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Votação a favor do ‘Brexit’ anima os xenófobos europeus

A francesa Le Pen, o holandês Wilders e o italiano Salvini reagem com euforia. Marine Le Pen, nesta sexta-feira. AFP Se existem ganhadores claros da vitória do não britânico à União Europeia são os partidos da extrema direita europeia. A eclosão do ceticismo europeu britânico ocorre em um momento de profundo desencanto e renovados sentimentos nacionalistas no Velho Continente que as forças xenófobas souberam explorar com eficiência.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] MAIS INFORMAÇÕES Primeiro-ministro David Cameron renunciará em outubro ‘Nacionalista europeu, independentista inglês’, por JOHN CARLIN ‘Melhor dentro do que fora, please’ O júbilo dos radicais se traduziu desde o começo da manhã de sexta-feira em exigências concretas. “A Liberdade venceu”, publicou no Twitter Marine Le Pen, presidenta da Frente Nacional francesa. “Como peço há anos, agora é preciso convocar um plebiscito na França e nos outros países da UE”. O holandês Geert Wilders pediu a mesma coisa, o político de cabeleira oxigenada que lidera as pesquisas de seu país com um projeto político abertamente anti-imigração. “Queremos ser donos de nosso próprio país, de nosso dinheiro, nossas fronteiras e nossa política imigratória”, disse em um comunicado. “Nós holandeses precisamos ter a oportunidade de expressar nossa opinião sobre nossa permanência na UE o quanto antes”, acrescentou agitando o fantasma do chamado Nexit, uma hipotética saída da Holanda do bloco comunitário que hoje se mostra mais possível do que nunca. Os dois países são membros fundadores da União. Na Itália, Matteo Salvini, da Liga Norte, felicitou “os cidadãos livres” que não sucumbiram “à chantagem, às mentiras e às ameaças”. Wilders é junto com Le Pen a grande referência dos partidos xenófobos bem-sucedidos na Europa continental e que mostram uma crescente coordenação e assertividade, conscientes de que o vento sopra a seu favor. O Brexit é o grande suporte a seu ideal, cuja espinha dorsal é composta pela xenofobia, o recuo identitário, o binômio povo-elite e o protecionismo econômico. Ou seja, a recusa de tudo o que venha de fora de suas fronteiras, com as políticas europeias na cabeceira. A crise econômica, os refugiados, o islã… vale tudo para transformar Bruxelas no perfeito bode expiatório. O Brexit é o ponto de inflexão que esperam há anos e agora acreditam que será o início do fim do projeto europeu. São respaldados por milhões de eleitores aborrecidos com a UE. Os holandeses expressaram claramente sua ira no começo do ano, no plebiscito contra o acordo de associação da UE com a Ucrânia vencido por larga margem pelos contrários à União. Em 2005, os holandeses já refutaram o projeto de Constituição Europeia, depois rebaixado no formato do Tratado de Lisboa. “Se eu me tornar primeiro-ministro, ocorrerá um plebiscito para deixar a UE”. As eleições estão previstas para o começo de 2017 e Wilders arranca como franco favorito nas pesquisas. O boicote dos outros partidos prejudica, entretanto, suas possibilidades de Governo. Seis dias antes do plebiscito, os críticos à UE realizaram uma reunião em Viena, batizada de “a primavera dos patriotas”. Era um respaldo aos partidários do Brexit, mas também para demonstrar seu crescente poderio pan-europeu como membros de um grupo na Eurocâmara, de onde destroem por dentro o projeto comunitário. Lá, Le Pen – que será o principal nome da Frente Nacional nas eleições presidenciais em 2017 – defendeu uma Europa por conta própria, que cumpra os desejos e exigência de cada país membro. O líder da também bem-sucedida ultradireita austríaca, Heinz Christian Strache, enfatizou a democracia direta e a conveniência de se consultar a população sobre seu futuro, tal como os britânicos acabaram de fazer. Disse que a Suíça é seu modelo. Seu partido, o FPÖ, acaba de perder as eleições presidenciais por muito pouco e agora disputa o resultado nos tribunais. O cansaço dos austríacos com o bipartidarismo e a busca de uma identidade que acreditam que corre o risco de se diluir com a chegada de 90.000 asilados ao país, impulsionaram os radicais no país centro-europeu. O timing do Brexit, como dizem os britânicos para se referir ao momento dos fatos, não poderia ser melhor para os populistas de direita. Sabem que o caldo de cultura é propício para seus interesses e acreditam que os partidos tradicionais e Bruxelas serão incapazes de reagir a tempo e de acordo com as regras. Sentem que seu momento chegou. Ana Cabajosa/ElPaís

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O que o ressurgimento do fascismo pode nos ensinar

Pensamos que ele tinha desaparecido de vez. Foi um engano. Eis aqui por que. Veja um pequeno exercício de reflexão. Por Umair Haque¹ Publicado originalmente no site Bad Words, integrante da plataforma Medium. Se no natal passado eu lhe tivesse dito que o principal candidato a presidente do país mais poderoso do mundo tivesse dito, abertamente, que concordava com a venda de armas, com campos de concentração, com proibições extrajudiciais e com direitos de sangue, a menos que você fosse um sócio atuante da Internacional dos Teóricos da Conspiração, você provavelmente teria dado uma gargalhada na minha cara. E, no entanto… Aqui estamos nós, precisamente nessa realidade. E não se trata apenas de Donald Trump. O espectro mais tenebroso da política global, aquele que pensávamos ter sido exorcizado, de alguma maneira foi convocado e renasceu: é o ressurgimento do fascismo. Aquilo que chamarei, nesta pequena série de ensaios, de novo fascismo é um fenômeno global.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Marine Le Pen, a mais extremista dos políticos que contestam as lideranças nacionais desde Hitler… triunfou, com um terço dos votos, no primeiro turno das eleições de dezembro na França [1]. O mundo procura equilibrar-se à beira do precipício de uma Era das Trevas do Novo Fascismo – que se levanta, como um cérebro, da Escandinávia à Europa e da Turquia à Austrália. Acredito que o Novo Fascismo, em sua individualidade, é o acontecimento político mais importante de nossas vidas. Trata-se de um momento crítico para a sociedade global – um momento decisivo. E, como todo momento decisivo, é um teste. Um teste que avalia o melhor de nós: se as sociedades civilizadas podem, de fato, continuar civilizadas, no sentido mais essencial dessa expressão – ou se corremos o risco de mergulhar, outra vez, numa era de guerra mundial e genocídio. Isso lhe parece um exagero? Então, torne a ler o primeiro parágrafo deste ensaio e pergunte a si próprio se esperava que um possível presidente norte-americano defendesse campos de concentração… apenas um ano atrás. A primeira coisa que você precisa aprender sobre a ascensão do fascismo é que ele desafia suas expectativas de um mundo sensato. Ninguém espera – como na famosa frase do Monty Python – a Inquisição Espanhola. Um produto de uma inconveniência econômica Por conseguinte, eu irei discutir o Novo Fascismo nesta série de ensaios. No primeiro ensaio, explicarei sua ascensão; no segundo, a sua dinâmica: por que cresce tão rapidamente, pegando todo mundo de surpresa; no terceiro, discutirei como combatê-lo – se, na verdade, for possível combatê-lo. Então, como ele surgiu? Minha explicação é simples – mas exigirá que você faça uma reflexão cuidadosa. Irei argumentar que o fascismo é um produto do extremismo – tanto de esquerda quanto de direita. Que o extremismo acabou com o centro – o que criou um vácuo no qual nasceram os Novos Fascistas, que combinam os piores elementos da esquerda e da direita. Para começar, deixem-me dar uma ideia geral das quatro etapas pelas quais o fascismo cresce. Meu ensaio está incompleto e é simplificado em excesso, com certeza. Não pretendo escrever uma história definitiva do fascismo: simplesmente apresentar um retrato cru que possa ser usado para compreendermos em que etapa estamos. Eis aqui a etapa incipiente do fascismo: vamos chamá-la estagnação. O fascismo é sempre um produto de uma inconveniência econômica. A inconveniência cria uma sensação ardente de injustiça. O bolo da riqueza encolhe, desmorona e se deteriora. As sociedades começam a disputar a quem pertencem as fatias, que vão ficando cada vez mais finas, cada vez mais emboloradas. Seres existencialmente inferiores E aqui vem a segunda etapa do fascismo: vamos chamá-la demagogia. Surge uma briga entre os líderes no sentido de fazer alguma coisa em relação ao problema da estagnação. Tanto a esquerda quanto a direita vão ficando mais extremadas. E aí acaba o centro. O vácuo que o centro ocupava dá espaço para um tipo de político inteiramente novo – um tipo de político que normalmente era freado pela esquerda em sua luta contra a direita, mas agora livre para combinar o que há de pior na esquerda e na direita. Logo aparece um demagogo, que grita: o bolo pertence ao povo – e só ao povo! Ele sintetiza o que há de pior, tanto na esquerda quanto na direita. É um socialista, mas só para as pessoas certas. Mas também é um nacionalista e não reivindica apenas domínio e recursos, como terra: ele reivindica a superioridade, pelo sangue ou por deus, de um povo, para além dos recursos. Daí a expressão, paradoxal, “nacional socialismo”. A perigosa apelação do demagogo é a seguinte: ele localiza a fonte de estagnação naqueles que não têm pertencimento, que são inferiores – não apenas moral, mas existencialmente – e os aponta com o dedo, aponta o veneno dentro da sociedade. É muito mais fácil acreditar que a sociedade está sendo envenenada por um conjunto de pessoas corruptas que não pertencem a ela, do que acreditar que o contrato social acabou e deve voltar a ser escrito – e assim se abre o caminho do demagogo para o poder. E chegamos ao terceiro estágio do fascismo: a tirania. Mas quem é “o povo”? Quem é, de fato, inferior e quem é superior? Quem merece os frutos do nacional socialismo – o direito a consumir fatias do bolo que encolhe, que é do que trata toda esta ideologia? E aí vem à tona a noção de volk: os verdadeiros moradores da terra, os herdeiros do destino, o direito de nascer, a superioridade. E como os definiríamos? Afinal, essa é uma pergunta traiçoeira, que não admite certezas óbvias. Você merece os recursos da Nação-Sociedade simplesmente por ter nascido ali? Ou porque você viveu ali? Ou seria porque seus avós já nasceram ali? É justamente a essas perguntas que a Nação-Sociedade, Na-Zi, começa a dedicar seus recursos. Imensas burocracias são organizadas, trilhas de papel são criadas, investigações são realizadas. E aqui chegamos à última etapa: a autodestruição. Busca-se saber quem é um

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Soumission: Houellebecq faz capa do Charlie Hebdo no dia em que sai novo romance

O célebre e polêmico escritor imagina a França dirigida por um Presidente muçulmano. O semanário põe Houllebecq a afirmar: “Em 2015, perdi os dentes,em 2022, cumpro o Ramadão”.  “A parte do romance que assusta é acima de tudo a anterior à chegada dos muçulmanos ao poder”, afirmou o escritor à rádio francesa DR. Foi publicado Soumission, saiu para as bancas a nova edição do semanário satírico Charlie Hebdo, com Houellebecq na capa. “Em 2015, perdi os dentes, em 2022, cumpro o Ramadão”, lê-se no cartoon que fazia a manchete. Horas depois, a redação da revista foi alvo de um ataque terrorista do qual resultaram, até ao momento, 12 mortos. Na edição, que tem como tema principal as previsões do chamado “mago Houellebecq”, lê-se no editorial assinado por Bernard Maris: “Suprimam a polícia uns dias e verão que o temor a Deus não impedirá grande coisa”. Páginas à frente, num cartoon assinado por Charb, uma das vítimas do atentado, que ganha agora uma trágica ressonância, um jihadista armado, perante o cabeçalho “ainda sem atentados em França”, comenta: “Escutem, temos até ao fim de Janeiro para vos endereçar os nossos votos de Bom Ano”. O Charlie Hebdo é um semanário célebre pelo humor que desenvolve em forma de cartoon, sem poupar ninguém. Nas suas páginas são e foram satirizados todo o tipo de religiões, políticos, actores, músicos e outras figuras públicas. Horas antes, numa entrevista à emissora France Inter dedicada ao seu novo romance Michel Houellebecq defendeu-se das acusações de racismo e islamofobia de que Soumission vem sendo acusado. “Não julgo que isso seja evidente neste livro”, declarou. Terça-feira à noite, convidado no noticiário nocturno do canal televisivoFrance 2, o escritor foi confrontado com a declaração, por parte do dirigente de uma associação anti-racismo, de que Soumission é o melhor presente de Natal que Marine Le Pen, líder do partido de extrema-direita Frente Nacional, poderia ter desejado. Ripostou não existir “nenhum romance que tenha alterado o rumo da História”, acrescentando que “Marine Le Pen não precisa disto. As coisas estão a correr-lhe muito bem neste momento”.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] A narrativa de Soumission decorre em 2022 e imagina um cenário em que Marine Le Pen e o fictício Mohammed Bem Abbes, candidato de um partido formado por muçulmanos franceses, a Irmandade Muçulmana Francesa, se defrontam na segunda volta das eleições presidenciais. A vitória deste último, apoiado por todos os partidos à esquerda da Frente Nacional para impedir a sua vitória, conduz a várias transformações em França (as mulheres largam os seus empregos para cuidar dos filhos em casa; as universidades tornam-se centros de ensino islâmicos) e na Europa (a Turquia e vários países norte-africanos juntam-se à União Europeia). Soumission tem sido qualificado como irresponsável por propagar as ideias da Frente Nacional (disse-o, por exemplo, Laurent Joffrin, director do Libération) mas também descrito como “sublime, de uma extraordinária consistência romanesca” pelo escritor Emmanuel Carrère, que o alinha na tradição da literatura profética de 1984, de George Orwell, ou de Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Em entrevistas anteriores Houellebecq defendera-se invocando a neutralidade do seu gesto criativo. “Não estou a escolher um lado, não defendo qualquer regime. Declino qualquer responsabilidade, reivindico até total irresponsabilidade”, afirmou, citado pelo Telegraph. Confrontado com declarações suas no passado, nas quais referira o Islão como “a mais estúpida das religiões”, confessou ter entretanto mudado de opinião: “O Corão revelou-se bem melhor do que pensava, agora que reli, ou melhor, que o li”. Na entrevista desta quarta-feira à France Inter, afirmou: “A parte do romance que assusta é acima de tudo a anterior à chegada dos muçulmanos ao poder. Não podemos dizer que isso, esse regime [imaginado em Soumission], seja aterrorizador”. Segundo o autor, “as coisas não correm assim tão mal [no livro]” – excepto “se for feminista”. Soumission é alvo de uma primeira edição de 150 mil exemplares e está já no topo da lista de best-sellers da Amazon francesa, algo pouco surpreendente tendo em conta o estatuto do autor de As Partículas Elementares, que acumula os títulos de mais polémico e mais célebre romancista francês da actualidade. Soumission, porém, parece estar a ultrapassar polémicas anteriores. A AFP escreve que a “avalanche de comentários” gerados pela obra na imprensa e nas redes sociais é, “segundo vários peritos”, algo “nunca visto em França a propósito de um romance”. Por MárioLopes, de Portugal

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