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Humberto Eco e a biblioteca

O que Umberto Eco, dono de 50.000 livros, tinha a dizer sobre ter uma biblioteca em casa? “É tolice pensar que tem de ler todos os livros que compra, pois é tolice criticar aqueles que compram mais livros do que alguma vez conseguiram ler. Seria como dizer que deve usar todos os talheres ou óculos ou chaves de fenda ou brocas que comprou antes de comprar novos. “Tem coisas na vida que precisamos ter sempre abundância, mesmo que usemos apenas uma pequena porção. “Se, por exemplo, consideramos os livros como medicamentos, entendemos que é bom ter muitos em casa em vez de alguns: quando se quer sentir melhor, então vai ao ‘armário dos remédios’ e escolhe um livro. Não um aleatório, mas o livro certo para aquele momento. É por isso que você deve ter sempre uma escolha nutricional! “Quem compra apenas um livro, leia apenas esse e depois se livra dele. Eles simplesmente aplicam a mentalidade do consumidor aos livros, isto é, consideram-nos um produto de consumo, um bem. Quem ama livros sabe que um livro é tudo menos uma mercadoria.”

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Um ano sem Humberto Eco

Diversas homenagens lembram 1 ano da morte de Umberto Eco. Escritor italiano faleceu no dia 19 de fevereiro de 2016 A morte de um dos maiores escritores italianos, Umberto Eco, completará 1 ano hoje,19. No entanto, o criador da obra “O nome da Rosa” ainda continua muito presente na Itália. Eco faleceu no dia 19 de fevereiro do ano passado em sua própria residência em Milão. Em celebração ao aniversário de sua morte, diversas homenagens estão sendo realizadas no país. A emissora de TV “Rai” vai exibir um documentário sobre o intelectual, que contará com a participação do jornalista e historiador italiano Paolo Mieli. Nas livrarias, várias obras novas estão sendo lançados sobre o escritor italiano, inclusive seu último livro “Pape Satan Aleppe”, publicado pela editora “I Delfini”. Além disso, personalidades estão relembrando os bons momentos que compartilharam com Eco. O editor Mario Andreose conta sua longa relação – mais de 35 anos de amizade – que manteve com Eco. “Sua severidade e rigor tinham a capacidade de quebrar barreiras e explorar coisas novas”.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”] “Umberto havia compreendido que estava chegando a multimidialidade através das telas. Ele foi o primeiro a perceber”, afirmou Danco Siger, especialista em meios de comunicação e criador, junto com Eco, do Festival da Comunicação e da Enciclomedia, uma enciclopédia multimídia. Tulio Pericoli, artista e cartunista italiano, durante anos desenhou o rosto de Eco. “Em uma ocasião, Eco me enviou uma carta comentando sobre um desenho que eu havia feito sobre ele”, disse. “No texto, Eco me agradeceu pelo retrato e contou que jamais havia poderia fazer algo tão semelhante com sua escrita. O máximo que poderia fazer era ter um valor de antiguidade, mas somente depois de alguns séculos, depois do Apocalipse”, ressaltou Pericoli. Já Paolo Fabbri, semiólogo e um dos grandes amigos de Eco, lembrou que o italiano “escreveu romances e muitos termos de enciclopédia sobre conceitos que são fundamentais. Ele era capaz de qualquer coisa”, ressaltou. Eco nasceu em Alessandria, no Piemonte, em 5 de janeiro de 1932, e entre os seus maiores sucessos literários estão “O nome da rosa”, de 1980, e “O pêndulo de Foucault”, de 1988. Sua última obra, “Número zero”, foi publicada no ano passado e fala sobre a redação imaginária de um jornal, com fortes referências à história política, jornalística e judiciária da Itália. Antes de morrer, Eco recebeu o título de doutor honoris causa em comunicação e cultura na Universidade de Turim. Ele havia feito duras críticas às redes sociais, dizendo que elas deram o direito à palavra a uma “legião de imbecis”.

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Um prato apetitoso para a boataria e os imbecis

Os delírios dos personagens de Umberto Eco em “Número zero” só comprovam o valor da imprensa profissional – em tempos de Mãos Limpas ou de Lava Jato O juiz Sergio Moro não esconde sua admiração pela Operação Mãos Limpas, dos anos 1990. Em 2004, ele publicou um artigo vangloriando a “cruzada judiciária contra a corrupção política e administrativa” vivida na Itália. Tudo começou em fevereiro de 1992, com um caso banal: a prisão de Mario Chiesa, diretor de um asilo filantrópico de Milão, o Pio Alberto Trivulzio, flagrado com propina recebida de uma companhia de limpeza que, com a aproximação da polícia, tentou sem sucesso despachar pelo vaso sanitário – daí o nome Mãos Limpas. Puxando o fio dessa meada, a ação de juízes, procuradores e policiais levou à investigação de mais de 6 mil pessoas, entre elas 872 empresários e 438 parlamentares, ao redesenho dos partidos na Itália e à queda do então primeiro-ministro, Bettino Craxi, depois exilado na Tunísia. A Mãos Limpas inspirou Moro em toda a arquitetura da Operação Lava Jato – o início banal num posto de gasolina, as confissões de delatores (caso do próprio Chiesa), a prisão de empresários e políticos famosos e o uso do noticiário para exercer a pressão política necessária para desbaratar o esquema. Na época, a sensação de lama sem fim na Itália era muito parecida à que vivemos hoje no Brasil, com a enésima fase da Lava Jato, a Politeia. Lá também ninguém sabia como aquilo acabaria.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] “Já se sabe que havia muita podridão nos partidos, e que todos embolsavam propinas, é preciso dar a entender que, se nós quiséssemos, poderíamos desencadear uma campanha contra os partidos. Seria preciso pensar num partido de honestos, um partido de cidadãos capazes de falar de uma política diferente.” É com essas palavras, descrição digna da Politeia de Platão, que o diretor abre uma reunião na redação de um novo jornal, o Amanhã, em Número zero, último romance do italiano Umberto Eco. Na Milão de 1992, enquanto eclode a Mãos Limpas, Simei, o diretor, é contratado pelo Comendador Vimercate, um rico empresário, para montar, em vez de um jornal, uma máquina de achaque e chantagem cujo objetivo não é chegar às bancas – mas lhe permitir exercer influência e poder perante a elite italiana a que quer pertencer. Simei chama para ser seu redator-chefe um tradutor e intelectual fracassado, Colonna, o narrador do romance. A missão secreta de Colonna é escrever um relato fantasioso que possa ser publicado ao final da empreitada, para salvar a reputação de Simei – retratado como um jornalista heroico e destemido, não um manipulador pusilânime. A partir daí, Eco, um mestre da ironia, apresenta ao leitor algo como “as 247 lições do pseudojornalismo” praticado por Simei. Invenção de notícias. Distorção de desmentidos. Anúncios fúnebres fraudados. Classificados pessoais fantasiosos. Desprezo por novidades, como os celulares. Fofocas sobre temas irrelevantes, como celebridades ou ordens medievais. Corte de reportagens que ofendem os interesses do comendador. E, naturalmente, a fabricação de dossiês que possam ser usados para chantagear seus inimigos. A redação fica às voltas com o número zero do título, uma edição fictícia para um único leitor – o comendador. Nela, Simei coloca apenas notícias cujos desdobramentos já conhece de antemão. Seu Amanhã, na verdade, foi ontem. O jornal é sacudido por outro ingrediente comum nas obras de Eco: as teorias da conspiração. Um dos jornalistas, com o sugestivo nome Braggadocio (fanfarronice), diz a Colonna estar prestes a obter provas de que Mussolini não fora morto no final da Segunda Guerra Mundial. Braggadocio passa então a narrar uma história rocambolesca que conecta milícias terroristas de extrema-direita, um golpe de Estado fracassado no final dos anos 1960, a loja maçônica P2, a CIA, a morte e o atentado contra dois papas e outros eventos históricos – até os escândalos de 1992. É uma viagem em que “tudo se liga”, como nos bons filmes de espionagem. As consequências do delírio de Braggadocio são terríveis para ele próprio e para o Amanhã. Na época retratada por Eco, não havia internet nem redes sociais. Hoje, o mundo é um prato apetitoso para os êmulos de Simei. Nas palavras do próprio Eco, há esse “reino dos imbecis”, onde qualquer um pode publicar o que quiser, sem necessidade de provar nada nem medir consequências, terreno fértil para boatos e teorias da conspiração. A maior de suas ironias é usar um pseudojornal onde tudo funciona como não deve, para mostrar aonde isso leva. “Nada mais pode nos perturbar neste país”, diz uma personagem a certa altura. “Sempre fomos um povo de punhais e veneno. Estamos vacinados, seja qual for a história nova que nos contem, vamos dizer que já ouvimos coisa pior, e que talvez essa e as outras sejam falsas.” Mas é justamente lá onde brota o “talvez” que a verdade se faz necessária. Os delírios de Braggadocio ou a canalhice de Simei só comprovam o valor da imprensa profissional – em tempos de Mãos Limpas ou de Lava Jato. HELIO GUROVITZ/G1

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