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Atual modelo de doações de empresas a políticos é promíscuo, diz líder empresarial

Se o atual modelo de doações de empresas a partidos e candidatos políticos não for alterado, “corremos muitos riscos de continuar com essa relação promíscua entre público e privado na nossa sociedade”, opina Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos, em entrevista à BBC Brasil. ” Nós temos que aproveitar essa doença que nós temos hoje e atacar o problema do nosso organismo, do nosso sistema”, diz empresário O instituto foi criado para incentivar práticas socialmente responsáveis no setor privado e hoje tem 558 empresas associadas – entre elas grandes doadoras de campanhas eleitorais, como os bancos Bradesco, Itaú e Santander, a construtora WTorre, a rede de frigoríficos Marfrig e até mesmo braços de grupos investigados na operação Lava Jato, como a Camargo Corrêa ou Odebrecht. Após um ano e meio, o Supremo Tribunal Federal retomou nesta quinta-feira o julgamento que está avaliando se doações de empresas a partidos e candidatos desrespeitam à Constituição Federal. O ministro Gilmar Mendes votou considerando improcedente a ação que questiona o financiamento privado de campanhas. Depois disso, o julgamento foi interrompido.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] O placar atual do julgamento – seis votos contra as doações de empresas e dois a favor – indica que esse tipo de financiamento será proibido. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que moveu a ação, argumenta que a atuação das empresas desequilibra a disputa eleitoral, ferindo o direito constitucional à igualdade. Abrahão reconhece que o setor privado tem hoje um poder desproporcional de influenciar as eleições. No entanto, o instituto defende que sejam criados limites muito baixos para esses repasses, em vez de proibi-los totalmente. O presidente do Ethos critica a minirreforma política aprovada pelo Congresso, que estabeleceu teto de R$ 20 milhões por empresa. “É um valor muito alto. Essa reforma não ataca as questões principais, vamos permanecer com os mesmos problemas”, lamentou. Gilmar Mendes, que havia pedido vista do processo em abril do ano passado, liberou seu voto um dia depois de o Congresso aprovar as novas regras. Ele deu várias indicações públicas de que estava segurando o processo para dar tempo de os parlamentares decidirem sobre a questão. “As eleições têm que ser mais baratas porque o fato de elas serem mais caras está fazendo com que esse processo se retroalimente: a necessidade de mais financiamento, a busca pelas empresas, e aí elas passam a ter uma influência muito grande.”Jorge Abrahão A ação movida pela OAB questiona dispositivos da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) e da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995). Não está totalmente claro se a decisão do STF nesta ação valerá também para as regras que acabaram de ser aprovadas – será preciso aguardar a conclusão do julgamento. Por via das dúvidas, políticos contrários as essas doações, como deputados petistas, estão pressionando a presidente Dilma Rousseff a vetar o artigo da nova lei que prevê o financiamento de campanha por empresas. Leia também: Quase 40 países já proíbem doações de empresas a campanhas políticas Confira os principais trechos da entrevista com o presidente do Instituto Ethos: BBC Brasil – O STF está retomando o julgamento sobre doações de empresas a candidatos. Seis ministros já votaram pela proibição. Qual a opinião do Instituto Ethos? Jorge Abrahão – Sinalizamos que tem que haver uma mudança muita forte (no atual sistema de doações). Da forma com que funciona hoje, a influência do poder econômico nas eleições é muito grande, há muita desproporção. BBC Brasil – Mas o instituto é contrário ou a favor de uma total proibição? Abrahão – Tem que haver uma mudança no sentido de baratear as eleições e de haver um equilíbrio maior entre o financiamento público e o financiamento privado. As eleições têm que ser mais baratas porque o fato de elas serem mais caras está fazendo com que esse processo se retroalimente: a necessidade de mais financiamento, a busca pelas empresas, e aí elas passam a ter uma influência muito grande. E uma outra coisa é um equilíbrio entre financiamento público e privado. Então, o Ethos não coloca a necessidade da proibição das doações, mas de baratear a campanha e de ter mais equilíbrio entre financiamento público e privado. BBC Brasil – Críticos das doações dizem que elas são, na verdade, um “investimento”. O senhor concorda? Abrahão – As pesquisas têm mostrado que é assim. Existe uma pesquisa do Instituto Kellogg (da Universidade Notre Dame, nos EUA) que fala que os investimentos na campanha têm trazido retornos expressivos para as empresas. Na prática, o que tem ocorrido é um pouco isso, e os escândalos que a gente tem visto confirmam desse processo. É um fato, é uma realidade. Isso só reforça a necessidade de uma mudança. BBC Brasil – O instituto entende então que é possível mudar este quadro criando algumas restrições, mesmo sem a total proibição? Abrahão – Resguardadas essas questões do equilíbrio maior entre financiamento público e privado e do barateamento das campanhas, as empresas poderiam continuar doando, com limites muito baixos em relação ao que hoje é permitido. Isso evidentemente implicaria em limites bastante reduzidos para não permitir essa influência tão grande quanto elas têm hoje. BBC Brasil – Os críticos às doações dizem que empresa não vota, quem vota são as pessoas. Qual é a vantagem para a democracia brasileira que as empresas possam continuar doando com valores baixos? Por que essa solução é melhor do que simplesmente proibir as empresas de doar? Abrahão –Essa defesa por parte do Ethos da permanência do financiamento – com limites muito menores e restrições fortes – tem a ver com a importância das empresas dentro do cenário econômico do país. É um pouco nesta linha, da importância das empresas, que justificaria o apoio a determinados conteúdos e projetos (das campanhas). Agora, esse é o melhor dos mundos eu diria, do ponto de vista das empresas, que não estariam buscando retorno com isso. Por isso, hoje propomos uma redução substancial nos limites de doação, porque com isso você retoma a importância dos conteúdos (das campanhas). Leia também: Procuradoria

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