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Literatura desaparecida: 40 anos do Golpe Militar na Argentina

“Escribe mientras sea posible. Escribe cuando sea imposible. Ama el silencio.” — Miguel Ángel Bustos, desaparecido em 1976. Cronica de Ricardo Domeneck ¹ Há 40 anos, ocorria o Golpe Militar na Argentina, que deixaria ainda mais mortos e desaparecidos pelo continente latino-americano. No Brasil, estávamos no décimo-segundo ano da ditadura militar – aquela que alguns no país hoje ainda insistem em tratar com nostalgia. Aquelas imagens das Mães da Praça de Maio permanecem como alguns dos atos de coragem e desobediência civil exemplares em nosso continente. Há alguns dias, descobri o trabalho do fotógrafo argentino Gustavo Germano. Em sua série “Ausencias”, com uma estratégia ético-estética simples e eficiente em seu soco na boca de nosso estômago, o fotógrafo refaz fotos de amigos e famílias dos anos 1960 e 70, deixando vago o local onde seus entes queridos desaparecidos deveriam estar, não tivessem sido sequestrados por um regime assassino. Sendo este um blog dedicado à literatura, gostaria de tomar o dia de hoje, no entanto, para chamar a atenção dos leitores a um outo projeto bastante comovente em nosso país vizinho, capitaneado pelo poeta e jurista Julián Axat, nascido em Buenos Aires naquele fatídico ano de 1976. Ele próprio filho de desaparecidos, tem se dedicado com afinco em manter viva a memória das milhares de vítimas da Junta Militar argentina. Em sua coleção “Detectives Salvajes”, que toma o título do romance de Roberto Bolaño (1953-2003), Axat vem publicando a literatura deixada por escritores que desapareceram pelas valas comuns, desertos e o oceano que banha nossa parte do mundo-cão. A ditadura tocou vários escritores do país, como o grande Juan Gelman, que passou anos em busca da neta. Em 1995, quase uma década antes de poder finalmente abraçá-la, escreveu uma carta que começava assim: “Dentro de seis meses cumplirás 19 años. Habrás nacido algún día de octubre de 1976 en un campo de concentración.” É a história de tantas famílias latino-americanas. Graças aos esforços de Julián Axat, pude descobrir dois jovens escritores que desapareceram na noite escura do continente: Miguel Ángel Bustos, desaparecido em 1976, e Carlos Aiub, desaparecido em 1977, o ano em que nasci. Abro este pequeno texto em homenagem a todos os desaparecidos e sobreviventes do país vizinho com uma citação de Bustos. Permitam-me encerrá-lo com alguns versos de Aiub, sussurrando que sim, alguns de nós nos lembramos e, ao mesmo tempo, NUNCA MAIS. “temer el dolor como cuando siempre la forma del dolor y de la muerte empezás también a imaginarla y temés temés también tu olvido o algo así el qué pensarán de vos si te recordarán si tu nombre bautizará algo o servirá para algo temer el final que no te deje ver el final la victoria viste las cosas nuevas que buscás el nuevo sueño chiquitín continuado temer todo eso y entonces si temer la muerte que se puede venir y no la deseás y te aferrás a la vida con todo porque querés vivir simplemente para ver cuando al final la vida viva el nuevo dolor lo pensás más tarde.” (Carlos Aiub, desaparecido em 1977) ¹ Ricardo Domeneck nasceu em Bebedouro, em São Paulo, mas vive em Berlim desde 2002. Lançou os livros “Carta aos anfíbios” (Bem-Te-Vi, 2005), “a cadela sem Logos” (Cosac Naify/7Letras, 2007), “Sons: Arranjo: Garganta” (Cosac Naify/7Letras, 2009), “Cigarros na cama” (Berinjela, 2011) e “Ciclo do amante substituível” (7Letras, 2012). É coeditor das revistas Modo de Usar & Co. e Hilda. A editora Verlagshaus J. Frank, de Berlim, publicou em 2013 uma coletânea de seus poemas.

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