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Carlos Drummond de Andrade – Poesia – 22/03/24

Boa noite Memória Carlos Drummond de Andrade Amar o perdido deixa confundido este coração. Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão.

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Ledo Ivo – Poesia – 21/03/24

Boa noite A Queimada Ledo Ivo Queime tudo o que puder: as cartas de amor as contas telefônicas o rol de roupas sujas as escrituras e certidões as inconfidências dos confrades ressentidos a confissão interrompida o poema erótico que ratifica a impotência e anuncia a arteriosclerose os recortes antigos e as fotografias amareladas. Não deixe aos herdeiros esfaimados nenhuma herança de papel. Seja como os lobos: more num covile só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados. Viva e morra fechado como um caracol. Diga sempre não à escória eletrônica. Destrua os poemas inacabados, os rascunhos, as variantes e os fragmentos que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas. Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha. Não confie a ninguém o seu segredo. A verdade não pode ser dita.

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Masao Kato – Poesia – 17/03/24

Boa noite Para Mônica em quimono, no seu quinto aniversário Masao Kato¹ Como cantar beleza assim tão rara? Vendo-te – a mais formosa entre as formosas – adivinho-te o corpo, a carne clara, no quimono de curvas caprichosas. Com suas cores suaves, harmoniosas, listrado em tons que alguém jamais sonhara: ofusca, em Maio, as cores mais verdosas, com seu frescor que a nada se compara. Nele, teu porte sempre calmo e nobre dá-te ao gesto e às feições toda a expressão: é um símbolo da graça que te cobre com o fascínio da velha tradição! Desejo-te hoje: o sonho já colhido, e o canto da beleza em teu ouvido! Trad. do inglês, de Luís Antônio Pimentel ¹Masao Kato Nota do editor Tomei conhecimento da nova poesia contemporânea do Japão, através de uma coletânea feita por J.G de Araújo Jorge, no livro ” Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. Não disponho de dados biográficos desse poeta japonês.

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Manuel Alegre – Poesia – 14/03/24

Boa noite. Gostava de morar na tua pele Manuel Alegre¹ Gostava de morar na tua pele desintegrar-me em ti e reintegrar-me não este exílio escrito no papel por não poder ser carne em tua carne. Gostava de fazer o que tu queres ser alma em tua alma em um só corpo não o perto e o distante entre dois seres não este haver sempre um e sempre o outro. Um corpo noutro corpo e ao fim nenhum tu és eu e eu sou tu e ambos ninguém seremos sempre dois sendo só um. Por isso esta ferida que faz bem este prazer que dói como outro algum e este estar-se tão dentro e sempre aquém. ¹Manuel Alegre de Melo Duarte *Águeda, Portugal – 12 de maio de 1936

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Severo Sarduy – Poesia – /03/24

Boa noite Poema Severo Sarduy Uma lâmpada Um copo. Uma garrafa. Sem outra utilidade ou pertinência que estar ali, que dar à consciência um casual pretexto, mas não grafa o traço humano que ora inflama, abafa a luz ou que ali beba. Em tudo a ausência: paredes que, caiadas, dão ciência que ali ninguém repousa ou se estafa. Somente é familiar a luz acesa que põe sobre a toalhaposta à mesa a sombra que se alarga: o dia que do tempo o passo segue em sua vaga irrealidade. A tarde já se apaga. Abraçam-se os objetos: sentem medo.

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Sophia Andresen – Poesia – 09/03/24

Boa noite Retrato de uma princesa desconhecida Sophia Andresen ¹ Para que ela tivesse um pescoço tão fino Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos Para que a sua espinha fosse tão direita E ela usasse a cabeça tão erguida Com uma tão simples claridade sobre a testa Foram necessárias sucessivas gerações de escravos De corpo dobrado e grossas mãos pacientes Servindo sucessivas gerações de príncipes Ainda um pouco toscos e grosseiros Ávidos cruéis e fraudulentos Foi um imenso desperdiçar de gente Para que ela fosse aquela perfeição Solitária exilada sem destino ¹ Sophia de Mello Breyner Andresen * Porto, Portugal – 6 de Novembro de 1919 + Lisboa, Portugal – 2 de Julho de 2004

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Anderson Christofoletti – Poesia – 08/03/24

Boa noite Amor sem destino Anderson Christofoletti ¹ Eterna falta: flama do desejo. Constante busca de um… qualquer ensejo… Metades atreladas pelo beijo: Beijo lascivo, lábios sem pejo, Mixórdia de seivas, amor sedento… Duas faces que carregam igual tormento; Rebentos de um eterno sentimento; Vidas lidas num único momento. A carícia da simples presença; Um crime intrínseco e sem sentença; Ébria necessidade de outra parte… … Desassossego ingente, que, destarte, Eterniflui na atroz e cega crença, Nisto que, mesmo ausente, nunca parte… ¹Anderson Christofoletti *São paulo,SP – 19 de Abril de 1976 d.C

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Yannis Ritsos – Poesia – 06/03/24

Boa noite Creio na poesia Yannis Ritsos Ele diz: creio na poesia, creio no amor, creio na morte, exatamente porque creio na imortalidade. Escrevo um verso, escrevo o mundo; existo; o mundo existe. Da extremidade do meu dedo mínimo corre um rio. O azul do céu é azul sete vezes. Esta pureza é de novo a primeira verdade, a última das minhas ¹Yannis Ritsos * Grécia – 1909 d.C + Atenas, Grécia -1990 d.C

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Wilhelm Klemm – Poesia – 03/03/24

Boa noite. A Alma e o Caos Wilhelm Klemm¹ Não queremos poesia de gênero algum, Queremos truques mágicos de saco, Procuramos tapar na existência um fatal buraco. E apesar de esforço insano não tapamos nenhum. Mas que sabeis vós outros do secreto aspirar, Dos soluços de divina histeria que em gargantas choram, Quando, plenamente absorvidos da alma elementar, Beijamos o primeiro degrau, para além de cujo limiar Erroneamente os deuses moram? Extraído do Livro 100 poemas expressionistas seleção e tradução de João Barrento ¹ Wilhelm Klemm * Bavária, Alemanha – 1881 d.C + Bavária, Alemanha -1968 d.C

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Aíla Sampaio – Poesia – 01/03/2024

Boa noite. De outro tempo Aíla Sampaio¹ Há em mim uma casa desabitada perdida no abandono dos ventos que sopram sem direção há portas que batem silenciosas atrás de um adeus sem data, lágrimas nas paredes retintas e trancas enferrujadas nos portais há hera entranhada nas vigas, nos muros e em minha alma, fechando porteiras, lacrando janelas misturando-se ao musgo que no jardim cresceu Há em mim um silêncio quase sagrado e a memória de um tempo que não é o meu. ¹Aíla Sampaio * Fortaleza, Ce. Mestra em Literatura. Professora do Curso de Letras da Unifor

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