. Toda vez que um político lança dúvidas sobre a legitimidade do parlamento porque já não representa a voz do povo, podemos perceber o cheiro do Ur-Fascismo. 14. Novilíngua. Todos os textos escolares nazis ou fascistas se baseavam em um léxico pobre e em uma sintaxe elementar, com a finalidade de limitar os instrumentos para o raciocínio complexo e crítico. Devemos estar preparados para identificar outras formas de novilíngua, inclusive quando adotam a forma inocente de um popular reality show.

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O Nome da Rosa

O Nome da Rosa Um incrível trecho de “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco. Quando o abade cego pergunta ao investigador William de Baskerville: ′′Que almejam verdadeiramente?” Baskerville responde: ′′ Eu quero o livro grego, aquele que, segundo vocês, nunca foi escrito. Um livro que só trata de comédia, que odeiam tanto quanto risos.  Provavelmente é o único exemplar conservado de um livro de poesia de Aristóteles. Existem muitos livros que tratam de comédia. Por que esse livro é precisamente tão perigoso?” O abade responde: ′′ Porque é de Aristóteles e vai fazer rir “. Baskerville replica: ′′ O que há de perturbador no fato de os homens poderem rir?” O abade: ′′O riso mata o medo, e sem medo não pode haver fé. Aquele que não teme o demônio não precisa mais de Deus”.

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Umberto Eco: O homem que sabia de tudo

Ao anunciar a morte de Umberto Eco, na última sexta-feira (19/2), o jornal italiano La Reppublica publicou  um título que resume bem a importância.do escritor e sua influência futura nas mais diversas áreas do conhecimento :   “Morreu Umberto Eco, o homem que sabia de tudo”. Natural de Alessandria, uma comuna da região de Piemonte, no norte da Itália, Umberto Eco foi escritor, filósofo, professor, crítico literário e semiólogo, sendo autor de vários livros sobre semiótica, estética medieval, linguística e filosofia. Acredito que um dos grandes méritos dele foi o de produzir conhecimento acadêmico numa linguagem acessível e sem os vícios de quem escreve trabalhos científicos. Quem é da área de semiótica sabe muito bem o que eu estou falando. Além de atuar no mundo acadêmico ele também trabalhou em programas culturais na televisão pública italiana, a RAI. Foi nesse período que se interessou pela semiótica e foi contratado para dar aulas na Universidade de Bolonha (a mais antiga da Europa). Tenho um carinho especial pelo seu trabalho, pois leciono disciplinas que têm como base conhecimentos das áreas da Estética e das Teorias da Comunicação e utilizo algumas das obras escritas por ele. Percebi que muitos portais de notícias o “definiram” como o autor de O Nome da Rosa, mas isto seria o mesmo que dizer que Pelé foi um grande jogador de futebol. Assim como a semiótica estuda os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos, ou seja, como detentores de significado, o trabalho de vida do escritor italiano não pode ser descrito por um único ponto de vista, pois Eco soube atuar em diferentes áreas do conhecimento e da vida como um malabarista que brinca com várias bolinhas ao mesmo tempo. Um bom exemplo dessa habilidade pode ser observado no livro O Nome da Rosa, no qual ele escreve uma narrativa que tem um pouco de relato histórico, suspense policial e ao mesmo tempo é uma crônica medieval. A história gira em torno de Guilherme Baskerville, um monge franciscano que visita uma abadia no norte da Itália, em 1327, e de repente se vê inserido numa sequência de eventos envolvendo crimes, conspirações e descobertas extraordinárias. O romance foi adaptado ao cinema em 1986 e contou com Sean Connery no papel principal, o ator foi premiado com o Bafta, de melhor ator de cinema, por sua interpretação nesse filme. As obras acadêmicas É engraçado assistir numa entrevista o escritor “reclamando” do sucesso do seu primeiro romance, O Nome da Rosa. Segundo o italiano, por mais que escrevesse um livro melhor do que aquele, ele sempre era lembrado como o autor de O Nome da Rosa, o qual ele não considerava um dos seus melhores trabalhos. “Os livros não são feitos para que alguém acredite neles, mas para serem submetidos à investigação. Quando consideramos um livro, não devemos perguntar o que diz, mas o que significa” (O Nome da Rosa). Assim como a semiótica, que estuda os modos como o homem percebe aquilo que o rodeia, Umberto Eco soube interpretar vários aspectos do cotidiano do homem e transitar entre o mundo acadêmico e a cultura popular. Dentre as obras acadêmicas gostaria de ressaltar: * Obra Aberta (1962) – o livro traz uma série de ensaios sobre a produção artística europeia que convidava o intérprete a participar da construção final do objeto artístico. Ou seja, toda obra de arte é aberta e não pode ser reduzida a apenas uma interpretação. * Apocalípticos e Integrados (1965) – uma obra obrigatória dentro da disciplina de Teorias da Comunicação, pois nela o autor apresenta uma série de ensaios sobre a questão da cultura de massa na era tecnológica. Para o autor os apocalípticos são aqueles que condenam os meios de comunicação de massa enquanto que os integrados aqueles que os absolvem. * História da Beleza (2004) – um trabalho audacioso onde o autor procura responder alguns dos grandes questionamentos sobre o Belo. O que é a beleza? O que é arte? Gosto se discute? O livro procura analisar as transformações do conceito do Belo através dos tempos. * História da Feiura (2007) – O autor se volta agora para a feiura buscando identificar as representações visuais ou verbais e refletir sobre os parâmetros que definem a existência do feio, do cruel e do demoníaco. A percepção da realidade que nos cerca Além desses trabalhos, destaco seu trabalho mais recente. Em Número Zero o autor aborda o mundo do jornalismo, principalmente do mau jornalismo. Na história, um grupo de redatores, reunidos ao acaso, prepara o jornal Amanhã com o objetivo não de informar, mas de prestar serviços duvidosos a seu editor, manipulando, chantageando e amedrontando adversários políticos na preparação de uma edição que nunca é publicada. Apesar de ser um romance, o livro é um verdadeiro manual do mau jornalismo e traz uma série de reflexões sobre a comunicação e a informação na sociedade atual. “Não são as notícias que fazem o jornal, mas o jornal é que faz as notícias, e saber juntar quatro notícias diferentes significa propor ao leitor uma quinta notícia” (Número Zero). Numa entrevista dada em 2015 ao jornal La Stampa, o escritor ainda aconselhou os jornais a filtrarem com uma “equipe de especialistas” as informações da web porque ninguém é capaz de saber se um site é “confiável ou não”. Segundo ele, “as redes sociais dão o direito de falar a uma legião de idiotas que antes só falavam em um bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a humanidade. Então, eram rapidamente silenciados, mas agora têm o mesmo direito de falar que um prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis”. O futebol também mereceu a sua atenção, mesmo que eles não fossem tão próximos. “Não amo o futebol porque o futebol nunca me amou.” Dessa forma o italiano descreveu a sua relação com esse esporte. De qualquer forma, o time de futebol Alessandria utilizará uma braçadeira negra nas próximas partidas homenageando um dos seus filhos mais ilustres. Quem assiste ao futebol é um depravado sexual. Marcar um

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10 frases para recordar a lucidez mordaz de Umberto Eco

Umberto Eco era famoso tanto por sua criação literária como por suas lúcidas e polêmicas declarações. Image copyright Reuters Após o falecimento na sexta-feira do escritor e filósofo italiano de 84 anos, autor de romances como “O Nome da Rosa” (1980), “O Pêdulo de Focault” (1988) e “Número Zero” (2015), reunimos dez frases que ilustram o que ele pensava sobre temas diversos, da internet a Deus. 1. Sobre os livros “Os livros não são feitos para alguém acredite neles, mas para serem submetidos à investigação. Quando consideramos um livro, não devemos perguntar o que diz, mas o que significa.” – O Nome da Rosa 2. Sobre os pais “Acredito que aquilo em que nos transformamos depende do que nossos pais nos ensinam em pequenos momentos, quando não estão tentando nos ensinar. Somos feitos de pequenos fragmentos de sabedoria.” – O Pêdulo de Focault 3. Sobre Dios “Quando os homens deixam de crer em Deus, não significa que não creem em nada: creem em tudo.” 4. Sobre o amor “O amor é mais sábio que a sabedoria.” – O Nome da Rosa 5. Sobre os heróis “O verdadeiro herói é herói por engano. Ele sonha em ser um covarde honesto como todo mundo.” 6. Sobre os vilões “Os monstros existem porque são uma parte de um plano divino e, nas características horríveis desses mesmos monstros, revela-se o poder do criador.” –O Nome da Rosa 7. Sobre a poesia “Todos os poetas escrevem poesia ruim. Os poetas ruins as publicam, os poetas bons as queimam.” 8. Sobre o jornalismo “Não são as notícias que fazem o jornal, mas o jornal é que faz as notícias, e saber juntar quatro notícias diferentes significa propôr ao leitor uma quinta notícia” – Número Zero 9. Sobre a internet “As redes sociais dão o direito de falar a uma legião de idiotas que antes só falavam em um bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a humanidade. Então, eram rapidamente silenciados, mas, agora, têm o mesmo direito de falar que um prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis” – ao jornalLa Stampa. 10. Sobre a corrupção “Hoje, quando afloram os nomes de corruptos e fraudadores, as pessoas não se importam com isso, e só vão para a cadeia os ladrões de galinhas.” – à agência EFE

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Umberto Eco: um intelectual italiano que criticou a corrupção e manipulação no jornalismo

Entre suas obras-primas, destaca-se “O Nome da Rosa”, um ‘best-seller’ ambientado no século XIV; Eco morreu em sua casa aos 84 anos.Agência Efe Umberto Eco, o escritor e semiólogo italiano que criticou ao longo de sua vida a manipulação no jornalismo e a corrupção, autor de obras inesquecíveis como “O Nome da Rosa”, morreu nesta sexta-feira (19/02) em sua casa aos 84 anos. Nascido em Alexandria, na norte da Itália, em 5 de janeiro de 1932, Eco foi intelectual, escritor, semiólogo e filósofo de prestígio e reconhecido em nível internacional. Entre suas obras-primas, destaca-se “O Nome da Rosa” (1980), um ‘best-seller’ ambientado no século XIV, que narra a investigação realizada pelo frei William de Baskerville e seu pupilo Adso de Melk em torno de uma misteriosa série de crimes que ocorrem em uma abadia. O romance foi reeditado em várias ocasiões e recebeu alguns prêmios importantes, como o Strega (1981), na Itália, e o Medicis, na França. Além disso, a obra foi levada ao cinema pelo diretor J.J. Annaud e obteve grande sucesso. Oito anos depois, Eco publicou “O Pêndulo de Foucalt“, outro de seus melhores títulos que narra a história de três intelectuais que inventam um suposto plano dos cavaleiros templários para dominar o mundo. “O Pêndulo de Foucault” foi publicado na Itália em 1988 e foi um dos livros mais vendidos daquele ano, mas a crítica não mostrou muito interesse pelo romance, exceto o L’Osservatore Romano, órgão oficial da Santa Sé, que em um inusitado ataque tachou a obra de “bobagem, charlatanismo puro, profanação e blasfêmia”. Seu último livro foi “O Número Zero”, uma obra na qual abordou os mistérios que cercaram a morte do ditador italiano Benito Mussolini. O romance, publicado em mais de 30 países, traz uma feroz e irônica crítica ao mau jornalismo, à mentira e à manipulação da história. Agraciado com o Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades em 2000, Eco também ficou conhecido por romances como “A Ilha do Dia Anterior“, “Baudolino” e “A Misteriosa Chama da Rainha Loana“, e, ao longo de sua vida profissional, foi responsável por vários ensaios sobre semiótica, estética medieval, linguística e filosofia. Sua primeira obra de semiótica foi “A Estrutura Ausente” (1968), que foi seguida por “As Formas do Conteúdo” e “O Sinal” (1973), que depois culminaram em um trabalho mais completo sobre a matéria, o “Tratado de Semiótica Geral”, publicado em 1975. Eco trabalhou na emissora pública italiana RAI de 1954 até 1958, e depois foi professor adjunto de Estética entre 1962 e 1965 nas universidades de Turim e Milão. Eco também fez parte do Grupo 63, um movimento neovanguardista de intelectuais, e publicou seu estudo sobre arte contemporânea, “Opera Aberta” (1962), que foi seguido por “Diário Mínimo” (1963) e seu conhecido “Apocalípticos e Integrados” (1965), sobre a cultura de massa e os meios de comunicação. Além disso, Umberto Eco colaborou em publicações como The Times, Literary Supplement e Tel Quel, e durante 35 anos com a editora Bompiani. Em 1988, o escritor fundou o departamento de Comunicação da Universidade de San Marino e, além disso, foi professor emérito e presidente da Escola Superior de Estudos Humanísticos da Universidade de Bolonha, no norte da Itália, desde 2008. Nomeado integrante do Fórum de Sábios pela Mesa do Conselho da Unesco (1992), integrou também a Academia Universal de Culturas junto a outros intelectuais e foi nomeado doutor “honoris causa” por mais de 25 universidades de todo o mundo, entre elas, a Complutense de Madri, Tel Aviv, Atenas, Varsóvia e Berlim. Legião de Honra da França desde 1993 e prêmio austríaco de Literatura Europeia por toda sua obra em 2004, em Salzburgo, em seus últimos anos de vida Umberto Eco compaginou sua atividade acadêmica e literária com conferências, colóquios, debates e colaborações nos meios de comunicação. Fonte:ÓperaMundi

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Linchamento moral: A “legião dos imbecis” e o discurso do ódio

Desde que pronunciou em 11 de junho a expressão “legião de imbecis” para ser referir aos que antes “falavam apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”, Umberto Eco se tornou o centro de polêmica mundial a respeito do direito de expressão nas mídias sociais. No Brasil, a repercussão aumentou após a entrevista que Eco deu à revista “Veja”, publicada na semana passada, na qual ele tentou contemporizar um pouco a força de suas palavras originais: “veja bem, num mundo com mais de 7 bilhões de pessoas, você não concordaria que há muitos imbecis? Não estou falando ofensivamente quanto ao caráter das pessoas. O sujeito pode ser um excelente funcionário ou pai de família, mas ser um completo imbecil em diversos assuntos. Com a internet e as redes sociais, o imbecil passa a opinar a respeito de temas que não entende”. Afinal, a expressão pejorativa “legião de imbecis” para se referir a quem expressa opiniões, ainda que infundadas, ilógicas, mal formuladas, cheias de erros gramaticais, contradiz o pensador que um dia defendeu que todos deveriam, “antes de tudo, respeitar o direito da corporalidade do outro, entre os quais o direito de falar e pensar”, como bem realçou recentemente em seu blog o professor Carlos Chaparro. De fato, “ignorantes” (no sentido não ofensivo que define alguém que ignora determinados assuntos) não devem ter contestado seu direito de se expressar publicamente pelas mídias sociais, por mais disparatadas que sejam suas falas. Mesmo porque elas podem ofender o bom senso, o vernáculo, a sensibilidade estética, mas não causam real prejuízo a ninguém.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”] Muito diverso, no entanto, é o discurso de ódio disseminado em larga escala pelas redes virtuais, como o de que tem sido alvo a jornalista Maria Júlia Coutinho, da Rede Globo de Televisão. Os comentários racistas de internautas na página do “Jornal Nacional” no Facebook e em outras mídias sociais não podem ser admitidos e merecem investigação que leve à punição de seus autores, como já foi solicitado ao Ministério Público. O caso de Maju é um dos mais expressivos, inclusive pelo componente de racismo, que remete aos linchamentos literais de que foram vítimas centenas de negros nos EUA durante muitos anos há pouco mais meio século. Aqueles linchamentos físicos, que inspiraram Billie Holiday a compor a pungente canção “Fruta Estranha” (“Árvores do sul produzem uma fruta estranha/Sangue nas folhas e sangue nas raízes/Corpos negros balançando na brisa do sul/ Fruta estranha penduradas nos álamos”) eram quase tão corriqueiros como são agora os linchamentos morais via internet. Outra vítima recente da sanha linchadora eletrônica é o jornalista Zeca Camargo, também da Globo, que sofreu com a ira dos que se enfureceram por um comentário sobre a cobertura feita da morte do cantor sertanejo Cristiano Araújo, na qual ele colocou em discussão os critérios da pauta do jornalismo cultural brasileiro atual, sem ter sido minimamente desrespeitoso com o artista. Igualmente da Globo, Jô Soares sofreu até ameaças de morte por causa da entrevista que fez com a presidente Dilma Rousseff porque alguns “imbecis” o consideraram muito condescendente com ela. Imbecis que só falam são relativamente inofensivos. Mas os que lincham moral ou fisicamente não podem ser tolerados em sociedades democráticas. As leis de repressão a crimes de informática devem ser usadas para conter e punir os que as desrespeitam. Censura prévia, é claro, não pode ser admitida. Mas a condenação legal pelos efeitos do discurso de ódio é imprescindível, bem como a reação em defesa dos atingidos, como expressão de solidariedade a eles e de repulsa coletiva aos linchadores. Carlos Eduardo Lins da Silva/Observatório da Imprensa

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Umberto Eco: sobre livros e eletrônicos

‘Eletrônicos duram 10 anos, livros, 5 séculos’ O bom humor parece ser a principal característica do semiólogo, ensaísta e escritor italiano Umberto Eco. Se não, é a mais evidente. Ao pasmado visitante, boquiaberto diante de sua coleção de 30 mil volumes guardados em seu escritório/residência em Milão, ele tem duas respostas prontas quando é indagado se leu toda aquela vastidão de papel. “Não. Esses livros são apenas os que devo ler na semana que vem. Os que já li estão na universidade” – é a sua preferida. “Não li nenhum”, começa a segunda. “Se não, por que os guardaria?” Na verdade, a coleção é maior, beira os 50 mil volumes, pois os demais estão em outra casa, no interior da Itália. E é justamente tal paixão pela obra em papel que convenceu Eco a aceitar o convite de um colega francês, Jean-Phillippe de Tonac, para, ao lado de outro incorrigível bibliófilo, o escritor e roteirista Jean-Claude Carrière, discutir a perenidade do livro tradicional. Foram esses encontros (“muito informais, à beira da piscina e regados com bons uísques”, informa Umberto Eco) que resultaram em Não Contem Com o Fim do Livro, que a editora Record lança na segunda quinzena de abril. A conclusão é óbvia: tal qual a roda, o livro é uma invenção consolidada, a ponto de as revoluções tecnológicas, anunciadas ou temidas, não terem como detê-lo. Qualquer dúvida é sanada ao se visitar o recanto milanês de Eco, como fez o Estado na última quarta-feira. Localizado diante do Castelo Sforzesco, o apartamento – naquele dia soprado por temperaturas baixíssimas, a neve pesada insistindo em embranquecer a formidável paisagem que se avista de sua sacada – encontra-se em um andar onde antes fora um pequeno hotel. “Se eram pouco funcionais para os hóspedes, os longos corredores são ótimos para mim pois estendo aí minhas estantes”, comenta o escritor, com indisfarçável prazer, ao apontar uma linha reta de prateleiras repletas que não parecem ter fim. Os antigos quartos? Transformaram-se em escritórios, dormitórios, sala de jantar, etc. O mais desejado, no entanto, é fechado a chave, climatizado e com uma janela que veda a luz solar: lá estão as raridades, obras produzidas há séculos, verdadeiros tesouros. Isso mesmo: tesouros de papel.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Conhecido tanto pela obra acadêmica (é professor aposentado de semiótica, mas ainda permanece na ativa na Faculdade de Bolonha) como pelos romances (O Nome da Rosa, publicado em 1980, tornou-se um best-seller mundial), Eco é um colecionador nato; além de livros, gosta também de selos, cartões-postais, rolhas de champanhe. Na sala de seu apartamento, estantes de vidro expõem tantos os livros raros – que, no momento, lideram sua preferência – como conchas, pedras, pedaços de madeira. As paredes expõem quadros que Eco arrematou nas visitas que fez a vários países ou que simplesmente ganhou de amigos – caso de Mário Schenberg (1914-1990), físico, político e crítico de arte brasileiro, de quem o escritor guarda as melhores recordações. Aos 78 anos, Eco – que tem relançado no País Arte e Beleza na Estética Medieval (Record, 368 págs., R$ 47,90, tradução de Mario Sabino) – exibe uma impressionante vitalidade. Diverte-se com todo tipo de cinema (ao lado de seu aparelho de DVD repousa uma cópia da animação Ratatouille), mantém contato com seus alunos em Bolonha, escreve artigos para jornais e revistas e aceita convites para organizar exposições, como a que o transformou, no ano passado, em curador, no Museu do Louvre, em Paris. Lá, o autor teve o privilégio de passear sozinho pelos corredores do antigo palácio real francês nos dias em que o museu está fechado. E, como um moleque levado, aproveitou para alisar o bumbum da Vênus de Milo. Foi com esse mesmo espírito bem-humorado que Eco – envergando um elegante terno azul-marinho, que uma revolta gravata da mesma cor tratava de desalinhar; o rosto sem a característica barba grisalha (raspada religiosamente a cada 20 anos e, da última vez, em 2009, também porque o resistente bigode preto o fazia parecer Gengis Khan nas fotos) – conversou com a reportagem do Sabático. O livro não está condenado, como apregoam os adoradores das novas tecnologias? O desaparecimento do livro é uma obsessão de jornalistas, que me perguntam isso há 15 anos. Mesmo eu tendo escrito um artigo sobre o tema, continua o questionamento. O livro, para mim, é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objeto que, uma vez inventado, não muda jamais. Continua o mesmo e é difícil de ser substituído. O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação. Os eletrônicos chegaram, mas percebemos que sua vida útil não passa de dez anos. Afinal, ciência significa fazer novas experiências. Assim, quem poderia afirmar, anos atrás, que não teríamos hoje computadores capazes de ler os antigos disquetes? E que, ao contrário, temos livros que sobrevivem há mais de cinco séculos? Conversei recentemente com o diretor da Biblioteca Nacional de Paris, que me disse ter escaneado praticamente todo o seu acervo, mas manteve o original em papel, como medida de segurança. Qual a diferença entre o conteúdo disponível na internet e o de uma enorme biblioteca? A diferença básica é que uma biblioteca é como a memória humana, cuja função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar – muito embora Jorge Luis Borges, em seu livro Ficções, tenha criado um personagem, Funes, cuja capacidade de memória era infinita. Já a internet é como esse personagem do escritor argentino, incapaz de selecionar o que interessa – é possível encontrar lá tanto a Bíblia como Mein Kampf, de Hitler. Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. Sou capaz de distinguir os sites confiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele capaz de escolher o site correto? É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse

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Umberto Eco – Souvenires do passado

Relíquias Umberto Eco¹ Ao ler meu jornal local, eu me deparei com um artigo interessante sobre relíquias, não apenas do tipo religioso, mas também da variedade laica, da cabeça de Descartes ao cérebro de Gorky. O hábito de conservar relíquias não é, como se costuma acreditar, um hábito cristão, mas um hábito típico de cada raça e cultura. O que está em jogo no culto às relíquias é o tipo de impulso que eu definiria como mito-materialista, a ponto das pessoas acreditarem que podem obter uma espécie de poder de um grande homem ou santo ao tocar pedaços do corpo daquela pessoa. Por outro lado, o hábito também revela um gosto normal por antiguidades (colecionadores estão preparados a gastar grandes somas não apenas para ter a posse da primeira edição de um livro famoso, mas especialmente um que tenha sido de propriedade de uma pessoa importante). E, é claro (como freqüentemente acontece nos leilões americanos), nós também temos memorabilia. Esses itens podem assumir a forma das luvas (genuínas) de Jackie Kennedy ou das usadas por Rita Hayworth em “Gilda” (falsas). Finalmente, há o fator econômico: na Idade Média, relíquias famosas eram atrações turísticas valiosas que atraíam fluxos constantes de peregrinos, assim como algumas discotecas na Riviera do Adriático agora atraem multidões de turistas alemães e russos. Eu também já vi multidões de turistas em Nashville, Tennessee, admirando o Cadillac do Elvis. Não que ele tivesse apenas um – ele trocava de modelo a cada seis meses. Na Noite de Reis, talvez repleto de espírito natalino e me sentindo um tanto estranho, em vez de baixar pornografia pela Internet (como todo mundo), eu decidi navegar pela Internet à procura de relíquias famosas. [ad#Retangulo – Anuncios – Esquerda]Por exemplo, nós sabemos que a cabeça de São João Batista se encontra na Igreja de São Silvestre, em Roma, mas segundo uma tradição anterior, ela se encontrava na Catedral de Amiens, na França. De qualquer forma, a cabeça em Roma carece da mandíbula inferior, que atualmente se encontra na Catedral de São Lourenço, em Viterbo, a cerca de 100 quilômetros ao norte. O prato em que foi colocada a cabeça do Batista está no tesouro da Catedral de São Lourenço, em Gênova, juntamente com suas cinzas. Mas parte dessas cinzas também está conservada na velha igreja do mosteiro beneditino em Loano, um dos dedos do santo está supostamente no Museo dell’Opera del Duomo, em Florença, e um braço na Catedral de Siena. Quanto ao seu dente, um está na Catedral de Ragusa e outro, juntamente com uma mecha de cabelo, está em Monza. Não há nenhuma notícia dos outros 30. Uma lenda antiga diz que outra catedral tinha o crânio do Batista aos 12 anos, mas não acredito que exista qualquer documento oficial que confirme o rumor. A Verdadeira Cruz foi encontrada em Jerusalém por Santa Helena, a mãe do imperador romano Constantino 1º. Roubada pelos persas no século 7 e recuperada pelo imperador bizantino Heráclito, ela foi levada ao campo de batalha pelos cruzados contra Saladino, o mais famoso dos heróis muçulmanos. Infelizmente, Saladino venceu, e depois disso todos os traços da cruz se perderam para sempre. Todavia, vários pedaços dela já foram roubados: um dos pregos aparentemente é mantido em Roma, na Igreja da Santa Cruz de Jerusalém. A coroa de espinhos, mantida por muito tempo em Constantinopla, foi partida visando doar pelo menos um espinho para diversas igrejas e santuários. E a Lança Sagrada, que já pertenceu ao sacro imperador romano Carlos Magno e seus sucessores, atualmente está em Viena, Áustria. O prepúcio de Jesus estava em exibição na cidade italiana de Calcata até que, em 1983, o padre anunciou que ele tinha sido roubado. Mas a posse da mesma relíquia já foi reclamada por Roma; Antuérpia, Bélgica; na França, em Auvergne, Chartres, Conques, Besancon, Fecamp, Metz, Langres, Charroux e Puy-en-Velay; por Hildesheim, Alemanha; e Santiago di Compostela, Espanha. O sangue que jorrou do ferimento na lateral de Cristo, que teria sido coletado pelo soldado romano Longinus, foi supostamente levado para Mantua, aqui na Itália, mas outro sangue também é mantido na Basílica do Sangue Sagrado em Bruges, Bélgica. A Manjedora Sagrada está em Santa Maria Maggiore, em Roma, enquanto – como se sabe – o Santo Sudário está em Turim. As faixas do bebê Jesus são mantidas em Aachen, Alemanha. O pano que Jesus usou para lavar os pés dos Apóstolos está na igreja de São João Laterano e em Acqs, Alemanha, apesar de não poder ser excluído que Jesus usou dois panos ou lavou os pés deles duas vezes. Muitas igrejas possuem amostras do cabelo ou leite da Virgem Maria; seu anel de casamento está supostamente em Perugia, Itália, enquanto seu anel de noivado está em Notre Dame, em Paris. Milão, Itália, costumava ser lar dos restos mortais dos Reis Magos, mas no século 12, o sacro imperador romano Frederick Barbarossa os levou para Colônia, Alemanha, como espólios de guerra. Eu contei esta história em meu romance “Baudolino”, mas eu não espero mudar a opinião daqueles que não acreditam. do The New York Times Tradução: George El Khouri Andolfato ¹Umberto Eco é professor de semiótica, crítico literário e romancista. Entre seus principais livros estão “O Nome da Rosa” e o “Pêndulo de Foucault“.

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