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Sobre ideologia e inferno existencial

A cegueira ideológica – malevolamente e idiotizada aqui nesse espaços por elementos que se supõe detentores de capacidade cognitiva elementar – reduz a capacidade de pensar a estrume de ameba, mas passo a considera que o inferno ideológico é uma prisão miserabilíssima, toda cheia do fogo do ódio aos que lhes são contrários. Nesse fogo estão submergidos os réprobos, tendo um abismo de fogo em cima de si, um abismo ao redor de si e um abismo abaixo de si. Fogo há nos olhos, fogo na boca, fogo por todos os lados. “Eu não sou um exemplo do que é viver neste mundo. Sou um privilegiado. Mas não posso estar contente. O mundo é o inferno. Não vale a pena ameaçarem-nos com outro inferno porque já estamos nele. A questão é saber como é que saímos dele“ José Saramago. Pintura: Hironymus Bosch, 1483 – Anjo Levando Alma para o Inferno – Óleo sobre painel de madeira.

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O discurso do ódio que está envenenando o Brasil

O discurso do ódio que está envenenando o Brasil A caça às bruxas de grupos radicais contra artistas, professores, feministas e jornalistas se estende pelo país. Mas as pesquisas dizem que os brasileiros não são mais conservadores Artistas e feministas fomentam a pedofilia. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o bilionário norte-americano George Soros patrocinam o comunismo. As escolas públicas, a universidade e a maioria dos meios de comunicação estão dominados por uma “patrulha ideológica” de inspiração bolivariana. Até o nazismo foi invenção da esquerda. Bem-vindos ao Brasil, segunda década do século XXI, um país onde um candidato a presidente que faz com que Donald Trump até pareça moderado tem 20% das intenções de voto.   No Brasil de hoje mensagens assim martelam diariamente as redes sociais e mobilizam exaltados como os que tentaram agredir em São Paulo a filósofa feminista Judith Butler, ao grito de “queimem a bruxa”. Neste país sacudido pela corrupção e a crise política, que começa a sair da depressão econômica, é perfeitamente possível que a polícia se apresente em um museu para apreender uma obra. Ou que o curador de uma exposição espere a chegada da PF para conduzi-lo a depor forçado ante uma comissão parlamentar que investiga os maus-tratos à infância. “Isto era impensável até três anos atrás. Nem na ditadura aconteceu isto.” Depois de uma vida dedicada a organizar exposições artísticas, Gaudêncio Fidelis, de 53 anos, se viu estigmatizado quase como um delinquente. Seu crime foi organizar em Porto Alegre a exposição QueerMuseu, na qual artistas conhecidos apresentaram obras que convidavam à reflexão sobre o sexo. Nas redes sociais se organizou tal alvoroço durante dias, com o argumento de que era uma apologia à pedofilia e à zoofilia, que o patrocinador, o Banco Santander, ante a ameaça de um boicote de clientes, decidiu fechá-la. “Não conheço outro caso no mundo de uma exposição destas dimensões que tenha sido encerrada”, diz Fidelis. O calvário do curador da QueerMuseu não terminou com a suspensão da mostra. O senador Magno Malta (PR-ES), pastor evangélico conhecido por suas reações espalhafatosas e posições extremistas, decidiu convocá-lo para depor na CPI que investiga os abusos contra criança. Gaudêncio se recusou em um primeiro momento e entrou com um pedido de habeas corpus no STF que foi parcialmente deferido. Magno Malta emitiu então à Polícia Federal um mandado de condução coercitiva do curador. Gaudêncio se mostrou disposto a comparecer, embora entendesse que, mais que como testemunha, pretendiam levá-lo ao Senado como investigado. Ao mesmo tempo, entrou com um novo pedido de habeas corpus no Supremo para frear o mandado de conduçãocoercitiva. A solicitação foi indeferida na sexta-feira passada pelo ministro Alexandre de Moraes. Portanto, a qualquer momento Gaudêncio espera a chegada da PF para levá-lo à força para Brasília. “O senador Magno Malta recorre a expedientes típicos de terrorismo de Estado como meio de continuar criminalizando a produção artística e os artistas”, denuncia o curador. Ele também tem palavras muito duras para Alexandre de Moraes, até há alguns meses ministro da Justiça do Governo Michel Temer, por lhe negar o último pedido de habeas corpus: “A decisão do ministro consolida mais um ato autoritário de um estado de exceção que estamos vivendo e deve ser vista como um sinal de extrema gravidade”. Fidelis lembra que o próprio Ministério Público de Porto Alegre certificou que a exposição não continha nenhum elemento que incitasse à pedofilia e que até recomendou sua reabertura. Entre as pessoas chamadas à CPI do Senado também estão o diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo e o artista que protagonizou ali uma performance em que aparecia nu. Foi dias depois do fechamento do QueerMuseu e os grupos ultraconservadores voltaram a organizar um escândalo nas redes, difundindo as imagens de uma menina, que estava entre o público com sua mãe e que tocou no pé do artista. “Pedofilia”, bramaram de novo. O Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito e o próprio prefeito da cidade, João Doria (PSDB), se uniu às vozes escandalizadas. Se não há nenhum fato da atualidade que justifique esse tipo de campanha, os guardiões da moral remontam a muitos anos atrás. Assim aconteceu com Caetano Veloso, de quem se desenterrou um velho episódio para recordar que havia começado um relacionamento com a que depois foi sua esposa, Paula Lavigne, quando ela ainda era menor de idade. “#CaetanoPedofilo” se tornou trending topic. Mas neste caso a Justiça amparou o músico baiano e ordenou que parassem com os ataques. A atividade de grupos radicais evangélicos e de sua poderosa bancada parlamentar (198 deputados e 4 senadores, segundo o registro do próprio Congresso) para desencadear esse tipo de campanha já vem de muito tempo. São provavelmente os mesmos que fizeram pichações recentes no Rio de Janeiro com o slogan “Bíblia sim, Constituição, não”. Mas o verdadeiramente novo é o aparecimento de um “conservadorismo laico”, como o define Pablo Ortellado, filósofo e professor de Gestão de Políticas Públicas da USP. Porque os principais instigadores da campanha contra o Queermuseu não tinham nada a ver com a religião. O protagonismo, como em muitos outros casos, foi assumido por aquele grupo na faixa dos 20 anos que há um ano, durante as maciças mobilizações para pedir a destituição da presidenta Dilma Rousseff, conseguiu deslumbrar boa parte do país. Com sua desenvoltura juvenil e seu ar pop, os rapazes do Movimento Brasil Livre(MBL) pareciam representar a cara de um país novo que rejeitava a corrupção e defendia o liberalismo econômico. Da noite para o dia se transformaram em figuras nacionais. Em pouco mais de um ano seu rosto mudou por completo. O que se apresentava como um movimento de regeneração democrática é agora um potente maquinário que explora sua habilidade nas redes para difundir campanhas contra artistas, hostilizar jornalistas e professores apontados como de extrema esquerda ou defender a venda de armas. No intervalo de poucos dias o MBL busca um alvo novo e o repisa sem parar. O mais recente é o jornalista Guga Chacra, da TV Globo, agora também  classificada de “extrema esquerda”. O repórter é vítima de uma campanha por se atrever a desqualificar -em termos muito parecidos aos empregados pela maioria dos meios de comunicação de todo o mundo-, 20.000 ultradireitistas poloneses que há alguns dias

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‘El País’: A esquerda brasileira está perdendo os novos pobres

Artigo de Juan Arias diz que grande massa começa a se refugiar na extrema direita. O jornal espanhol El país publicou nesta terça-feira (10) um editorial onde aponta que começa a haver um consenso sobre a crise da esquerda contemporânea e o seu abandono pelos mais marginalizados, entre eles os trabalhadores não qualificados, os desempregados, os jovens desencantados e os imigrantes.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”] Eles são o mundo da nova pobreza. O resultado é duplamente dramático, porque a massa dos novos deserdados começa a se refugiar na extrema direita, que roubou da esquerda o discurso anticapitalista. Está ocorrendo na democrática Europa, e existe o perigo de que ocorra também aqui no Brasil. Juan Arias comenta em seu artigo que no espaço de alguns dias, vários intelectuais se manifestaram em concordância com tal análise. Em texto para El País, Víctor Lapuente, doutor em Ciências Políticas da Universidade de Oxford alertou sobre o risco de que a esquerda contemporânea “deixe de ser vista como representante da sociedade em seu conjunto”. E nesse conjunto da sociedade vivem, por exemplo, a grande massa dos trabalhadores desqualificados, os últimos na escala da pirâmide social e os milhões que procuram trabalho. Todos eles esquecidos pelos grandes sindicatos. O editorial de Arias destaca que o problema da esquerda brasileira, começando pelo PT, que constituía sua espinha dorsal, é, de fato, que acabou se aristocratizando, transformando-se no refúgio da classe média alta, dos artistas e intelectuais. Os sindicatos se burocratizaram e se comprometeram mais com as categorias ricas, como os banqueiros, do que com o exército dos milhões de trabalhadores marginalizados. Deixaram para trás valores como os do mérito e a economia, cuja bandeira hoje é empunhada pela direita.

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Politização da infância? Acirramento chega ao playground e preocupa terapeutas

No meio da aula, uma criança desenha a presidente Dilma sendo enforcada, provocando polêmica entre os colegas, deixando a professora confusa e a mãe, em desespero. Image copyright Thinkstock A cena, ocorrida em uma escola de São Paulo, dá a medida de como o clima de acirramento político que vive o país está afetando as crianças e deixando pais e escolas sem saber como agir. O clima de tensão está inclusive deixando as salas de TV, de aula e as ruas e virando assunto de terapia infantil ou entre terapeutas da área. “Tenho consultório há mais de 20 anos, atendendo crianças de todas as idades. E posso afirmar que nunca vi nada parecido. Nunca um mesmo tema permeou as questões de todas as crianças, seja diretamente ou nas brincadeiras”, diz psicanalista Ilana Katz, doutora em Psicologia e Educação pela FE/USP e pesquisadora do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise (LATESFIP/USP).[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] BBC Brasil – Como o clima de acirramento político está afetando as crianças?Em entrevista à BBC Brasil, a especialista fala do clima de ódio e como ele afeta as crianças, sobre as consequências de levá-las a protestos e o que significa vê-las gritar “não vai ter golpe” ou bater panelas na varanda. Ela explica como lidar e conversar com meninos e meninas sobre tolerância em tempos de ódio. Ilana Katz – As crianças são muito porosas e elas certamente estão sendo afetadas por esse clima de ódio. É algo muito impressionante, e perigoso. Minha percepção é a de que estamos ensinando nossas crianças a odiar e a ver o diferente como inimigo. Essa é a cara do nosso tempo. BBC Brasil – É razoável levar criança em protestos? Ilana – É claro que os pais podem convidar os filhos a irem em protestos, desde que a ideia seja transmitir um valor e não puxar isso pelo lado afetivo. Ou seja, é legal querer introduzir um pensamento, mostrar para a criança o que está em jogo, falar da história do país, contar dos avós… Mas não se pode deixar que a criança fique com a ideia de que “se eu for no protesto, meu pai vai me amar mais.” As crianças são muito suscetíveis a isso, precisam dessa aprovação. BBC Brasil – Por quê? Ilana – Elas se submetem a essa condição infantil de ser amada pelo outro. Para serem admiradas, elas repetem o que o pai, a mãe ou o amigo fazem, inclusive odeiam. ‘O convite dos pais tem de ser sempre para o pensar. Vai bater panela, filho? Por quê?’ Image copyright AP BBC Brasil – Seria melhor blindar as crianças desse debate, ainda que parcialmente? Ilana – Fala-se muito em politização da infância. Mas essa é uma expressão ruim, porque ser político é estar na pólis, é participar. E a criança é um acontecimento na cidade, assim como todos nós. E, hoje, não é mais possível blindar as crianças do que acontece em volta delas. BBC Brasil – Antigamente era mais fácil fazer isso? Ilana – É claro que antes se tinha mais controle. Se a mãe dizia ‘não pode ver novela’, a discussão acabava aí. Hoje, quando a mãe sai para trabalhar, a criança vê a novela – ou qualquer outro programa em questão – no YouTube e pronto. Assim, a proibição tem um outro lugar. Um lugar de onde é mais fácil de se fugir. BBC Brasil – E qual a sua reação ao ver uma criança xingando figuras políticas, algo que temos visto ultimamente? Ilana – Para mim, isso é o horror. E onde já se viu uma criança brigar com outra por questões políticas? Vemos que elas usam termos que não usaria normalmente, ou seja, mal sabe o que está dizendo. BBC Brasil – Então elas estão apenas repetindo os pais ou os amigos? Ilana – As crianças vão conosco nas nossas escolhas. Elas não falam por si em termos de conteúdo – não dá para esperar que elas saibam o que estão dizendo em um momento tão complicado. Mas elas falam por si quando vemos a posição delas. E a posição de muitas é a do ódio. E é como estávamos falando, odeiam porque o pai odeia, xingam porque a mãe xinga. BBC Brasil – Mas muitos pais acham importante mostrar suas convicções nesse momento. Qual a melhor maneira de se fazer isso? Ilana – Em qualquer tipo de cenário, é preciso lembrar que há uma diferença fundamental entre a experiência reflexiva e a postura de se transmitir o ódio. Uma coisa é falar das minhas lutas para os meus filhos, é eles me verem triste ou irritada quando há uma notícia negativa nesse sentido. Outra coisa completamente diferente é transmitir a intolerância ao que é diferente. É me ver xingando alguém que pensa diferente dessa minha convicção. Image copyright Thinkstock BBC Brasil – Vemos muitas crianças estressadas por esse clima de acirramento. Dizer para um filho que essa discussão não é para a idade dele ou que ele não precisa se posicionar é válido para aliviar essa tensão? Ilana – Seria razoável inclusive para um adulto dizer que ele não precisa se posicionar, embora nesse momento seja complicado, mesmo que você tente. Mas as crianças precisam ter isso claro, sim. Elas devem saber que podem ter essa dúvida. Porque é justamente essa condição de dúvida que dá lugar para a opinião do outro. Precisamos dizer para as crianças que ela não precisa concordar com a mãe e o pai ou que ela pode achar legal só uma parte do que o professor ou o amigo falou. Evidente que os pais podem dar limites e não explicar determinado assunto, mas cada vez isso vai ter menos efeito. Isso precisa vir junto com uma experiência que seja ao mesmo tempo de afeto e de reflexão. BBC Brasil – Está faltando isso? Exemplo? Ilana – As crianças são mais suscetíveis ao que a gente transmite do que ao que a gente explica. Dizer que tem de respeitar e depois mandar alguém calar

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O que o ressurgimento do fascismo pode nos ensinar

Pensamos que ele tinha desaparecido de vez. Foi um engano. Eis aqui por que. Veja um pequeno exercício de reflexão. Por Umair Haque¹ Publicado originalmente no site Bad Words, integrante da plataforma Medium. Se no natal passado eu lhe tivesse dito que o principal candidato a presidente do país mais poderoso do mundo tivesse dito, abertamente, que concordava com a venda de armas, com campos de concentração, com proibições extrajudiciais e com direitos de sangue, a menos que você fosse um sócio atuante da Internacional dos Teóricos da Conspiração, você provavelmente teria dado uma gargalhada na minha cara. E, no entanto… Aqui estamos nós, precisamente nessa realidade. E não se trata apenas de Donald Trump. O espectro mais tenebroso da política global, aquele que pensávamos ter sido exorcizado, de alguma maneira foi convocado e renasceu: é o ressurgimento do fascismo. Aquilo que chamarei, nesta pequena série de ensaios, de novo fascismo é um fenômeno global.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Marine Le Pen, a mais extremista dos políticos que contestam as lideranças nacionais desde Hitler… triunfou, com um terço dos votos, no primeiro turno das eleições de dezembro na França [1]. O mundo procura equilibrar-se à beira do precipício de uma Era das Trevas do Novo Fascismo – que se levanta, como um cérebro, da Escandinávia à Europa e da Turquia à Austrália. Acredito que o Novo Fascismo, em sua individualidade, é o acontecimento político mais importante de nossas vidas. Trata-se de um momento crítico para a sociedade global – um momento decisivo. E, como todo momento decisivo, é um teste. Um teste que avalia o melhor de nós: se as sociedades civilizadas podem, de fato, continuar civilizadas, no sentido mais essencial dessa expressão – ou se corremos o risco de mergulhar, outra vez, numa era de guerra mundial e genocídio. Isso lhe parece um exagero? Então, torne a ler o primeiro parágrafo deste ensaio e pergunte a si próprio se esperava que um possível presidente norte-americano defendesse campos de concentração… apenas um ano atrás. A primeira coisa que você precisa aprender sobre a ascensão do fascismo é que ele desafia suas expectativas de um mundo sensato. Ninguém espera – como na famosa frase do Monty Python – a Inquisição Espanhola. Um produto de uma inconveniência econômica Por conseguinte, eu irei discutir o Novo Fascismo nesta série de ensaios. No primeiro ensaio, explicarei sua ascensão; no segundo, a sua dinâmica: por que cresce tão rapidamente, pegando todo mundo de surpresa; no terceiro, discutirei como combatê-lo – se, na verdade, for possível combatê-lo. Então, como ele surgiu? Minha explicação é simples – mas exigirá que você faça uma reflexão cuidadosa. Irei argumentar que o fascismo é um produto do extremismo – tanto de esquerda quanto de direita. Que o extremismo acabou com o centro – o que criou um vácuo no qual nasceram os Novos Fascistas, que combinam os piores elementos da esquerda e da direita. Para começar, deixem-me dar uma ideia geral das quatro etapas pelas quais o fascismo cresce. Meu ensaio está incompleto e é simplificado em excesso, com certeza. Não pretendo escrever uma história definitiva do fascismo: simplesmente apresentar um retrato cru que possa ser usado para compreendermos em que etapa estamos. Eis aqui a etapa incipiente do fascismo: vamos chamá-la estagnação. O fascismo é sempre um produto de uma inconveniência econômica. A inconveniência cria uma sensação ardente de injustiça. O bolo da riqueza encolhe, desmorona e se deteriora. As sociedades começam a disputar a quem pertencem as fatias, que vão ficando cada vez mais finas, cada vez mais emboloradas. Seres existencialmente inferiores E aqui vem a segunda etapa do fascismo: vamos chamá-la demagogia. Surge uma briga entre os líderes no sentido de fazer alguma coisa em relação ao problema da estagnação. Tanto a esquerda quanto a direita vão ficando mais extremadas. E aí acaba o centro. O vácuo que o centro ocupava dá espaço para um tipo de político inteiramente novo – um tipo de político que normalmente era freado pela esquerda em sua luta contra a direita, mas agora livre para combinar o que há de pior na esquerda e na direita. Logo aparece um demagogo, que grita: o bolo pertence ao povo – e só ao povo! Ele sintetiza o que há de pior, tanto na esquerda quanto na direita. É um socialista, mas só para as pessoas certas. Mas também é um nacionalista e não reivindica apenas domínio e recursos, como terra: ele reivindica a superioridade, pelo sangue ou por deus, de um povo, para além dos recursos. Daí a expressão, paradoxal, “nacional socialismo”. A perigosa apelação do demagogo é a seguinte: ele localiza a fonte de estagnação naqueles que não têm pertencimento, que são inferiores – não apenas moral, mas existencialmente – e os aponta com o dedo, aponta o veneno dentro da sociedade. É muito mais fácil acreditar que a sociedade está sendo envenenada por um conjunto de pessoas corruptas que não pertencem a ela, do que acreditar que o contrato social acabou e deve voltar a ser escrito – e assim se abre o caminho do demagogo para o poder. E chegamos ao terceiro estágio do fascismo: a tirania. Mas quem é “o povo”? Quem é, de fato, inferior e quem é superior? Quem merece os frutos do nacional socialismo – o direito a consumir fatias do bolo que encolhe, que é do que trata toda esta ideologia? E aí vem à tona a noção de volk: os verdadeiros moradores da terra, os herdeiros do destino, o direito de nascer, a superioridade. E como os definiríamos? Afinal, essa é uma pergunta traiçoeira, que não admite certezas óbvias. Você merece os recursos da Nação-Sociedade simplesmente por ter nascido ali? Ou porque você viveu ali? Ou seria porque seus avós já nasceram ali? É justamente a essas perguntas que a Nação-Sociedade, Na-Zi, começa a dedicar seus recursos. Imensas burocracias são organizadas, trilhas de papel são criadas, investigações são realizadas. E aqui chegamos à última etapa: a autodestruição. Busca-se saber quem é um

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