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Música: “Certas obras revolucionaram a música por dentro”

Numa época contrarrevolucionária, Nike Wagner escolheu “Revoluções” como slogan do Beethovenfest 2016 – na arte e na sociedade, da Francesa à “Primavera Árabe”. Em exclusiva à DW, a diretora artística expõe sua visão. No terceiro ano à frente do Beethovenfest, Nike Wagner combina ousadia e reflexão intelectual Nike Wagner ostenta uma linhagem musical invejável: a promotora cultural de 70 anos é nada menos que bisneta do autor de monumentos da arte ocidental como O anel do Nibelungo e Tristão e Isolda. Além disso, é uma das três descendentes de Richard Wagner (1813-1883) atuantes no escalão máximo da música erudita europeia.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Nascida em Überlingen, no sul da Alemanha, e criada na bávara Bayreuth, ela estudou musicologia, teoria teatral e literatura, e trabalhou como redatora musical, além de tentar a carreira como compositora de vanguarda. Após concorrer algumas vezes pela direção artística do Festival Wagner, acabando por perder para as primas, e de encabeçar durante dez anos o Festival de Artes de Weimar, em 2014 ela assumiu o Beethovenfest. Percepção intelectual e sobriedade, aliadas a ousadia e humor seco, caracterizam Nike Wagner como personalidade cultural. Em entrevista exclusiva à Deutsche Welle, ela fala de seus planos para a próxima edição do festival realizado na cidade natal de Ludwig van Beethoven, a pequena Bonn. E já lança o olhar sobre 2020, quando o icônico compositor completa 250 anos de nascimento. DW: O slogan do Beethovenfest em 2016 é “Revoluções”. No momento vivencia-se por todo o mundo algo que mais parece contrarrevoluções. Como a senhora aborda esse tema? Nike Wagner: Atualmente o conceito de revolução, de fato, soa questionável e impreciso, pois os extremistas de direita o ocuparam. Mas tradicionalmente as revoluções vêm da “esquerda”, são sustentadas pela base – ou pelo povo – e não por golpistas, elites militares ou ativistas religiosos pré-históricos. Para me contrapor a essa atual ambivalência, decidi evitar a cor vermelha na ilustração do slogan, optando, em vez disso, por um verde-primavera, de esperança, juntamente com a imagem da “Liberté”, de Eugène Delacroix; mais especificamente, A Liberdade guia o povo, um quadro de 1830 referindo-se retrospectivamente à Revolução Francesa. Há algo de revolucionário no programa do festival deste ano? Beethovenfest 2016: Delacroix e tons de esperança Existem duas coisas: revoluções sociais e revoluções artísticas. Muitas vezes elas coincidem, mas nem sempre. Nós trazemos muitas obras que ocasionaram revoluções no interior da música. Ludwig van Beethoven está presente desde logo, mas também Claude Debussy e Igor Stravinsky, indo até Luigi Nono. Além disso, há os reflexos diretos das revoluções sociais da história europeia. Em primeira linha, da Revolução Francesa, cujos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade marcaram Beethoven por toda a vida. Nós apresentamos obras importantes dessa época, entre elas a Missa de coroação para Napoleão, de Etienne-Nicolas Méhul. E, em numerosas variantes, a extremista Sinfonia nº 3 (Eroica), de Beethoven. A Revolução Russa igualmente gerou uma enxurrada de obras musicais. A Ural Philharmonic Orchestra virá com a monumentalCantata pelo 20º aniversário da Revolução de Outubro, de Serguei Prokofiev. E haverá eventos sobre as revoluções de nosso tempo, a “Primavera Árabe”. Além disso, apresentações de dança contando sobre as rupturas revolucionárias do fim da década de 60 nos Estados Unidos. Lucinda Childs vem com sua famosa coreografia Dance: arte minimalista, abstrata. Tenho a impressão que, para cada evento do festival, a senhora sempre considera as conexões extramusicais, a história e a sociedade. Procede? Em princípio, sim. Música – a arte em geral – não existe no vácuo, ela sempre está relacionada à sociedade, mesmo que tenha repetidamente ignorado ou negado isso, ao logo de sua história. Ao mesmo tempo, é inegável que toda arte representa uma esfera única, com seu próprio poder de influência. A Terceira sinfonia de Beethoven tem presença forte no programa deste ano. A Eroica é a grande obra de ruptura, não tem mais nada a ver com a primeira e a segunda sinfonias. E as ligações com as grandes peças musicais da Revolução Francesa da época são bem óbvias. Marchas fúnebres para os heróis e caídos da Revolução eram muito usais, e o segundo movimento daEroica é uma marcha fúnebre. Além disso, Napoleão Bonaparte – a quem a Eroica era originalmente dedicada – permaneceu uma figura de grande interesse para Beethoven. Nota-se intermitentemente a identificação secreta do compositor com ele: Napoleão, o grande homem da política, e ele, Beethoven, o grande homem da música… Beethovenhalle, principal palco dos festivais ficará fechado por dois anos O Conselho Municipal de Bonn decidiu mandar sanear a Beethovenhalle a partir de outubro de 2016. Por um prazo de dois anos a sala de concertos permanecerá fechada. Alguns fizeram ressalvas ao cronograma, descrevendo-o como “extremamente esportivo”. Qual é sua visão do planejamento até 2020 – ano de jubileu, em que se comemora o 250º aniversário de Ludwig van Beethoven – e os locais de apresentação a serem utilizados? Eu pratico o “princípio esperança”. Até onde sei, são grandes os esforços em Bonn para cumprir o apertado cronograma. Um fiasco é impensável, devido ao jubileu – todos os participantes sabem disso. Por isso terão que ser, justamente, “esportivos”. No que tange às salas temporárias para o Beethovenfest: para grandes concertos de orquestra, só existe o World Conference Center Bonn. Mas, enfim, um salão de congressos é um salão de congressos, precisamos ver o que se pode fazer. As primeiras impressões acústicas – a Beethovenorchester fez um teste lá – não foram tão más quanto pensávamos. Mas ainda estamos lutando por melhorias. Sua programação para as edições do Beethovenfest até o ano do jubileu ficou comprometida? De início, eu programo como se dispusesse de todos os locais de apresentações do mundo; depois vamos ver o que é realizável. Mas, de fato, eu considero a questão do local o maior problema de um festival que pretende se realizar em Bonn. Sem ruínas industriais pitorescas, sem sala de concertos de porte médio com configuração espacial variável… Mas alguma coisa ainda pode evoluir na jovem cidade natal de Beethoven.

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‘Enquanto me dava choques, Ustra me batia com cipó e gritava’, diz torturado aos 19 anos

“Nesse dia de glória para o povo tem um homem que entrará para a história. Parabéns, presidente Eduardo Cunha.” Depufede Bolsonaro Vereador em São Paulo, Gilberto Natalini diz ter sido torturado por coronel Brilhante Ustra durante ditadura militar – Image copyright Gilberto Natalini Perderam em 1964 e agora em 2016. Pela família e inocência das crianças que o PT nunca respeitou, contra o comunismo, o Foro de São Paulo e em memória do coronel Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, o meu voto é sim”. Foi assim que o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) justificou o voto a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff no plenário da Câmara dos Deputados no último domingo. As declarações geraram polêmica, especialmente pela referência ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), órgão de repressão da ditadura. Ustra morreu aos 83 anos em setembro do ano passado.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] A homenagem a um dos personagens mais controversos do regime militar foi alvo de críticas de milhares de brasileiros, que foram às redes sociais expressar choque e reprovação. Para um deles, no entanto, o elogio de Bolsonaro evocou memórias ruins. Em 1972, Gilberto Natalini, hoje médico e vereador pelo PV-SP, tinha então 19 anos e foi torturado por Ustra. À época estudante de medicina, ele havia sido preso por agentes da ditadura que queriam informações sobre o paradeiro de uma amiga dele, envolvida na luta armada. Natalini negou-se a colaborar. A tortura consistia em choques elétricos diários, que, segundo ele, lhe causaram problemas auditivos irreversíveis. “Bolsonaro não tem o direito de reverenciar a memória de Ustra. Ustra era um assassino, um monstro, que torturou a mim e a muitos outros”, afirmou Natalini à BBC Brasil. Natalini conta ter sido vítima de tortura por cerca de dois meses na sede do DOI-Codi em São Paulo. “Tiraram a minha roupa e me obrigaram a subir em duas latas. Conectaram fios ao meu corpo e me jogaram água com sal. Enquanto me dava choques, Ustra me batia com um cipó e gritava me pedindo informações”, relembra. “A tortura comprometeu minha audição. Mas as marcas que ela deixou não são só físicas, mas também psicológicas”. Natalini nega ter participado da luta armada contra a ditadura militar. Ele confirma ter feito oposição ao regime, mas diz que “sem violência”. “Sempre fui a favor da mobilização das consciências contra qualquer tirania. Nunca fui a favor de ações violentas. Acolhíamos perseguidos políticos, prestando atendimento médico quando necessário”, diz ele, em alusão à Escola Paulista de Medicina (EPM), onde estudava. “Mas todo mundo que se opunha ao governo militar era visto como terrorista”, ressalva. PT Para Natalini, projeção nacional do deputado está ligada à desmoralização das esquerdas, devido “aos escândalos de corrupção protagonizados pelo PT” Image copyright Reuters Para Natalini, que foi preso “outras 16 vezes” pelo regime militar, Bolsonaro “não pode, como agente político, pregar o retorno da ditadura”. “E se ele o fizer, temos todo o direito de contestá-lo e colocá-lo em seu devido lugar. Bolsonaro não vai conseguir impingir ao Brasil sua ideologia doente, ultrapassada e fascista. O caso dele é com a Justiça”, afirma ele. Na visão de Natali, a projeção nacional do deputado está ligada à desmoralização das esquerdas, devido “aos escândalos de corrupção protagonizados pelo PT”. “Os erros do PT permitiram que se criasse uma corrente de opinião contra à verdadeira esquerda, que nunca existiu no Brasil. A extrema direita, que estava adormecida, aproveitou-se desse vácuo. Bolsonaro é fruto dessa roubalheira”, opina. “Se nossa democracia tem defeitos, precisamos corrigi-la. Muito piores são os regimes militares, de esquerda ou de direita”, acrescenta. Apesar de criticar Bolsonaro, Natalini defende o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Segundo ele, não há “golpe”. “A Constituição brasileira prevê que o presidente pode sofrer impeachment se tiver cometido crimes de responsabilidade. Foi o que aconteceu com as chamadas pedaladas fiscais”, diz. Ustra Ustra era um dos mais temidos militares nos anos de chumbo Image copyright ABr Um dos mais temidos militares nos anos de chumbo, Ustra chefiou o DOI-Codi, órgão de repressão do 2º Exército em São Paulo. Ele foi apontado por dezenas de perseguidos políticos e familiares das vítimas como responsável por perseguição, tortura e morte de opositores. Conhecido pelo apelido de “Doutor Tibiriçá“, ele foi acusado pelo desaparecimento e morte de pelo menos 60 pessoas. Durante sua gestão, pelo menos 500 casos de tortura teriam sido cometidos nas dependências do DOI-Codi. Único militar brasileiro declarado torturador pela Justiça, Ustra foi denunciado pelo MPF (Ministério Público Federal) pela morte do militante comunista Carlos Nicolau Danielli em dezembro de 1972. Mas não houve tempo para sua condenação. Ustra morreu em setembro do ano passado aos 83 anos em Brasília. Ele sofria de câncer de próstata. Luís Barrucho/BBC Brasil em Londres

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Arte – Exposição de Frida Kahlo chega a Brasília

O estilo inconfundível da pintora mexicana Frida Kahlo pode ver visto de perto na exposição “Frida Kahlo – conexões entre mulheres surrealistas no México”, já aberta na Caixa Cultural, em Brasília, até o dia 5 de junho. Frida Kahlo dizia que não pintava sonhos, mas sua própria realidade. A pintora, nascida em 1907 e famosa por seus quadros impactantes e de cores fortes, apesar de ser considerada surrealista por especialistas, sempre negou fazer parte do movimento. Ela dizia que não pintava sonhos, mas sua própria realidade. O surrealismo, movimento artístico nascido em Paris na década de 1920, logo após o final da Primeira Guerra Mundial, enfatizava o papel do inconsciente e do onírico na criação de obras. Em 1924, foi lançado o Manifesto Surrealista, que rompia com a lógica e com a razão, e contava com representantes como o escritor francês André Breton e o pintor espanhol Salvador Dalí, entre outros.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] “O surrealismo, mais do que um movimento, era uma forma de ver a vida. Os artistas estavam em um mundo caótico, onde nada fazia sentido, nenhuma instituição os protegia mais, era um mundo de destruição. Nesse momento, os artistas queriam voltar a recuperar coisas que haviam perdido, queriam recuperar a inocência perdida das crianças. Em um mundo guiado pela razão e pelos interesses econômicos, os surrealistas, muito influenciados por Freud e suas teorias do mundo dos sonhos e do inconsciente, criaram o manifesto. A ideia era deixar sair o fluxo do pensamento tal como vinham as ideias, sem passar pela estrutura da linguagem, pela lógica de raciocínio. O surrealismo tem a ver com a liberdade”, afirmou Teresa Arcq, curadora da exposição. Frida, apesar de não se autointitular surrealista, foi uma figura que conseguiu aglutinar ao seu redor diversas artistas mexicanas e estrangeiras vinculadas ao surrealismo e que compartilhavam com ela afinidades estéticas e ideológicas. A exposição mostra como, por intermédio de Kahlo, 14 artistas mulheres compartilharam o fascínio da cultura mexicana e exploraram temas como maternidade, família, magia e identidade. As artistas que compõem a mostra são: María Izquierdo, Remedios Varo, Leonora Carrington, Rosa Rolanda, Lola Álvarez Bravo, Lucienne Bloch, Alice Rahon, Kati Horna, Bridget Tichenor, Jacqueline Lamba, Bona de Mandiargues, Cordelia Urueta, Olga Costa e Sylvia Fein. “Frida foi uma influência importante, não só com sua vida e seu conhecimento da cultura mexicana, mas também com as suas inovações na pintura. Ela e Diego [Rivera, com quem foi casada], com suas alianças e amizades políticas, buscaram maneiras de ajudar exilados. Convidavam eles a ir para o México e os levavam para conhecer os lugares pré-hispânicos, sítios arqueológicos e arte popular”, afirmou Teresa Arcq. Teresa conta que, durante a pesquisa sobre a vida e a obra de Frida, foram encontradas cartas da surrealista espanhola Remedios Varo, que vivia em Paris, pedindo ajuda da pintora para exilar-se no México. Era início dos anos 1940 e artistas fugiam da ocupação nazista na França. O mundo vivia os horrores da Segunda Guerra Mundial. “Quando Frida voltou ao México [após sua exposição em Paris, em 1939], Alice Rahon lhe escreveu dizendo que já tinha comprado as passagens de barco para sair do país. Frida também esteve colaborando com diplomatas em Paris, tratando de formar um comitê para ajudar os espanhóis que estavam fugindo da guerra civil [espanhola]”, disse. A exposição está estruturada em temas que Frida e as outras artistas tinham em comum, como o autorretrato, a representação do corpo feminino, a natureza morta como uma forma de contar histórias pessoais, de amor, eróticas, mas também de sofrimento. Um dos temas da exposição é o mundo da magia, que para Frida era parte de sua vida cotidiana. Mas, para alguns artistas estrangeiros, era incrível chegar ao México e presenciar a estreita relação das pessoas com o oculto. Segundo Teresa, muitos foram influenciados ao verem as curandeiras nos mercados ou nos povoados, utilizando ervas e plantas para a cura ou para feitiços mágicos. “Tem também uma sessão que está focada em obras feitas com técnicas surrealistas ou com temas surrealistas, como a exploração do inconsciente e do mundo dos sonhos. Além disso, há obras de incursões dessas artistas fora da pintura. Leonora Carrington, que era também escritora, e Remedios Varo, escreveram obras de teatro, desenharam vestuários, máscaras, cenografias. Lola Alvarez Bravo, fotógrafa amiga de Frida, iniciou um filme sobre ela, que mostrava sua dualidade ou sua dupla identidade. Bridget [Tichenor] incursou primeiro na moda, foi editora da Vogue antes de ser pintora”, disse a curadora. “Temos os rascunhos e marionetes de um balé cósmico que Alice Rahon criou a partir da explosão da guerra nuclear, onde todos os artistas começaram a questionar o que aconteceria se se destruísse a raça humana. E, por fim, tem uma sessão esplêndida que nos fala da influência do México, que descobriram através dos olhos de Frida e através da arte popular, das tradições, dos lugares”, ressaltou. A exposição conta com fotografias, arte-objetos, desenhos, peças de vestimentas e pinturas. A visitação é gratuita, de terça a domingo, das 9h às 21h. Para aceder à exposição, é necessário retirar senha na bilheteria do centro cultural. Caso queiram agendar a visita, o público pode fazer agendamento no site para garantir a entrada, uma vez que os ingressos são limitados. Cada pessoa pode retirar até quatro ingressos no seguinte site para agendamento: frida.ingresse.com JB

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