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Opinião: Depois da festa do impeachment, a ressaca

Assim que passar a euforia pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff, brasileiros perceberão que a crise continua, e que grande parte do Legislativo ainda é corrupta, opina Francis França ¹. Dilma Rousseff foi afastada da Presidência da República. Pelo menos 100 milhões de brasileiros estão celebrando o desfecho do processo de impeachment. Boa parte deles esperava por este momento desde que Dilma assumiu o segundo mandato. Para 61% dos brasileiros que são favoráveis ao afastamento da presidente, o resultado da votação no Senado foi uma vitória. Quando a euforia passar, porém, vai sobrar a ressaca. Os brasileiros vão perceber que ainda estão em meio a uma crise econômica com desemprego e inflação na casa dos dois dígitos. E verão que o país ainda precisa urgentemente de uma reforma política, tributária e previdenciária, e que a aprovação dessas reformas segue nas mãos de um Congresso onde 60% dos deputados e senadores têm pendências na Justiça, muitos deles por corrupção.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] O país fica agora nas mãos do presidente em exercício, Michel Temer, cuja taxa de rejeição (62%) é quase tão alta quanto a da presidente afastada. Além da impopularidade, Temer terá que enfrentar ainda outro obstáculo: a oposição do PT. O partido da presidente, que tem a terceira maior bancada na Câmara e a segunda maior no Senado, não reconhece a legitimidade do governo Temer e deve barrar o que puder. Nada de novo no front da política brasileira. Temer terá entre seis meses e – se a presidente for definitivamente cassada, como parece indicar o resultado da votação no Senado – dois anos e sete meses para governar, já que anunciou que não quer se candidatar às eleições de 2018. Mesmo que quisesse, não poderia, pelo menos se for confirmada a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo que o torna inelegível devido a irregularidades em doações na campanha de 2014. E mesmo que pudesse, dificilmente se elegeria. Pesquisa recente do Datafolha indica que as intenções de voto em Temer não passam dos 2%. Resumindo, Temer chegará ao poder com a popularidade em baixa e um mandato com prazo de validade. Sua melhor chance de sair como estadista de um processo controverso como este será lutar com todas as forças para que o Congresso aprove as reformas que o país precisa. Seu partido, o PMDB, tem a maior bancada nas duas casas parlamentares. Com isso, ele faria História e daria um tapa de luva no PT, que passou 13 anos no poder sem reformar o sistema político que tanto criticava quando era oposição. Mas Temer não indicou que fará qualquer reforma. Sugeriu apenas uma guinada liberal na política econômica, com privatizações, estabelecimento de um teto para os gastos do governo e um pente fino nos programas sociais. E prometeu apoio à Operação Lava Jato, procurando dissipar os temores de que a investigação perca força com a saída de Dilma. Por enquanto, a primeira boa notícia é que o Brasil deve pelo menos sair da completa paralisia política em que se encontrava. A segunda boa notícia é que acabaram as penosas e intermináveis votações sobre o impeachment. Pelo menos até o julgamento. ¹ Francis França é editora-chefe da DW Brasil.

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O Brasil espera uma Justiça ampla e absoluta, em todos os Poderes

 Se todas as acusações e denúncias dirigidas ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, forem realmente verdadeiras, o seu afastamento do mandato e da presidência da Casa, determinado pelo ministro Teori Zavascki do Supremo Tribunal Federal (STF), foi tardiamente concretizado. As acusações contra Cunha – responsável por conduzir o processo de impeachment de Dilma na Câmara – são tão graves, que o procurador Rodrigo Janot se referiu a ele como um “delinquente” Cunha vem se envolvendo em suspeitas de irregularidades há muitos anos, e não está sozinho nesta trajetória. É citado em casos como da Cehab, Cedae, RioPrevidência e Furnas. As acusações atuais contra Cunha – responsável por conduzir o processo de impeachment da presidente Dilma na Câmara – são tão graves que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se referiu a ele como um “delinquente”.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Em sua definição, delinquente significa quem infringe uma lei ou normas morais, pessoa que praticou um delito; criminoso. Entre os sinônimos de delinquente estão bandido, réu, matador, malfeitor, homicida, facínora, criminoso, celerado, assassino, sicário. Como pode um delinquente – se Cunha realmente for – conduzir um processo de impeachment de um presidente da República? A decisão do STF é importante. Contudo, é também fundamental para o resgate da dignidade do país que a Justiça mire seu alvo não apenas nos criminosos do presente, mas também nos do passado. Não adianta a hipocrisia de mandar prender quatro ou cinco. Para limpar o país, é preciso que todos os criminosos sejam presos. Caso contrário, os do passado acabam voltando. Na Espanha, o banqueiro Mario Conde, que foi preso nos anos 1990 por desvio de milhões de euros no caso Banesto e cumpriu 11 anos de cadeia, foi detido mês passado por operações de transferência maciça de capitais da Suíça, Reino Unido e de outros países para contas suas na Espanha. É um exemplo claro de acusados do passado que voltam a agir, e que acabam se tornando um deplorável exemplo para o povo, já cansado de tantos roubos e desmandos. Na Espanha, esta desesperança deve se refletir nas próximas eleições, em junho. E no Brasil, com 10 milhões de desempregados, com servidores públicos sem salário, com uma imensa massa de pessoas na linha da pobreza… quais as consequências desses péssimos exemplos? Levantando essas questões, o Jornal do Brasil não está pregando o pessimismo. O país é que não aguenta mais este estado de anomia. O JB, na verdade, cumpre a sua missão de trazer à tona a voz de seus leitores. A voz de brasileiros que não suportam mais ver o país ter sua dignidade massacrada por quem diz representar o povo. O que se espera do Brasil? Que ele vire uma Venezuela? Mas aqui não há 30 milhões de habitantes. Há 210 milhões. Não somos uma, somos sete Venezuelas. Não adianta “meia sola” de ações judiciais. Tem que ser sola inteira. Não adianta prender “delinquentes” empreiteiros e depois manda-los para casa, como prêmio pelo acordo de delação. Enquanto esses ladrões ficam soltos, e com o milionário produto de seus roubos, seus empregados acabam sendo os únicos punidos, engrossando a massa de desempregados e desamparados do país. Estes sim, têm seus bens “sequestrados” pela falta de trabalho, e pagam pelo crime cometido por seus patrões. É preciso que se dê uma resposta ampla e irrestrita para os brasileiros que pedem por Justiça. Mas não uma Justiça seletiva e tardia. O Brasil espera uma Justiça completa, total, íntegra e absoluta, em todos os Poderes.

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O ajuste fiscal e a interinidade de Michel Temer

Em cerca de duas semanas o Brasil terá novo governo, pois o Senado deve aprovar o afastamento de Dilma Rousseff. Prazo de validade André Singer – Folha de S. Paulo O vice, no entanto, assume em condições inéditas, pois o julgamento da atual presidente, em até 180 dias, acabará por ser, também, um veredito sobre a própria interinidade de Michel Temer. A sorte pode resolver os complicados problemas postos para o líder do PMDB, mas trata-se de verdadeira, passe o trocadilho, temeridade contar com ela.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] E até aqui, nada indica a existência de plano razoável para evitar que novo ajuste fiscal aprofunde a recessão; que a Operação Lava Jato atinja o interino na Presidência; que a proximidade com Eduardo Cunha macule ainda mais a imagem do homem que traiu Dilma. O senador José Serra (PSDB-SP), óbvio candidato à Presidência, apresentou-se para realizar a difícil missão de produzir rápida retomada do crescimento sem perder o apoio do “mercado”. Se desse certo, Temer teria carimbado o passaporte para ficar até 2018 e o ex-governador paulista, por sua vez, repetiria a trajetória de Fernando Henrique Cardoso com o real. Ambos ganhariam. O voo do tucano, contudo, foi abatido pelo veto do seu colega de partido,Geraldo Alckmin, e pelo medo do próprio Temer de desagradar as finanças. Ao escolher Henrique Meirelles, vinculado aos bancos, opta pela proposta de fazer cortes estruturais que irão deprimir mais a atividade econômica, em busca das chamadas “condições fiscais sustentáveis”. A guerra de classes promete esquentar, pois as tesouradas incidirão diretamente sobre o bolso e os direitos dos trabalhadores. Além disso, livre do fardo de ter que defender uma política indefensável, o PT trará o discurso classista à tona, voltando a ter o que dizer na disputa pelas prefeituras. Como ficará o ânimo popular, quando perceber que os empregos continuam a sumir? Enquanto isso, acusações como a de que a campanha do presidente interino recebeu propina de R$ 1 milhão em 2014, segundo afirmou um dos donos da Engevix; ou de que o peemedebista indicou diretor corrupto da Petrobras; ou de que foi beneficiário de pagamento de R$ 5 milhões, conforme disse um dos sócios da OAS, continuarão no noticiário. Qualquer iniciativa de aplacar a sanha da República de Curitiba, como foi o virtual convite a um dos advogados de acusados para ocupar a pasta da Justiça, pode ter resultado bumerangue. As revelações voltarão mais fortes. Para completar, existe a sombra do aliado Eduardo Cunha. Trata-se do clássico caso em que o executor do trabalho sujo precisa ser eliminado, pois ameaça conspurcar a reputação do mandante. A quem achou que o domingo 17 representava o fim da crise, recomenda-se reforçar o estoque de Rivotril.

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Brasil: Um país bipolar

O que me espanta nas manifestações dos diversos grupos de Tapuias não é a classe sócio econômica dos participantes. O estranhamento é termos pessoas “tão bem educadas” lutando contra princípios democráticos e expressando ódio por meio de cartazes e palavras de ordem, além do que circula nas redes sociais. Espanta muito perceber que “pessoas bem educadas” possam pensar que os problemas políticos do país são ocasionados por uma única pessoa ou partido. Eu honestamente esperava muito mais de pessoas “tão bem educadas,” porém a origem de todas as decepções é um excesso de expectativas. Achar que um grupo tem mais direito que o outro é um erro gravíssimo! Somos todos iguais em Direitos. O Brasil está bi polarizado e esse tipo de desagregação só traz prejuízos para os dois lados. [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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‘Grande farsa’ ou ‘fim de ciclo’? Brasilianistas divergem sobre peso histórico de decisão da Câmara

A decisão da Câmara de autorizar a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff gerou reações divergentes entre estudiosos do Brasil nos Estados Unidos. Interpretação do episódio vai depender do que ocorrer com presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e vice-presidente, Michel Temer Num ponto, porém, analistas ouvidos pela BBC Brasil parecem concordar: a interpretação histórica do episódio dependerá do que ocorrer com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e com o vice-presidente, Michel Temer. Para James Green, professor de história brasileira da Brown University, a leitura histórica da votação da Câmara dependerá do julgamento de Cunha e dos membros da comissão do impeachment acusados de corrupção. Cunha é réu na Lava Jato, acusado de receber dinheiro desviado da Petrobras. Ele nega ter cometido crimes.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Green argumenta que uma eventual condenação de Cunha mostraria à população que o principal articulador do impeachment é corrupto e não tinha credibilidade para conduzir o processo. Assim, segundo Green, se o presidente da Câmara e os outros deputados forem condenados, os brasileiros entenderão o impeachment de Dilma como “uma grande farsa”, “uma manobra parlamentar para derrubar uma pessoa a quem eram contra”. Racha O professor foi um dos signatários de um manifesto que provocou um racha na última conferência da Brazilian Studies Association (Brasa), em Rhode Island (EUA), no início do mês. O documento diz que “há sério risco de que a retórica anticorrupção esteja sendo utilizada para desestabilizar um governo recém-eleito democraticamente, agravando a série crise política e econômica do país”. Após a aprovação do abaixo-assinado pela maioria dos presentes, alguns membros da associação descontentes pediram para se desfiliar. Green diz que, como em outros momentos da história brasileira, classes políticas e econômicas contrárias a Dilma têm orquestrado uma “conciliação” para barrar as investigações da Lava Jato. Encaminhado o impeachment de Dilma, ele diz acreditar que o próximo objetivo do grupo será “pôr Lula na cadeia” para evitar que ele se candidate em 2018. ‘Fim de ciclo’ Para João Augusto de Castro Neves, “os livros vão ver 2016 com o fim da república nova” João Augusto de Castro Neves, diretor de América Latina da consultoria Eurasia em Washington, também diz que a interpretação da votação na Câmara dependerá dos próximos eventos. Neves cita a possibilidade de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condene a chapa Dilma-Temer por irregularidades e invalide a vitória da dupla. Se isso ocorrer, ele diz que “muitos nem lembrarão do impeachment” no futuro. Para ele, se o impeachment se consumar, será o fim de um ciclo iniciado em 1985, quando a ditadura se encerrou e começou um período em que os três maiores partidos brasileiros (PMDB, PSDB e PT) chegaram à Presidência. “Os livros vão ver 2016 como o fim da República Nova”, diz ele, “mas ainda não sei bem como o começo do quê”. “Não acho que para a história vá ficar a questão da pecha do golpe. Certamente haverá uma parcela que acredite nisso, mas acho que será uma minoria, assim como só uma minoria chama o golpe de 1964 de revolução”, diz. Para Matthew Taylor, professor de relações internacionais da American University, “uma das grandes perguntas agora é qual será a ressaca na segunda-feira”. “Não é um golpe, mas ao mesmo tempo será que a justificativa para a remoção é tamanha para justificar uma manobra que foi criada para situações excepcionais?”, questiona. Para Taylor, também não está claro se a crítica à legitimidade do processo permitirá a Dilma reconstruir seu apoio no Senado e barrar o prosseguimento do impeachment. Risco Para Taylor, se a abertura do processo for encarada nos próximos meses como abusiva, os responsáveis poderão ser punidos nas urnas Ele lembra que, se o Senado autorizar a abertura do processo nas próximas semanas, Dilma será afastada até a votação definitiva sobre o impeachment, que pode ocorrer em até seis meses. Nesse período, Temer assumiria a Presidência e poderia negociar com o Congresso para garantir que o desfecho do processo lhe seja favorável. “Isso significa que ela perderia grande parte dos poderes que precisaria para se reconstruir, seja o de atração de partidos aliados, seja o de poderes midiáticos ou a capacidade de usar a presidência como palco.” Para Taylor, se a abertura do processo for encarada nos próximos meses como abusiva, os responsáveis poderão ser punidos nas urnas. “Esse é o grande risco para a oposição.”

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Batalha por impeachment chega ao ‘NYT’: afinal, o que diz o jornal?

Nesta semana, artigos de opinião no jornal americano The New York Timespró e contra o impeachment foram compartilhados nas redes sociais como prova de que um dos periódicos mais influentes do mundo apoiava este ou aquele lado da disputa política no Brasil. Artigos de opinião como estes publicados pelo jornal aumentaram debates nas redes sociais No dia 19 de abril, Carlos Pio, professor da Universidade de Brasília, escreveu um artigo, publicado nas páginas de opinião do jornal, afirmando que o impeachment era “prova de que o processo democrático está funcionando”. Em “O voto do impeachment no Brasil definitivamente não é um golpe”, Pio argumenta que um processo político “é legítimo quando todas as forças o aceitam” e cita a análise do Supremo Tribunal Federal para que o pedido seguisse adiante.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] No mesmo dia, o artigo “Impeachment de Dilma Rousseff não é um golpe, é um acobertamento”, de Celso de Barros, analista do Banco Central, defendia que a real razão do processo seria providenciar uma distração conveniente enquanto outros políticos tentam “manter suas casas em ordem”. “Longe de ser o amanhecer de uma nova era, pode muito bem se tornar o caminho para a velha classe política reafirmar controle sobre o país – e escapar da cadeia”, escreveu Barros. Ambos foram publicados na sessão de opinião – Op-ed, como são conhecidos no jargão jornalístico em inglês, ou seja, a despeito do que alguém tenha dito em sua timeline, não representam a opinião do jornal. A cobertura do jornal americano neste momento é particularmente importante, não apenas como formador de opinião no país mais poderoso do mundo, como também pela viagem de Dilma Rousseff aos Estados Unidos em busca de apoio. Corrupção Como boa parte da imprensa internacional, o The New York Times destacou, em suja cobertura, o envolvimento de políticos brasileiros em escândalos de corrupção. O próprio jornal citou os diferentes processos enfrentados por cerca de dois terços dos deputados, informação posteriormente reproduzida por outros veículos estrangeiros. Em um perfil de Michel Temer, de 21 de abril, por exemplo, o correspondente Simon Romero começa o texto dizendo: “Uma pesquisa recente descobriu que apenas 2 por cento dos brasileiros votariam nele, sob escrutínio após um testemunho ligá-lo a um colossal escândalo de propinas. E a Suprema Corte determinou que o Congresso deve considerar um processo de impeachment contra ele”. Em referências anteriores a Temer, o jornal escreveu que ele não é exatamente um “cavalheiro em armadura brilhante”, mas um político de carreira “quase tão impopular” quanto Dilma. E acrescentou que seu partido, PMDB, está mergulhado num escândalo que não para de crescer. New York Times destacou o envolvimento de políticos brasileiros em escândalos de corrupção O veículo também ironizou a votação do processo na Câmara em reportagem publicada na segunda-feira, dia 18. Segundo a reportagem, os argumentos jurídicos pelas chamadas pedaladas fiscais eram as coisas menos importantes nos discursos dos parlamentares e a sessão poderia ser confundida com um “jogo de futebol” por aqueles que não estivessem familiarizados com o teor “cacofônico” dos políticos brasileiros. No mesmo dia, em reportagem intitulada “Câmara do Brasil vota pelo impeachment de Dilma Rousseff”, a publicação chamou Eduardo Cunha de “força motriz” por trás do processo e informou que o “evangélico que usa sua conta no Twitter para divulgar versos bíblicos” era acusado de ter uma conta na Suíça para receber US$ 40 milhões em propina. Debate jurídico Quanto às razões para o impeachment, o veículo cita frequentemente o grande debate sobre haver ou não de crime de responsabilidade fiscal por parte de Dilma, hipótese que embasa o processo. Reportagem do dia 19 de abril intitulada “Debate sobre impeachment no Brasil depende de questão jurídica espinhosa” afirma que a discussão “se concentra em uma questão crucial: ela cometeu um delito passível de impeachment?”. No mesmo texto, o jornal afirma que a estratégia usada no governo Dilma, de financiar temporariamente o governo com dinheiro de bancos estatais, não é novidade, já que foi aplicada por vários outros políticos, mas “nenhum presidente enfrentou punição por isso até agora”. A mesma visão, de que os crimes de Dilma não são tão graves quanto os dos opositores que desejam seu afastamento, aparece também no editorial “Enfrentando impeachment, Dilma Rousseff luta por sobrevivência política”, de 18 de abril. No texto, o jornal diz que a presidente está sendo culpada pela “crise econômica do país e a sobreposição de investigações sobre corrupção”. “Rousseff e seus aliados vão, sem dúvidas, continuar a salientar que muitos dos legisladores que conduzem o esforço do impeachment são acusados de crimes muito mais sérios do que ela. Esse é um ponto válido.” O New York Times, no entanto, não poupa críticas à gestão da presidente e cita seu envolvimento com a Petrobras como ponto preocupante. “Permanece o fato de que ela presidiu uma era de estagnação econômica. Ela também não pode evitar perguntas sobre corrupção que antecedem sua presidência. Antes de ser eleito, Dilma era chefe do conselho da Petrobras, empresa estatal de petróleo do país, que está no centro de muitas das investigações de corrupção.” O jornal conclui o editorial dizendo que, “para Rousseff sobreviver, terá que apresentar uma visão clara de como vai consertar a economia brasileira e acabar com o tipo de corrupção que se transformou em algo corriqueiro em Brasília. Alcançar isso vai requerer uma liderança mais forte e uma maior clareza de ideias que ela não foi capaz de reunir até agora”.

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Anticomunista e pró-ditadura, autor de impeachment de Vargas vive ‘esquecido’ e recluso

Aos 89 anos, o autor do pedido de impeachment contra o ex-presidente Getúlio Vargas está preso a uma cama e alimenta-se com dificuldade. Não recebe visitas e se comunica muito pouco, alternando momentos de alienação e lucidez, enquanto enfrenta uma batalha contra um câncer terminal. Ex-presidente Getúlio Vargas foi alvo de um impeachment em 1954 Image copyright Jean Manzon  Sem herdeiros, sua única companhia é a da mulher, com quem vive há cerca de duas décadas em um apartamento no bairro do Leme, zona sul do Rio de Janeiro. Wilson Leite Passos em nada lembra a figura explosiva que marcou sua polêmica carreira política. Um dos fundadores da antiga UDN (União Democrática Nacional), ele entrou para a história como autor do primeiro pedido de impedimento aberto contra um presidente brasileiro. O alvo era Getúlio Vargas (1882-1954), acusado de favorecer o jornal Última Horae tentar implantar o que chamavam de “República Sindicalista” no Brasil. Anticomunista confesso, ele se retirou da vida pública em 2012, ano em que o câncer de intestino que descobrira três anos antes atingiu seu pulmão. Além disso, segundo conta sua mulher, acabou debilitado por um quadro de hidrocefalia (inflamação no cérebro), que afetou sua capacidade cognitiva e motora. “Ele fala bem pouco e só se alimenta de comida pastosa. Todos os dias, leio o jornal para ele e assistimos à TV juntos. Tento mantê-lo a par dos desdobramentos do impeachment (da presidente Dilma Rousseff), mas ele já não reage mais a nada”, afirmou a mulher de Leite Passos, Maria Rocha, à BBC Brasil. Uma das figuras mais incendiárias do Legislativo carioca, Passos exerceu oito mandatos não consecutivos como vereador no Rio de Janeiro e um como deputado federal. Sua última legislatura terminou no final de 2008. Tentou se reeleger em 2012, sem sucesso. “Ele já estava bastante doente por causa da metástase do câncer. Hoje, por causa da hidrocefalia, alterna momentos de alienação e lucidez”, acrescenta sua mulher. Primeiro pedido de impeachment Formado em Administração Pública e em Relações Públicas, Leite Passos foi jornalista dos diários Correio da Manhã e A Notícia. Em 1945, teve o primeiro contato com a política, ao envolver-se diretamente na campanha do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência. Quatro anos depois, organizou e presidiu o Movimento Nacional Popular Pró-Eduardo Gomes, que promoveu a segunda candidatura presidencial do militar. Para seu desgosto, Getúlio Vargas foi, no entanto, o grande vitorioso, ao que Leite Passos decidiu entrar com um pedido de impeachment contra o então presidente. Com a Câmara a seu favor, o “pai dos pobres” sobreviveu ao impedimento, mas não à crise política. Pressionado pelos militares após o atentado mal sucedido contra seu arqui-inimigo, Carlos Lacerda, ele suicidou-se em 1954. Em outubro daquele ano, Leite Passos elegeu-se vereador pela primeira vez. Quatro anos depois, foi reeleito. Exerceu o mandato até 1962, quando a Câmara Municipal foi dissolvida com a criação do Estado da Guanabara, por ocasião da mudança para a capital federal, Brasília. Pró-ditadura Wilson Leite Passos ficou conhecido por posições polêmicas, como a negação do Holocausto Apoiador do golpe militar de 31 de março de 1964, que depôs o então presidente João Goulart e extinguiu os partidos políticos, decidiu filiar-se à Aliança Renovadora Nacional (Arena), base de sustentação do governo. Leite Passos criou o Serviço Municipal de Eugenia, que funcionou de 1956 a 1975, oferecendo exames pré-nupciais, pré e pós-natais e orientação psicológica a casais, de forma a obterem “filhos sadios e famílias equilibradas”. Com a redemocratização, ele voltaria a eleger-se vereador por outras seis vezes. O restabelecimento do serviço era, inclusive, uma de suas plataformas eleitorais. O polêmico projeto, conhecido como lei da eugenia, propunha criar privilégios fiscais e educacionais para famílias com pais e filhos sadios, em detrimento daquelas com algum portador de deficiência física ou mental ou com doente incurável. A iniciativa, comparada ao desenvolvimento da raça pura pregado por Adolf Hitler (1889-1945) nunca foi aprovada. “Ele costumava chegar em casa irritado, dizendo que era uma donzela no meio de prostitutas tentando se manter virgem. Sempre foi muito correto”, defende sua esposa. Mas não é o que pensam seus críticos. Servidores antigos da Câmara Municipal contam que Leite Passos tinha “problemas com bebida e costumava assediar funcionárias da limpeza dentro dos elevadores”. À BBC Brasil, a vereadora Teresa Bergher (PSDB) relembrou as disputas que os dois tiveram no Plenário da casa. “Passos era um antissemita declarado e tinha posicionamentos atrasados”, afirma a vereadora. “Quando propus meu projeto de lei para ensinar o Holocausto nas aulas de história da rede municipal de ensino, ele disse que o genocídio dos judeus nunca existiu. Não há dúvida de que era simpatizante do nazismo”, acrescenta. O ex-vereador sempre negou ser nazista ou racista. ‘AntiNelson’ Getúlio Vargas suicidou-se em agosto de 1954 – Image copyright Wikicommons No entanto, Leite Passos vangloriava-se de manter azeitada, “pronta para ser usada”, uma pistola Walther, modelo PP, calibre 7.65, presente de “um oficial nazista que lutou na 2ª Guerra Mundial”. Segundo ele, o revólver teria matado “muito russo, muito comunista”, como disse em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo em 2006. Nos anos 1950, Leite Passos costumava carregá-la à cintura, com medo de ataques de esquerdistas. E foi um episódio envolvendo a pistola que o tornou célebre no final daquela década ─ e pelo qual ganhou o apelido de ‘antiNelson’. Ao fim do terceiro e último ato da estreia da peça Perdoa-me por Me Traíres, escrita e encenada pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, Leite Passos teria sacado a arma e gritado: “É um absurdo ceder o Teatro Municipal para um espetáculo com cenas que ofendem o decoro, a boa linguagem”. O incidente é contado na biografia de Rodrigues, Anjo Pornográfico (Cia. das Letras, 1992), do jornalista Ruy Castro. O ex-vereador, no entanto, sempre negou a história. Dizia que tudo não passou de uma invenção de Rodrigues. Questionada pela BBC Brasil, a esposa de Leite Passos confirma que a arma permanece guardada em casa. “É um objeto de valor sentimental imenso para ele”, diz Maria. Luís Barrucho/BBC

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Politização da infância? Acirramento chega ao playground e preocupa terapeutas

No meio da aula, uma criança desenha a presidente Dilma sendo enforcada, provocando polêmica entre os colegas, deixando a professora confusa e a mãe, em desespero. Image copyright Thinkstock A cena, ocorrida em uma escola de São Paulo, dá a medida de como o clima de acirramento político que vive o país está afetando as crianças e deixando pais e escolas sem saber como agir. O clima de tensão está inclusive deixando as salas de TV, de aula e as ruas e virando assunto de terapia infantil ou entre terapeutas da área. “Tenho consultório há mais de 20 anos, atendendo crianças de todas as idades. E posso afirmar que nunca vi nada parecido. Nunca um mesmo tema permeou as questões de todas as crianças, seja diretamente ou nas brincadeiras”, diz psicanalista Ilana Katz, doutora em Psicologia e Educação pela FE/USP e pesquisadora do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise (LATESFIP/USP).[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] BBC Brasil – Como o clima de acirramento político está afetando as crianças?Em entrevista à BBC Brasil, a especialista fala do clima de ódio e como ele afeta as crianças, sobre as consequências de levá-las a protestos e o que significa vê-las gritar “não vai ter golpe” ou bater panelas na varanda. Ela explica como lidar e conversar com meninos e meninas sobre tolerância em tempos de ódio. Ilana Katz – As crianças são muito porosas e elas certamente estão sendo afetadas por esse clima de ódio. É algo muito impressionante, e perigoso. Minha percepção é a de que estamos ensinando nossas crianças a odiar e a ver o diferente como inimigo. Essa é a cara do nosso tempo. BBC Brasil – É razoável levar criança em protestos? Ilana – É claro que os pais podem convidar os filhos a irem em protestos, desde que a ideia seja transmitir um valor e não puxar isso pelo lado afetivo. Ou seja, é legal querer introduzir um pensamento, mostrar para a criança o que está em jogo, falar da história do país, contar dos avós… Mas não se pode deixar que a criança fique com a ideia de que “se eu for no protesto, meu pai vai me amar mais.” As crianças são muito suscetíveis a isso, precisam dessa aprovação. BBC Brasil – Por quê? Ilana – Elas se submetem a essa condição infantil de ser amada pelo outro. Para serem admiradas, elas repetem o que o pai, a mãe ou o amigo fazem, inclusive odeiam. ‘O convite dos pais tem de ser sempre para o pensar. Vai bater panela, filho? Por quê?’ Image copyright AP BBC Brasil – Seria melhor blindar as crianças desse debate, ainda que parcialmente? Ilana – Fala-se muito em politização da infância. Mas essa é uma expressão ruim, porque ser político é estar na pólis, é participar. E a criança é um acontecimento na cidade, assim como todos nós. E, hoje, não é mais possível blindar as crianças do que acontece em volta delas. BBC Brasil – Antigamente era mais fácil fazer isso? Ilana – É claro que antes se tinha mais controle. Se a mãe dizia ‘não pode ver novela’, a discussão acabava aí. Hoje, quando a mãe sai para trabalhar, a criança vê a novela – ou qualquer outro programa em questão – no YouTube e pronto. Assim, a proibição tem um outro lugar. Um lugar de onde é mais fácil de se fugir. BBC Brasil – E qual a sua reação ao ver uma criança xingando figuras políticas, algo que temos visto ultimamente? Ilana – Para mim, isso é o horror. E onde já se viu uma criança brigar com outra por questões políticas? Vemos que elas usam termos que não usaria normalmente, ou seja, mal sabe o que está dizendo. BBC Brasil – Então elas estão apenas repetindo os pais ou os amigos? Ilana – As crianças vão conosco nas nossas escolhas. Elas não falam por si em termos de conteúdo – não dá para esperar que elas saibam o que estão dizendo em um momento tão complicado. Mas elas falam por si quando vemos a posição delas. E a posição de muitas é a do ódio. E é como estávamos falando, odeiam porque o pai odeia, xingam porque a mãe xinga. BBC Brasil – Mas muitos pais acham importante mostrar suas convicções nesse momento. Qual a melhor maneira de se fazer isso? Ilana – Em qualquer tipo de cenário, é preciso lembrar que há uma diferença fundamental entre a experiência reflexiva e a postura de se transmitir o ódio. Uma coisa é falar das minhas lutas para os meus filhos, é eles me verem triste ou irritada quando há uma notícia negativa nesse sentido. Outra coisa completamente diferente é transmitir a intolerância ao que é diferente. É me ver xingando alguém que pensa diferente dessa minha convicção. Image copyright Thinkstock BBC Brasil – Vemos muitas crianças estressadas por esse clima de acirramento. Dizer para um filho que essa discussão não é para a idade dele ou que ele não precisa se posicionar é válido para aliviar essa tensão? Ilana – Seria razoável inclusive para um adulto dizer que ele não precisa se posicionar, embora nesse momento seja complicado, mesmo que você tente. Mas as crianças precisam ter isso claro, sim. Elas devem saber que podem ter essa dúvida. Porque é justamente essa condição de dúvida que dá lugar para a opinião do outro. Precisamos dizer para as crianças que ela não precisa concordar com a mãe e o pai ou que ela pode achar legal só uma parte do que o professor ou o amigo falou. Evidente que os pais podem dar limites e não explicar determinado assunto, mas cada vez isso vai ter menos efeito. Isso precisa vir junto com uma experiência que seja ao mesmo tempo de afeto e de reflexão. BBC Brasil – Está faltando isso? Exemplo? Ilana – As crianças são mais suscetíveis ao que a gente transmite do que ao que a gente explica. Dizer que tem de respeitar e depois mandar alguém calar

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