Arquivo

O choro de Cunha

Para colunista, as lágrimas do ex-presidente da Câmara têm a ver com a perda do poder e de uma vida de luxo e a perspectiva de encarar a triste realidade dos presídios, “num país cleptocrata de corrupção sistêmica” Por Luiz Flávio Gomes Nas cleptocracias (regadas com as benesses da impunidade) não é comum, mas de vez em quando a casa cai (the house is down). Como aconteceu no discurso em que anunciou a renúncia, nos últimos dias alguns amigos de Cunha o têm flagrado chorando, sobretudo quando fala com sua mulher e sua filha. Ambas já estão na jurisdição de Curitiba, para onde caminha inexoravelmente Eduardo Cunha. A primeira já foi incriminada por lavagem de dinheiro – e, se houvesse, o crime seria de luxúria, com alta possibilidade de encarceramento em regime fechado.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Cunha, seguramente, terá o mesmo destino (pela quantidade de delitos e de provas já divulgados). A corrupção cleptocrata dura muitos anos e, muitas vezes, séculos (a nossa, brasileira, já tem 200 anos e foi precedida de outra, a portuguesa, que durou três séculos). O corrupto, ao contrário, é passageiro (tem prazo certo para se acabar, tem prazo de validade para se exterminar). Ele é mais passageiro que os corruptores (grandes empresários ou banqueiros), visto que esses têm sucessores (enquanto aqueles normalmente não conseguem passar suas relações promíscuas aos herdeiros). Toda grande perda nos faz chorar (tanto quanto as grandes alegrias). O choro das perdas significa dor, derrota e fraqueza. Significa pedido de ajuda e surgiu há 50 mil anos. No caso do Cunha, o choro tem sua razão de ser. Trocar os passeios grandiloquentemente telúricos da Avenue des Champs-Élysées, com seus cinemas, comidas, casas de shows, lojas requintadas e luxuosas e suas belíssimas árvores de castanheiros-da-índia, pelos corredores dos insossos presídios brasileiros significa sim um grande estrago na qualidade de vida. Para se ter uma ideia da mudança, colocar os pés dentro da cela de um presídio brasileiro já implica de 30 a 40 anos a menos na expectativa de vida. Isso não é brincadeira. Quem sai do consumo faustoso, pago com dinheiro alheio, e vai para as profundezas do inferno de Dante tem uma grande prejuízo. Nem sequer os lenços da Louis Vuitton são boas companhias nessas horas. A renúncia a um cargo público nos países cleptocratas (como é o caso do Brasil) tem maior significado, porque não é apenas o fim do poder, sim, o fim de todas as possibilidades de enriquecimento que um cargo renomado oferece nesses países de corrupção sistêmica. Não se trata tão-somente do dinheiro líquido vertido em acumulação de patrimônio guardado em contas secretas na Suíça (porque disso os empresários corruptores brasileiros também desfrutam). Mais: nos países cleptocratas os cargos mais relevantes significam sultânicas mordomias, reconhecimento público (muita gente já tinha Cunha como o próximo presidente da República), bajulações, dezenas de funcionários à disposição, uso de aviões da FAB, mansões equivalentes aos castelos top do Vale de Loire, um orçamento público de bilhões para manobrar, força para coagir ou influenciar, poder de surrupiar e de chantagear e por aí vai. Quem perde tudo isso da noite para o dia costuma mesmo chorar. E não se trata do choro da boa comunicação, que os políticos sabem fazer (Clinton, por exemplo; Obama, menos assiduamente). Não é isso. O choro é de dor, de derrota, de frustração e de fraqueza. É o choro da perda do poder num país cleptocrata de corrupção sistêmica que permeia as elites econômicas assim como as oligarquias políticas dominantes. Um choro que pode simbolizar o fim da jesus.com. Com todos os seus carros, os mais requintados do mercado. O cleptocrata não chora, evidentemente, pela porca escolarização da população, pela falta de hospitais e de remédios, pela esquálida infraestrutura do país, pelo atraso dos salários, pela falta de segurança e de Justiça, pelo transporte indecente etc. Não há sensibilidade para isso. O lado humano dos cleptocratas raramente nota faltas, ausências, carências, sofrimentos, dores, angústias, fome. Não é o seu mundo. Às vezes eles choram por falta de tornozeleira. Mas suas lágrimas não chegam a rolar pelas carências da população que padece grandes sofrimentos gerados pelo sistema de governo cleptocrata. Morto o poder do corruptor (um grande empresário, normalmente) ou do corrompido (um político, por exemplo), fica extinta a possibilidade de roubar (sugar) o dinheiro público. Isso é deveras desesperante. Muitos dos envolvidos na Lava Jato não aprenderam a fazer outra coisa na vida: só sabem sugar, mamar nos bens públicos. Não têm a mínima ideia do que é capitalismo competitivo, luta pela sobrevivência e meritocracia. O terrível é que, com o tempo, a corrupção cleptocrata cria uma espécie de cleptodependência (como as drogas). A renúncia de Cunha à presidência da Câmara significa tudo isso: perda do poder e expulsão do seletíssimo clube da cleptocracia brasileira, composta da pequena elite econômica e da oligarquia política que dominam os rumos do país (sempre pensando nos interesses deles). No último dia 6, Temer perdeu a primeira votação na Câmara. Seu patrimônio político não pode ruir (porque o econômico não poderá fazer nada rapidamente; está travado, aguardando o impeachment e as eleições de outubro). A mídia cleptodependente não está explorando a primeira derrota do interino Temer (isso poderia desestabilizá-lo mais ainda). Mas foi isso que precipitou a renúncia de Cunha (a Câmara está completamente desgovernada). E o processo de impeachment não acabou. Deu desespero. A Câmara precisa de novo presidente. E, claro, cassar o mandato de Cunha (eu espero). A pergunta final, depois de tudo isso, é a seguinte: será que realmente vale a pena ser um corrupto na vida? Será que vale para seus filhos e filhas serem filhos e filhas de um corrupto? Vale a pena construir uma sociedade com mais de 200 milhões de habitantes, deteriorada e esculhambada porque fundada em pilares tão frágeis como o do extrativismo, parasitismo, corrupção e patrimonialismo? Eu penso que a vida é muito curta para se viver num país kleptocrata totalmente injusto e cruel. Mas se não queremos sair do Brasil, só

Leia mais »

Beber e dirigir é crime ou infração administrativa?

Beber e dirigir é, desde logo, uma infração administrativa (Código de Trânsito, art. 165). Com base na experiência, sabe-se que álcool e direção de veículo não combinam (porque gera muitos danos e muitas mortes). No Brasil (que tem uma das 12 legislações mais rigorosas do mundo) ninguém está autorizado e beber e dirigir, porque isso representa um perigo para todos. A infração administrativa significa quase R$ 2 mil de multa, um ano sem carteira e apreensão do veículo. Beber e dirigir de forma anormal (ziguezague, subir calçada, entrar na contramão, passar sinal vermelho, bater em outro veículo, dirigir muito lentamente etc.) é crime (CT, art. 306), porque agora o motorista comprova não só que bebeu, mais que isso: que dirigia sob a influência da bebida, que significa alteração da capacidade psicomotora. Uma coisa, portanto, é beber e dirigir sem nenhuma influência do álcool (isso é infração administrativa). Outra distinta é beber e dirigir sob a influência do álcool, porém, não presumida, comprovada efetivamente com uma condução anormal. Não podemos confundir a condução etílica (infração administrativa) com a condução sob a influência etílica (crime). [ad name=”Retangulos – Esquerda”]No campo criminal, em virtude da sanção prevista (prisão, de 6 meses a 3 anos), não podemos trabalhar com presunções abstratas (isso se faz no campo do direito administrativo). No campo penal temos sempre que provar um efetivo (real) perigo. O efetivo perigo exigido pelo art. 306 está na forma de dirigir o veículo (direção anormal), sem necessidade de nenhuma vítima concreta (uma pessoa quase foi atropelada, um carro que quase foi atingido etc.). Tecnicamente isso se chama crime de perigo abstrato de perigosidade real (o motorista tem que revelar objetivamente, empiricamente, uma condução perigosa: ziguezague, contramão etc.). Se isso não acontece, enquadra-se na infração administrativa. Comprovando-se a perigosidade real prova-se, ao mesmo tempo, uma diminuição da segurança viária. Diminuição concreta, real (não presumida). De qualquer modo, quem bebe e dirige não escapa (se surpreendido pelas autoridades e seus agentes). Os jornalistas, radialistas e sectários da “mão de ferro” falam grosso: “o bandido morfético que bebe e dirige deve ser punido exemplarmente”. Muitos dessa linguagem de guerra, que são adeptos das “bancadas da bala”, fazem à noite o que reprovam na manhã seguinte. Porque muitos humanos se dividem em dois: a pessoa que ele é (o filho, o pai, o agente social que é) e o papel que ele cumpre. Eles conseguem separar o teatro da vida. Vivem de uma maneira e, no palco, atuam de outra forma. É um humano e um personagem. Em cada momento comporta-se de uma maneira. É isso que explica o paradoxo do pai corrupto que dá lição de moral ao filho; o pai que bebe e dirige e diz para seus filhos não fazerem isso. Esquecem que é o exemplo que predica, não o discurso. Para saber mais sobre a direção embriagada, veja o vídeo abaixo: Por Luiz Flávio Gomes – jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

Leia mais »

Jurista Luiz Flávio Gomes: ‘Barbosa é populista penal’

Presidente do STF “acredita piamente” que juízes mais rigorosos e penas mais duras combatem a criminalidade, mas isso “é uma mentira”, avalia o doutor em Direito Penal e estudioso da área; juiz acrescenta que Joaquim Barbosa acreditou nessa teoria durante o ‘mensalão’, julgamento que teve, segundo ele, penas “fora dos padrões” de jurisprudência no Brasil; “Ele quis fazer do julgamento um caso exemplar de punição à criminalidade” A escolha que o Brasil fez para combater a criminalidade é errada. A avaliação, do jurista Luiz Flávio Gomes, motivou a publicação do livro “Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e Direito penal crítico” (editora Saraiva), escrito em parceria com a também jurista Débora de Souza de Almeida. Segundo ele, que concedeu entrevista ao 247, a tese de que o endurecimento da lei é a solução para a diminuição de crimes no País “é um engano”, uma “ilusão”. [ad#Retangulo – Anuncios – Esquerda]Mesmo assim, com o apoio da mídia, diz ele, muitos juízes se envolvem com o populismo penal e acabam pensando apenas em penas mais graves, acreditando que esta seja a saída. “O que o Brasil está fazendo para combater o crime está errado e quem combate de maneira errada sofre as consequências. Esse é o problema do populismo: ele é enganoso, as pessoas se iludem e a criminalidade não melhora, está cada dia pior”, afirma Gomes, que já foi promotor, juiz e advogado. Para o doutor em Direito Penal e estudioso da área – é fundador e presidente da Rede LFG de ensino – o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, é um exemplo de perfil do populismo penal. Numa entrevista concedida no final de fevereiro, Barbosa afirmou que os juízes brasileiros têm mentalidade “mais conservadora, pró status quo, pró impunidade”. Na opinião do jurista, “essa declaração é típica do populismo”. Luiz Flávio Gomes afirma ainda que a teoria do populismo penal midiático foi aplicada por Barbosa durante o julgamento da Ação Penal 470, o ‘mensalão’. “Ele quis fazer do julgamento um caso exemplar de punição à criminalidade”, afirma. Por isso, acredita, foram definidas penas “fora dos padrões” de jurisprudência do Brasil. Para ele, esta é uma forma de o governo responder à sociedade que está fazendo algo contra a criminalidade. Leia abaixo os principais trechos da conversa: Me fale um pouco do que trata o livro. A primeira coisa é entender isso [o populismo penal midiático]. Trata-se do seguinte: o Brasil vive hoje – há muito tempo, mas hoje está se agravando – uma crise de segurança muito grande. Os números só aumentam. Como reagir a essa criminalidade? De que maneira podemos reagir? E há duas maneiras: fazendo políticas de prevenção, aí sim obtendo resultados, e pela repressão, que é a escolha que o Brasil fez. De que maneira o Brasil tem procurado combater o crime: envelhecimento da lei penal. Ou seja, com a lei mais dura, conseguimos combater a criminalidade. Mas isso é uma mentira, um engano, um engodo. Sendo que tudo é aprovado pelo parlamento e a mídia apoia, pede o endurecimento das penas. E o que isso tem de efeitos concretos: praticamente zero, porque nenhum crime baixou. É o movimento populista dos anos 90 para cá. E por que é populista? Porque busca o consenso da população. Que outra medida pode ser considerada populista dentro do campo penal? Medidas contra crimes violentos e às vezes não violentos, como os crimes econômicos. Agora o que eu abordei no livro é o efeito que isso vem provocando nos juízes. Porque o juiz que se envolve com o populismo só pensa em penas mais graves, em penas mais graves. Ele também acredita que o endurecimento da lei é a solução. E por que o senhor acha que o governo busca essa opção? O governo faz isso porque é a medida mais barata. Quem não tem um plano de prevenção tem que dar um tipo de resposta para o povo. No caso do Brasil, o governo faz o que é mais fácil. Recentemente, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, afirmou que os juízes no Brasil têm tendência à impunidade. Essa declaração faz dele um populista penal? Essa declaração é típica do populismo. Ele quer que os juízes sejam mais rigorosos, que apliquem penas mais duras. Ele acredita piamente nisso, que a lei mais dura combate a criminalidade. E mais: ele acreditou nisso durante o processo do mensalão. Ele quis fazer do julgamento um caso exemplar de punição à criminalidade. Na sua avaliação as penas do mensalão foram excessivas? As penas do mensalão estão fora dos padrões da jurisprudência no Brasil. Por trás de tudo, está a avaliação de que punindo um, os demais não vão cometer crimes. Aí é que está o erro, não é assim que funciona. No Brasil, poucos são condenados. Então o perfil do ministro Barbosa é de um populista… Barbosa não é só populista, é reacionário, ele tem uma linha de desrespeito às garantias. Ele quis aplicar, por exemplo, uma pena de multa que não existe num determinado crime. Isso viola a garantia da legalidade, tanto que os outros ministros não concordaram. Em outro caso, para ele, o empate significa a condenação, o que no final se viu que não, que o empate era absolvição. Então foram vários movimentos que indicaram esse perfil populista. Tanto que as entidades se manifestaram contra as declarações, o acusando também de não consultá-las antes de tomar decisões… Essa é uma tendência autoritária, não consulta as entidades. Xinga as pessoas, xinga jornalistas, como se fosse o rei. Às vezes se comporta como um rei soberano, que tivesse imunidade. Não é assim. Ele desrespeita as pessoas. O que o senhor achou da decisão que ele tomou na semana passada, negando dois pedidos à defesa da AP 470, um referente a mais prazo para apresentar recurso e outro sobre a consulta aos votos dos ministros? Esta é uma decisão coerente com o que ele sempre fez: não vai dar prazo extra. Mas não descumpriu a lei. Já era de

Leia mais »