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T.S. Eliot – Poesia – 10/10/23

Boa noite Rapsódia de uma noite de vento T.S.Eliot ¹ Doze horas. Pelos caminhos da rua Preso em síntese lunar A sussurrar encantos lunares Dissolvem-se os assoalhos da memória E suas relações claras Divisões e precisões, Todo poste que passo Bate como um tambor fatalista, E pelos espaços do escuro A meia-noite chacoalha a memória Como um louco chacoalha um gerânio morto. Uma e meia, A luz do poste gagueja, A luz do poste rumoreja, A luz do poste diz, “Veja aquela mulher Que hesita na tua direção à luz da porta Que se abre a ela como uma bocarra. Vê-se que a barra do vestido Está rota e suja de areia, E que o canto do olho dela Se retorce como um alfinete”. A memória vomita alta e seca Uma turba de coisas tortas; Um galho retorcido sobre a praia Carcomido, liso, polido Como se o mundo entregasse O segredo de seu esqueleto Branco e rijo. Uma mola quebrada numa fábrica, Ferrugem que se prende à forma que a força abandonara Dura e tesa e prestes a estourar. Duas e meia, A luz do poste diz, “Note o gato à sarjeta, como se aconchega, Mostra a língua E devora um rançoso naco de manteiga”. Então a mão da criança, automática, Saiu e embolsou um brinquedo que corria pela pedreira. Não pude ver nada por trás do olhar daquela criança. Vi olhos na rua Tentando espiar pelas cortinas acesas, E um siri à tarde numa poça, Um siri velho com cracas nas costas; Prendendo a ponta do graveto que estendi pra ele. Três e meia, A luz do poste gagueja, A luz do poste rumoreja no escuro. A luz entoou: “Veja a lua, La lune ne garde aucune rancune, Ela pisca um olho flébil Ela sorri nas esquinas. Alisa o cabelo da relva A lua perdeu a memória. Uma varíola lavada racha-lhe o rosto, Sua mão retorce uma rosa de papel, Com cheiro d’água de colônia velha e pó Ela está só Com todos os cheiros noturnos Que cruzam e cruzam os cruzamentos de seu cérebro. A reminiscência vem De gerânios secos sem sol E poeira nos cantos, Cheiros de castanhas nas ruas, E cheiros de mulher em quartos cortinados, E cigarros nos corredores E cheiros de coquetéis nos bares”. A luz diz, “Quatro horas, Eis o número na porta. Memória! Você tem a chave, A luz espalha um círculo na escada, Suba. A cama aberta; a escova de dente pendurada, Sapato à porta, durma, a vida o aguarda”. A torção final da facada. (tradução de Adriano Scandolara) ¹ Thomas Stearns Eliot – Prêmio Nobel de Literatura de 1948 * St. Louis, Missouri, EUA – 26 de setembro de 1888 +Kensington, Londres, Reino Unido – 4 de janeiro de 1965[ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”]

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