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Fabrício Carpinejar – Versos na tarde – 28/12/2015

Meu Filho, Minha Filha Fabrício Carpinejar¹ Não chama nenhum dos meus filhos de meio-irmão. Que metade é essa apartada de sua inteireza? Qual é o complemento que falta para que o sangue seja legítimo? Será bastarda a perna esquerda ou a direita? Qual é o braço falso? Aponta-me os traços fingidos. O que fugiu do nascimento para acusá-los de incompletos? Não noto, na aparência são semelhantes. Na convivência são semelhantes. Ambos se debruçam ao prato com igual indiferença dos dentes. Ambos recorrem às mesmas desculpas para não dormir. Ambos me sufocam de risos quando acordo. O ventre não se repete. Não chama nenhum dos meus filhos de irmão emprestado. Eu não emprestei, eu dei à vida, não reclamo de volta. Não há pai por partes, nem mãe em porções.” ¹Fabrício Carpi Nejar – Poeta e jornalista. * Caxias do Sul – 1972 d.C Prêmio Açoriano de Literatura. Prêmio Marengo D’Oro – Itália Prêmio Fernando Pessoa, da União Brasileira de Escritores. Prêmio Cecília Meireles, da União Brasileira de Escritores. Prêmio Nacional Olavo Bilac 2003, da Academia Brasileira de Letras, com Biografia de uma árvore, escolhido o melhor livro de poesia de 2002. Mestre em literatura, com estudo sobre A Teologia do Traste na poesia de Manoel de Barros, em contraposição à Psicologia da Composição de João Cabral. [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Fabricio Carpinejar – Versos na tarde – 08/09/2013

Fragmento I Fabricio Carpinejar¹ Pouco crescemos no que aprendemos, o sabor de um livro antigo está em jovem esquecê-lo. Eu alterei a ordem do teu ódio. Fiz fretes de obras na estante. Mudava os títulos de endereços em tua biblioteca e rastreavas, ensandecido, aquele morto encadernado que ressuscitou quando havias enterrado a leitura, aquele coração insistente, deixando atrás uma cova aberta na coleção. Sou também um livro que levantou dos teus olhos deitados. Em tudo o que riscavas, queria um testamento. Assim recolhia os insetos de tua matança, o alfabeto abatido nas margens. Folheava os textos, contornando as pedras de tuas anotações. Retraído, como um arquipélago nas fronteiras azuis. Desnorteado, como um cão entre a velocidade e os carros. Descia o barranco úmido de tua letra, premeditando os tropeços. Sublinhavas de caneta, visceral, impaciente com o orvalho, a fúria em devorar as idéias, cortar as linhas em estacas da cruz, marcá-las com a estada. Tua pontuação delgada, um oceano na fruta branca. Pretendias impressionar o futuro com a precocidade. A mãe remava em tua devastação, percorria os parágrafos a lápis. O grafite dela, fino, uma agulha cerzindo a moldura marfim. Calma e cordata, sentava no meio-fio da tinta, descansando a fogueira das folhas e grilos. Cheguei tarde para a ceia. Preparava o jantar com as sobras do almoço. Lia o que lias, lia o que a mãe lia. Era o último a sair da luz. ¹Fabricio Carpi Nejar * Caxias do Sul, RS – 1972 [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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