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Brasil: Os donos do poder

O caso Palocci, independentemente do desfecho que tenha, deveria ser examinado como mais um exemplo vexaminoso do poder à brasileira. Infelizmente, não foi nem será, já que tudo fica sempre limitado a uma rixa entre petistas e tucanos, sob a noção tácita do “todos temos rabo preso”. A declaração da presidente Dilma Rousseff, depois de vários dias de silêncio, de que Palocci estaria prestando esclarecimentos aos “órgãos de controle”, e pedindo que a questão não seja “politizada”, foi mais um antídoto contra o oba-oba em torno de seu perfil mais discreto que o de Lula (como se alguém pudesse ser menos discreto do que ele). Não é apenas aos órgãos de controle que ele deve prestar esclarecimentos; é à sociedade. E quem politizou a questão foi o próprio governo, ao fazer comparações com outros ex-ministros que prestam consultoria e ao mentir que esses órgãos estariam informados do salto de patrimônio. O que dizer então da interferência de Lula? Certo, ao ver que o governo tinha feito besteira ao ameaçar o PMDB de perder ministérios em função da crise, a malemolência e popularidade do ex-presidente pareceram úteis. Mas onde estava Dilma até quinta-feira, quando enfim veio a público e tomou a defesa do ministro da Casa Civil?[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Os termos foram lamentáveis, mas de qualquer forma seu papel como presidente não é ficar quieta diante de acusações desse porte contra o ocupante de um cargo tão fundamental, que ela mesma ocupou antes de sair à sucessão de Lula e depois entregou à sua grande amiga Erenice Guerra, que o converteu em balcão de negócios familiares. Se toda vez que passar por uma crise Dilma tiver de recorrer a Lula, convenhamos, jamais terá autonomia suficiente para fazer as mudanças de rumo necessárias. Que mudanças de rumo? A primeira seria justamente essa: limitar o balcão de negócios entre parentes e amigos na máquina pública, na qual o dinheiro do contribuinte escorre para o ralo de propinas, superfaturamentos e fraudes, como se vê agora em Campinas. Ao contrário do que prometeu ao longo de 22 anos, Lula não fez nada para mudar isso em seus oito anos de presidência. Ao contrário. Não só o número de escândalos aumentou, com destaque para o do mensalão, mas também se deu um carimbo oficial a essas “praxes” com o dinheiro público, com a máxima autoridade brasileira alegando repetidamente o “todo mundo faz” e o “eu não sabia”. (Será que ele não sabia também que seus filhos ganhariam passaportes diplomáticos como presente de Natal, nos estertores de seu segundo mandato?) A ascensão do PT ao Planalto Central foi a confirmação prática da boutade de que “a esquerda é a direita fora do poder”. Que o médico Palocci tenha multiplicado seu patrimônio vinte vezes em quatro anos apenas fazendo consultorias e palestras sobre economia, e que num ano só – justamente o ano eleitoral de 2010 – sua empresa tenha faturado R$ 20 milhões junto a empreiteiras e bancos, pouco antes de ser disfarçada de escritório imobiliário, são motivos mais que suficientes para ser chamado às falas pelos outros poderes. E não vale fazer como Renan Calheiros e brandir impunemente meia dúzia de notas fiscais forjadas, ou justificar a obscuridade com cláusulas contratuais que tampouco foram vistas; é preciso revelar o raio X desses negócios. Lula, de novo usando analogia boba vinda do futebol, teve o desplante de dizer que Palocci é um Pelé em sua área. Não, ele é melhor que Pelé: nem os negócios do atleta do século foram tão obscuros assim… E Pelé precisa fazer publicidade para ganhar tanto dinheiro num ano. Nem o “craque” Lula vai conseguir juntar essa quantia com suas “palestras”. Todos os dias lemos nos jornais o articulismo chapa branca assegurar que o Brasil vai muito bem, que em trinta anos estará igual aos Estados Unidos em termos de igualdade, que Lula foi o responsável direto pela criação de empregos e distribuição de renda dos últimos anos, etc. Ou seja, se o governo FHC deu as bases econômicas, Lula fez a virada social. Mas e a política, a ética, o desenvolvimento cultural da nação? Uma esquerda digna do nome não deveria cobrar impostos cada vez mais altos para as camadas mais pobres, barganhar cargos com retrógrados como Sarney, perpetuar o que Raymundo Faoro chamou de patrimonialismo. Ir contra o status quo seria mudar tudo isso, em vez de privatizar a máquina pública para ações entre amigos – e ainda querer chamá-las de “lobbies legais”. O poder à brasileira funciona segundo a mentalidade oligárquica e isso tem preço social e econômico. A sorte de seus donos é que o povo vai às ruas protestar contra jogadores de futebol, mas Palocci pode circular em qualquer cidade sem receber uma vaia sequer. Por que não me ufano. Quer exemplo maior da mentalidade do poder à brasileira do que o fato de Aldo Rebelo ser o relator do Código Florestal? Ele é do PC do B, nacionalista a ponto de querer farinha de mandioca em pizza, também se envolveu em escândalos e… agora é responsável por uma emenda que tem sido acusada de favorecer os ruralistas e o “agribusiness” mais ambientalmente desmatador. Décio Pignatari tem razão: o Brasil nunca teve surrealismo porque o país mesmo já é surreal. Faltam os escritores que mostrem isso. Daniel Piza/O Estado de S.Paulo

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Palocci e a maldição do caseiro Francenildo

Essa é ótima! O PT no lugar de forçar seu superministro a ir dar explicações no Congresso, prefere, como de praxe, colocar a culpa no sofá. Dessa vez o “sofá” são os correligionários do Serra. A exemplo dos contos de policiais “noir” a culpa é do mordomo. Acham os luminares petistas que os Tupiniquins em breve esqueceram mais essa manobra. Como Palocci explica ter deixado tão rendosa empresa de consultoria para roer o osso de cargo tão espinhoso? Vocês sabem né?: “à mulher de César”… O Editor Palocci está submetido a uma espécie de tortura chinesa, que parece interminável e vai minando a pessoa, aos poucos. É a maldição do caseiro. O tempo passa e conspira contra Palocci, prolongando sua flagelação-penitência. O procurador geral da República Roberto Gurgel deu ao chefe da Casa Civil o prazo de 15 dias para que explique como ficou rico tão subitamente e indique quais são seus clientes. A princípio, criticava-se o procurador por estar protegendo Palocci, já que o prazo é extenso demais para uma resposta tão simples. Mas agora já se diz que o procurador é maquiavélico e, ao estender o prazo, sua verdadeira intenção seria submeter Palocci a uma espécie de tortura chinesa, que parece não acabar nunca, como se fosse a maldição do caseiro Francenildo.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] A cada dia, uma novidade. Agora, é a Caixa Econômica Federal informando à Justiça que o responsável pela violação dos dados bancários do caseiro Francenildo dos Santos Costa foi o gabinete do então ministro da Fazenda e hoje ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. É a primeira vez que o banco estatal responsabiliza o ex-ministro. Até então, dizia que apenas havia “transferido” os dados sob sigilo para o Ministério da Fazenda, sem acusar Palocci ou seu gabinete pelo vazamento. O que houve? Mudou a Caixa? Mudou Palocci? Mudou a orientação do Planalto? Ou mudou a consciência dos dirigentes da Caixa? São muitas dúvidas. E por que o ex-presidente Lula evitou falar em público sobre a situação do ministro Antonio Palocci, diante das suspeitas sobre o aumento substancial em seu patrimônio nos últimos quatro anos? Lula saiu pela tangente. E não há qualquer novidade nisso, ele está apenas repetindo a mesma técnica usada nos dois mandatos, quando predominava o “Eu não sabia de nada”. Agora, apenas passou para o “Não tenho nada a ver com isso”. No almoço de mais de três horas com senadores do PT, anteontem, ele sugeriu que o partido siga unido na defesa “do companheiro Palocci”, Depois da reunião-comilança realizada na casa do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, e da esposa, senadora Gleisi Hoffmann, custeada com recursos públicos, é claro, a avaliação de todos era a de que “a situação de Antonio Palocci ainda está sob controle”, ora vejam só. Lula e os senadores achavam que “ainda não surgiu nenhuma prova concreta que inviabilize a permanência de Palocci no governo”, acredite se quiser. Enquanto isso, acionado pela imprensa (representante maior do interesse público, num país em que os três poderes – governo, judiciário e legislativo – estão “dominados”), o garrote vil da tortura vai apertando o pescoço de Palocci, e a cada dia, aumentam um pouco a pressão. Agora, surge a informação de que o Imposto Sobre Serviços (ISS) da prefeitura de São Paulo demonstra que somente no ano passado a “consultoria” de Palocci faturou R$ 20 milhões, em pleno ano eleitoral, dos quais R$ 10 milhões num período que ele praticamente dedicou por inteiro à campanha de Dilma Rousseff, como seu principal coordenador operacional e financeiro, buscando apoio em votos e patrocínio em espécie (para a campanha ou para a consultoria?), e os outros R$ 10 milhões depois de Dilma eleito e ele sagrado como futuro ministro. O governo e o PT, porém, ainda dizem que tudo isso é coincidência. Enquanto Lula tenta demonstrar que não tem nada a ver com isso, Antonio Palocci já virou game virtual. Na rede mundial de computadores, os internautas não perderam tempo e transformaram o enriquecido ministro em personagem do jogo “Palocci! O Cara!”, criado praticamente em tempo real com as suspeitas envolvendo a empresa de consultoria do ministro. O jogo é simples. A figura de Palocci surge de dentro de uma série de buracos, e o internauta deve acertá-lo com socos. Quanto mais socos, mais pontos. Enquanto isso, Lula, o governo e o PT seguem achando que a situação está sob controle, como se estivessem no melhor dos mundos panglossianos, criados por Voltaire na obra imortal “Cândido ou o Otimismo”. Carlos Newton/Tribuna da Imprensa

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