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Umberto Eco – Souvenires do passado

Relíquias Umberto Eco¹ Ao ler meu jornal local, eu me deparei com um artigo interessante sobre relíquias, não apenas do tipo religioso, mas também da variedade laica, da cabeça de Descartes ao cérebro de Gorky. O hábito de conservar relíquias não é, como se costuma acreditar, um hábito cristão, mas um hábito típico de cada raça e cultura. O que está em jogo no culto às relíquias é o tipo de impulso que eu definiria como mito-materialista, a ponto das pessoas acreditarem que podem obter uma espécie de poder de um grande homem ou santo ao tocar pedaços do corpo daquela pessoa. Por outro lado, o hábito também revela um gosto normal por antiguidades (colecionadores estão preparados a gastar grandes somas não apenas para ter a posse da primeira edição de um livro famoso, mas especialmente um que tenha sido de propriedade de uma pessoa importante). E, é claro (como freqüentemente acontece nos leilões americanos), nós também temos memorabilia. Esses itens podem assumir a forma das luvas (genuínas) de Jackie Kennedy ou das usadas por Rita Hayworth em “Gilda” (falsas). Finalmente, há o fator econômico: na Idade Média, relíquias famosas eram atrações turísticas valiosas que atraíam fluxos constantes de peregrinos, assim como algumas discotecas na Riviera do Adriático agora atraem multidões de turistas alemães e russos. Eu também já vi multidões de turistas em Nashville, Tennessee, admirando o Cadillac do Elvis. Não que ele tivesse apenas um – ele trocava de modelo a cada seis meses. Na Noite de Reis, talvez repleto de espírito natalino e me sentindo um tanto estranho, em vez de baixar pornografia pela Internet (como todo mundo), eu decidi navegar pela Internet à procura de relíquias famosas. [ad#Retangulo – Anuncios – Esquerda]Por exemplo, nós sabemos que a cabeça de São João Batista se encontra na Igreja de São Silvestre, em Roma, mas segundo uma tradição anterior, ela se encontrava na Catedral de Amiens, na França. De qualquer forma, a cabeça em Roma carece da mandíbula inferior, que atualmente se encontra na Catedral de São Lourenço, em Viterbo, a cerca de 100 quilômetros ao norte. O prato em que foi colocada a cabeça do Batista está no tesouro da Catedral de São Lourenço, em Gênova, juntamente com suas cinzas. Mas parte dessas cinzas também está conservada na velha igreja do mosteiro beneditino em Loano, um dos dedos do santo está supostamente no Museo dell’Opera del Duomo, em Florença, e um braço na Catedral de Siena. Quanto ao seu dente, um está na Catedral de Ragusa e outro, juntamente com uma mecha de cabelo, está em Monza. Não há nenhuma notícia dos outros 30. Uma lenda antiga diz que outra catedral tinha o crânio do Batista aos 12 anos, mas não acredito que exista qualquer documento oficial que confirme o rumor. A Verdadeira Cruz foi encontrada em Jerusalém por Santa Helena, a mãe do imperador romano Constantino 1º. Roubada pelos persas no século 7 e recuperada pelo imperador bizantino Heráclito, ela foi levada ao campo de batalha pelos cruzados contra Saladino, o mais famoso dos heróis muçulmanos. Infelizmente, Saladino venceu, e depois disso todos os traços da cruz se perderam para sempre. Todavia, vários pedaços dela já foram roubados: um dos pregos aparentemente é mantido em Roma, na Igreja da Santa Cruz de Jerusalém. A coroa de espinhos, mantida por muito tempo em Constantinopla, foi partida visando doar pelo menos um espinho para diversas igrejas e santuários. E a Lança Sagrada, que já pertenceu ao sacro imperador romano Carlos Magno e seus sucessores, atualmente está em Viena, Áustria. O prepúcio de Jesus estava em exibição na cidade italiana de Calcata até que, em 1983, o padre anunciou que ele tinha sido roubado. Mas a posse da mesma relíquia já foi reclamada por Roma; Antuérpia, Bélgica; na França, em Auvergne, Chartres, Conques, Besancon, Fecamp, Metz, Langres, Charroux e Puy-en-Velay; por Hildesheim, Alemanha; e Santiago di Compostela, Espanha. O sangue que jorrou do ferimento na lateral de Cristo, que teria sido coletado pelo soldado romano Longinus, foi supostamente levado para Mantua, aqui na Itália, mas outro sangue também é mantido na Basílica do Sangue Sagrado em Bruges, Bélgica. A Manjedora Sagrada está em Santa Maria Maggiore, em Roma, enquanto – como se sabe – o Santo Sudário está em Turim. As faixas do bebê Jesus são mantidas em Aachen, Alemanha. O pano que Jesus usou para lavar os pés dos Apóstolos está na igreja de São João Laterano e em Acqs, Alemanha, apesar de não poder ser excluído que Jesus usou dois panos ou lavou os pés deles duas vezes. Muitas igrejas possuem amostras do cabelo ou leite da Virgem Maria; seu anel de casamento está supostamente em Perugia, Itália, enquanto seu anel de noivado está em Notre Dame, em Paris. Milão, Itália, costumava ser lar dos restos mortais dos Reis Magos, mas no século 12, o sacro imperador romano Frederick Barbarossa os levou para Colônia, Alemanha, como espólios de guerra. Eu contei esta história em meu romance “Baudolino”, mas eu não espero mudar a opinião daqueles que não acreditam. do The New York Times Tradução: George El Khouri Andolfato ¹Umberto Eco é professor de semiótica, crítico literário e romancista. Entre seus principais livros estão “O Nome da Rosa” e o “Pêndulo de Foucault“.

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Herman Hesse – Prosa na tarde – 13/10/2013

Hernan Hesse¹ “Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo.” ¹Hermann Hesse * Württemberg, Alemanha, 2 de Julho de 1877 d.C + Tessino, Suíça, 9 de agosto de 1962 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Maquiavel – Reflexões na tarde – 08/06/2013

Ao magnífico Lorenzo, filho de Piero de Médicis ¹Nicolau Maquiavel As mais das vezes, costumam aqueles que desejam granjear as graças de um príncipe trazer-lhe os objetos que lhes são mais caros, ou com os quais o vêem deleitar-se; assim, muitas vezes, eles são presenteados com cavalos, armas, tecidos de ouro, pedras preciosas e outros ornamentos dignos de sua grandeza. [ad#Retangulo – Anuncios – Esquerda]Desejando eu favorecer a Vossa Magnificência um testemunho qualquer de minha obrigação, não achei, entre os meus cabedais, coisa que me seja mais cara ou que tanto estime quanto o conhecimento das ações dos grandes homens apreendido por uma longa experiência das coisas modernas e uma contínua lição das antigas; as quais, tendo eu, com grande diligência, longamente cogitado, examinando-as, agora mando a Vossa Magnificência, reduzidas a um pequeno volume. E conquanto julgue indigna esta obra da presença de Vossa Magnificência, não confio menos em que, por sua humanidade, deva ser aceita, considerando que não lhe posso fazer maior presente que lhe dar a faculdade de poder em tempo muito breve aprender tudo aquilo que, em tantos anos e à custa de tantos incômodos e perigos, hei conhecido.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Não ornei esta obra e nem a enchi de períodos sonoros ou de palavras empoladas e floreios ou de qualquer outra lisonja ou ornamento extrínseco com que muitos costumam descrever ou ornar as próprias obras; porque não quis que coisa alguma seja seu ornato e a faça agradável senão a variedade da matéria e a gravidade do assunto. Nem quero que se repute presunção o fato de um homem de baixo e ínfimo estado discorrer e regular sobre o governo dos príncipes; pois os que desdenham os contornos dos países se colocam na planície para considerar a natureza dos montes, e para considerar a das planícies ascendem aos montes, assim também para conhecer bem a natureza dos povos é necessário ser príncipe, e para conhecer a dos príncipes é necessário ser do povo. Tome, pois, Vossa Magnificência este pequeno presente com a intenção com que eu o mando. Se esta obra for diligentemente considerada e lida, Vossa Magnificência conhecerá meu extremo desejo que alcance aquela grandeza que a Fortuna e outras qualidades lhe prometem. E se Vossa Magnificência, do ápice da sua altura, alguma vez volver os olhos para baixo, saberá quão sem razão suporto uma grande e contínua má sorte. Nicolau Maquiavel¹ * Florença, Itália – 03 Maio 1469 d.C + Florença, Itália – 20 Junho 1527 d.C =>Biografia de Maquiavel

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Osman Lins – Prosa na tarde – 12/03/2013

Palavra viva Osman Lins¹ “A lenta rotação da água, em torno de sua vária natureza. Sua oscilação entre a paz dos copos e as inundações. Talvez seja mineral; ou um ser mitológico; ou uma planta, um liame, enredando continentes, ilhas. Pode ser um bicho, peixe imenso, que tragou escuridões e abismos, com todas as conchas, anêmonas, delfins, baleias e tesouros naufragados. Desejaria ter, talvez, a definição das pedras; e nunca se define. Invisível. Visível. Trespassável. Dura. Amiga. Existem os ciclones, as trombas marinhas. Golpes de barbatanas? E também as nuvens, frutos que, maduros, tombam em chuvas. O peixe as absorve e cresce. Então este peixe, verde e ramal, de prata e sal, dele próprio se nutre? Bebe a sua própria sede? Come sua fome? Nada em si mesmo? Não saberemos jamais sobre este ente fugidio, lustral, obscuro, claro e avassalador. Tenho-o nos meus olhos, dentro das pupilas. Não sei portanto se o vejo; se é ele que se vê.” Do conto Retábulo de Santa Joana Carolina, uma das narrativas do livro Nove Novena. ¹Osman da Costa Lins * Vitória de Santo Antão, PE. – 5 de Julho de 1924 d.C + São Paulo, SP. – 8 de Julho de 1978 d.C >> Biografia de Osman Lins [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Jorge Luis Borges – Versos na tarde

O Tango Jorge Luis Borges ¹ Onde estarão? Pergunta a elegia Sobre os que já não são, como se houvesse Uma região onde o Ontem pudesse Ser o Hoje, o Ainda, o Todavia. Onde estará (repito) esse selvagem Que ergueu, em tortuosas azinhagas De terra ou em perdidas plagas, A seita do punhal e da coragem? Onde estarão aqueles que passaram, Deixando à epopeia um episódio, Uma fábula ao tempo, e que sem ódio, Lucro ou paixão de amor se esfaquearam? Procuro-os na lenda, na apagada Brasa que, como uma indecisa rosa, Conserva dessa chusma valorosa De Corrales e Balvanera um nada. Que escuras azinhagas ou que ermo Do outro mundo habitará a dura Sombra daquele que era sombra escura, Muranã, essa faca de Palermo? E esse Iberra (tenham dele piedade Os santos) que na ponte duma via, Matou o irmão, Ñato, que devia Mais mortes que ele, ficando em igualdade? Uma mitologia de punhais No esquecimento aos poucos se desgasta. E dispersou-se uma canção de gesta Em sórdidas notícias policiais. Há outra brasa, outra candente rosa Dos seus restos totais conservadores; Aí estão os soberbos matadores E o peso da adaga silenciosa. Embora a adaga hostil ou essa adaga, O tempo, os dispersassem pelos lodos, Hoje, p’ra além do tempo e da aziaga Morte, no tango vivem eles todos. Na música prosseguem, na mensagem Das cordas da viola trabalhosa, Que tece na toada venturosa A festa, a inocência da coragem. Vejo a roda amarela circular Com leões e cavalos, oiço o eco Desses tangos de Arolas e de Greco Que vi bailar no meio da vereda, Num instante que emerge hoje isolado, Sem antes nem depois, contra o olvido, E que tem o sabor do que, perdido, Perdido está mas foi recuperado. Os acordes conservam velhas cousas: Ou a parreira ou o pátio ancestral. (E por trás das paredes receosas O Sul tem uma viola, um punhal.) O tango, essa rajada, diabrura, Os trabalhosos anos desafia; Feito de pó e tempo, o homem dura Menos que a leviana melodia, Que é tempo somente. O tango cria Um passado irreal, real embora. Recordação que não pôde ir-se embora Morta na luta, algures na periferia. Jorge Luis Borges in Poemas Escolhidos. Edição bilingue. Selecção e Trad. Ruy Belo. Dom Quixote, Lisboa, 2003, pp.43-47 ¹ Jorge Luis Borges * Buenos Aires, Argentina – 24 de Agosto de 1899 d.C + Genebra, Suíça – 14 de Junho de 1986 d.C ->> biografia [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Jorge Luis Borges – Versos na tarde

A um gato Jorge Luis Borges ¹ Não são mais silenciosos os espelhos nem mais furtiva a alba aventureira; és, debaixo da lua, essa pantera que nos é dado ver de longe. Por obra indecifrável de um decreto divino, buscamos-te com vaidade; mais remoto que o Ganges e o poente, é tua a solidão, teu o segredo. O teu lombo condescende à morosa carícia da minha mão receosa. Estás em outro tempo. És o dono de um espaço fechado como um sonho. tradução de Carlos B. Santos ¹ Jorge Luis Borges * Buenos Aires, Argentina – 24 de Agosto de 1899 d.C + Genebra, Suíça – 14 de Junho de 1986 d.C ->> biografia [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Saint Exupéry e as buscas francesas

[ad#Retangulo – Anuncios – Esquerda]Antes de criticar as autoridades brasileiras pela dificuldades enfrentadas nas buscas aos destroços do AirBus da Air France desaparecido na madrugada do último domingo, convém avivar a memória dos mais apressadinhos. Somente em 2004, portanto “meros” 60 anos após o desaparecimento, foi que as autoridades do governo francês encontraram o avião desaparecido do escritor e aviador Antoine de Saint-Exupéry. Exupéry, além de autor do ” O Pequeno Príncipe” — o livro preferido por 10 entre 10 candidatas a miss — escreveu o magnífico e monumental “Cidadela“. Antoine de Saint-Exupéry Aventureiro e desbravador, o escritor e piloto desapareceu durante um voo sobre o Mar Mediterrâneo quando se dirigia à Ilha da Córsega, em 1944. Era ele tripulante da companhia aérea francesa Aeropostale, posteriormente rebatizada de Air France. Em tempo: a profundidade média naquela área do mediterrâneo é de 800 metros. Na área do Atlântico é de 4.ooo metros.

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Bill Vaughan – Frasário

“Agora que as mulheres são jóqueis, juízes de beisebol, cientistas atômicas e executivas, talvez elas consigam algum dia estacionar um automóvel paralelo a calçada.” Bill Vaughan¹ ¹William E. ( “Bill”) Vaughan * Missouri, EUA – 8 de Outubro de 1915 d.C + Missouri, EUA – 25 de Fevereiro de 1977 d.C Jornalista e escritor norteamericano. Nascido em Saint Louis, Missouri, escreveu uma coluna diária para o Kansas City Star a partir de 1946 até sua morte em 1977. Publicou artigos na Seleções Reader’s Digest e Better Homes e Gardens sob o pseudônimo Burton Hillis. Foi professor da Washington University em St. Louis. Seus aforismos são frequentemente recolhidos em livros e em sites da Internet.

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