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Brecht – Poesia – 05/10/23

Boa noite. Esse desemprego Brecht¹ Meus senhores é mesmo um problema Esse desemprego! Com satisfação acolhemos Toda oportunidade De discutir a questão. Quando queiram os senhores! A todo momento! Pois o desemprego é para o povo Um enfraquecimento. Para nós é inexplicável Tanto desemprego. Algo realmente lamentável Que só traz desassossego. Mas não se deve na verdade Dizer que é inexplicável Pois pode ser fatal Dificilmente nos pode trazer A confiança das massas Para nós imprescindível. É preciso que nos deixem valer Pois seria mais que temível Permitir ao caos vencer Num tempo tão pouco esclarecido! Algo assim não se pode conceber Com esse desemprego! Ou qual a sua opinião? Só nos pode convir Esta opinião: o problema Assim como veio, deve sumir. Mas a questão é: nosso desemprego Não será solucionado Enquanto os senhores não Ficarem desempregados! ¹Eugen Berthold Friedrich Brecht * Augsburg, Alemanha – 10 de Fevereiro de 1898 + Berlim, Alemanha – 14 de Agosto de 1956

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Augusto dos Anjos – Poesia – 04/10/23

Boa noite Vandalismo Augusto dos Anjos Meu coração tem catedrais imensas, Templos de priscas e longínquas datas, Onde um nume de amor, em serenatas, Canta a aleluia virginal das crenças. Na ogiva fúlgida e nas colunatas Vertem lustrais irradiações intensas Cintilações de lâmpadas suspensas E as ametistas e os florões e as pratas. Como os velhos Templários medievais Entrei um dia nessas catedrais E nesses templos claros e risonhos … E erguendo os gládios e brandindo as hastas, No desespero dos iconoclastas Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

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Maria do Rosário – Poesia – 03/10/2023

Boa noite A Invenção das Clarabóias Maria do Rosário Pedreira¹ No princípio, aprenderam a ter medo e protegerem-se. Construíram casas de pedra e lama, pequenos refúgios onde não tardaram a sentir-se cada vez mais sós. Sonharam que, um dia, um feixe de luz haveria de afagá-los. E, fascinados pelo céu, desenharam óculos pelos telhados. Tiveram, desde logo, a companhia das estrelas. Hoje os deuses ainda passam os olhos pelas casas todas as noites, antes de adormecerem. in A Casa e o Cheiro dos Livros, 2007 ¹Maria do Rosário Pedreira *1959, Lisboa, Portugal

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Manuel Bandeira – Poesia – 30/09/23

Boa noite Poemeto erótico Manuel Bandeira¹ Teu corpo claro e perfeito, – Teu corpo de maravilha, Quero possuí-lo no leito Estreito da redondilha   Teu corpo é tudo que cheira… Rosa… flor de laranjeira…   Teu corpo, branco e macio, É como um véu de noivado…   Teu corpo é pomo doirado…   Rosal queimado de estio, Desfalecido em perfume..   ¹Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho *Recife, Pe. – 19 de abril de 1886 +Rio de Janeiro, Rj. – 13 de outubro de 1968

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José Saramago – Poesia – 28/09/23

Boa noite No silêncio dos olhos José Saramago ¹ Em que língua se diz, em que nação, em que outra humanidade se aprendeu a palavra que ordene a confusão que neste remoinho se teceu? Que murmúrio de ventos, que dourados cantos de ave pousada em altos ramos dirão, em som, as coisas que, calados, no silêncio dos olhos confessamos? ¹ José de Sousa Saramago * Azinhaga, Portugal – 16 de Novembro de 1822 + Ilhas Canárias, Espanha – 19 de junho de 2010

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Abu Marwan – Poesia – 21/09/23

Boa noite Marwan Abu Anúncio por palavras Verso solteiro procura leitora de poemas para iniciar relação estável e fazer amor nas páginas do vento. Interessadas apresentem-se sem roupa e animadas na página mais próxima antes que isto acabe publicado num triste livro de poemas. PS: chegaste tarde. ¹Marwan Abu *Madri, Espanha – 1979

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Manuel Graña Etcheverry – Poesia – 20/09/23

Boa noite. Hoje já passou Manuel Graña¹ Já o dia passa. Já os livros não podem. Já a música não alcança. A evasão é inútil, solitário. Já tens o espelho a tua frente: mira-te, sozinho, fumando o cigarro, mira no quarto tua presença só. Não estão suas mãos nem seus olhos vêm, nem sua voz se aproxima, nem seu beijo, nem chega seu amor para buscar-te. Consumiste sonhos na espera: edifícios de tenues quadros que as horas gastaram pouco a pouco. E ruínas sonoras de estupendos colóquios de amor que imaginaste têm buscado sua tumba nas paredes. Não te bastou a lembrança: desejava-a vivendo e perto e em teus braços. Mas o dia se vai sem que ela venha. Hoje a paz não veio e tens medo. Não quer retratar-se em cristais nem a água do passado te refresca. Mas o dia se vai… cala-o, esqueça. Beija no ar seu rosto ausente. Hoje a paz não veio. Hoje já passou. ¹Manuel Graña Etcheverry * Córdoba, Argentina – 1915 + Dean Funes, Argentina – 27 de maio de 2015

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Lucian Blaga – Poesia – 17/09/23

Boa noite A saudade Lucian Blaga ¹ Sedento bebo teu perfume e seguro teu rosto com ambas as mãos, como quem segura na alma um milagre. Queima-nos a proximidade, olhos nos olhos, como estamos. E contudo me sussurras: “Tenho tanta saudade de ti!” Falas tão misteriosa e desejosa, como se eu estivesse exilado em outro mundo. Mulher. que mares levas no peito, e quem és? Canta ainda uma vez mais tua saudade, para que te ouça e os instantes me pareçam botões prenhes de que florescessem de fato… eternidades. In Os Poemas da Luz, 1919 ¹ Lucian Blaga * Romênia – 9 de maio de 1895 + Romênia – 6 de maio de 1961

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