Arquivo

Fernando Pessoa – Poesia – 22/11/24

Boa noite Cansaço Álvaro de Campos (Fernando Pessoa). O que há em mim é sobretudo cansaço — Não disto nem daquilo, Nem sequer de tudo ou de nada: Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço. A subtileza das sensações inúteis, As paixões violentas por coisa nenhuma, Os amores intensos por o suposto em alguém, Essas coisas todas — Essas e o que falta nelas eternamente Tudo isso faz um cansaço, Este cansaço, Cansaço. Há sem dúvida quem ame o infinito, Há sem dúvida quem deseje o impossível, Há sem dúvida quem não queira nada — Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: Porque eu amo infinitamente o finito, Porque eu desejo impossivelmente o possível, Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, Ou até se não puder ser… E o resultado? Para eles a vida vivida ou sonhada, Para eles o sonho sonhado ou vivido, Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto… Para mim só um grande, um profundo, E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, Um supremíssimo cansaço, Íssimno, íssimo, íssimo, Cansaço…

Leia mais »

Fernando Pessoa – Alberto Caeiro – Poesia – 11/10/24

Boa noite. Aí,Margarida Fernando Pessoa/Alberto Caeiro Ai, Margarida, Se eu te desse a minha vida, Que farias tu com ela? — Tirava os brincos do prego, Casava c’um homem cego E ia morar para a Estrela. Mas, Margarida, Se eu te desse a minha vida, Que diria tua mãe? — (Ela conhece-me a fundo.) Que há muito parvo no mundo, E que eras parvo também. E, Margarida, Se eu te desse a minha vida No sentido de morrer? — Eu iria ao teu enterro, Mas achava que era um erro Querer amar sem viver. Mas, Margarida, Se este dar-te a minha vida Não fosse senão poesia? — Então, filho, nada feito. Fica tudo sem efeito. Nesta casa não se fia.

Leia mais »

Fernando Pessoa – Poesia – 27/05/24

Boa noite Ode marítima Álvaro de Campos/Fernando Pessoa Sim, dum cais, dum cais dalgum modo material, Real, visível como cais, cais realmente, O Cais Absoluto por cujo modelo inconscientemente imitado, Insensivelmente evocado, Nós os homens construímos Os nossos cais nos nossos portos, Os nossos cais de pedra actual sobre água verdadeira, Que depois de construídos se anunciam de repente Coisas-Reais, Espíritos-Coisas, Entidades em Pedra-Almas, A certos momentos nossos de sentimento-raiz Quando no mundo-exterior como que se abre uma porta E, sem que nada se altere, Tudo se revela diverso.

Leia mais »

Fernando Pessoa – Álvaro de Campos – Poesia – 07/03/24

Boa noite Viver é desencontrar-se Álvaro de Campos/Fernando Pessoa Viver é desencontrar-se consigo mesmo. No fim de tudo, se tiver sono, dormirei. Mas gostava de te encontrar e que falássemos. Estou certo que simpatizaríamos um com o outro. Mas se não nos encontrarmos, guardarei o momento Em que pensei que nos poderíamos encontrar. Guardo tudo.

Leia mais »

O humor de Fernando Pessoa

O humor de Fernando Pessoa e o amor por uma bebidinha! Um dia, o poeta Fernando Pessoa foi flagrado por um fotógrafo de rua (conhecido como lambe-lambe) bebendo em um bar algum de seus drinks favoritos: cerveja, vinho ou aguardente. Quando recebeu a imagem, com muito bom humor, Pessoa enviou-a a sua namorada Ofélia Queirós com uma dedicatória curiosa: Fernando Pessoa em “Flagrante Delitro”. O trocadilho do poeta, trocando o “flagrante delito” por “flagrante delitro” se tornou um termo que passou a ser muito usado sempre que se pega alguém bebendo em algum lugar.

Leia mais »

Fernando Pessoa – Poesia – 13/11/23

Boa noite Estou cansado da inteligência Álvaro de Campos/Fernando Pessoa¹ Estou cansado da inteligência. Pensar faz mal às emoções. Uma grande reacção aparece. Chora-se de repente, e todas as tias mortas fazem chá de novo Na casa antiga da quinta velha. Pára, meu coração! Sossega, minha esperança fictícia! Quem me dera nunca ter sido senão o menino que fui… Meu sono bom porque tinha simplesmente sono e não ideias que esquecer! Meu horizonte de quintal e praia! Meu fim antes do princípio! Estou cansado da inteligência. Se ao menos com ela se apercebesse qualquer coisa! Mas só percebo um cansaço no fundo, como baixam na taça Aquelas coisas que o vinho tem e amodorram o vinho. ¹ Fernando Antonio Nogueira Pessoa * Lisboa, Portugal – 13 de Junho de 1888 + Lisboa, Portugal – 30 de Novembro de 1935

Leia mais »