A falsa polêmica da maconha
Demóstenes Torres¹ Reunida na semana passada no Rio de Janeiro, certa Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, integrada por três ex-presidentes da República do Brasil, do México e da Colômbia, decidiu recomendar a descriminalização do uso da maconha. No caso brasileiro, a sugestão não tem efeito prático já que desde a promulgação da Lei 11.343 de 2006, o porte para uso não só de maconha, mas todo tipo de droga ilegal está tacitamente liberado. No texto da legislação revolucionária elaborada pelo Ministério da Justiça, criou-se a figura esdrúxula da despenalização do consumo. Explico: a conduta é tipificada como crime, mas não há sanção penal de restrição da liberdade. A intenção do governo era adotar uma medida do tipo “liberou geral“, no entanto para escamotear a providência desastrosa preferiu-se uma saída à brasileira. Vale ressaltar que embora seja obra do lulismo, a liberação do uso das drogas no Brasil não ocorreu antes por falta de absoluta coragem política do tucanato, que sempre cultivou a iniciativa com certo idealismo. Por um lado mantiveram a classificação do uso como crime para não escandalizar os setores mais conservadores como a Igreja. Com a outra mão extinguiram a pena de prisão para agradar ao pessoal do fumacê. Além de liberar o uso de qualquer tipo de substância entorpecente, a mesma lei que tem o título pomposo de instituir o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, deu um passo à frente e autorizou o ciclo completo da agricultura de tais produtos para autoconsumo. Observem que o zeloso legislador teve o cuidado de prescrever para a conduta de semear, cultivar e colher plantas destinadas à produção de drogas as mesmas medidas impostas ao usuário. Medidas? Que Medidas? Pilhado em flagrante fumando maconha ou cultivando lavoura individual de Cannabis sativa, por exemplo, o indivíduo sofrerá a rigorosa sanção de ser advertido sobre os efeitos da droga; prestar serviço à comunidade ou se submeter a programa educativo. E se ele não se submeter a tais “medidas educativas?”. Aí sim, receberá uma severa admoestação verbal ou multa. E se não cumprir nada? Nada acontecerá. É brincadeira! O Brasil acredita que elaborou uma legislação vanguardista sobre drogas quando determinou tremendo retrocesso às políticas destinadas ao setor. O consumidor é parte integrante do ciclo da produção e da comercialização de substâncias entorpecentes ilegais e jamais poderia ser acolhido com a impunidade. Liberar o consumo equivale a estimular o aumento do número de usuários, o que está na contramão de todas as políticas sérias desenvolvidas no mundo. É bastante citado como avanço o caso da Holanda, que liberou a produção e o consumo de maconha com intenção de diminuir os efeitos do tráfico, quando a política hoje se mostra desastrosa e mobiliza as autoridades do país no sentido de removê-las. A Inglaterra recuou daquela tendência e voltou a classificar o uso da maconha como crime e os EUA estão corretíssimos ao penalizar o usuário, já que são os maiores consumidores individuais do planeta. Essa história de descriminalizar o uso de drogas sob a nomenclatura de política de redução dos danos é uma grande empulhação. Não há nada de preventivo nisso. Ao contrário, trata-se de um fator estimulante do consumo, que alimenta o tráfico, que por sua vez se fortalece na escala delituosa com o contrabando de armas, se conecta a outras formas de crime organizado por meio da lavagem de dinheiro e finalmente irriga as campanhas eleitorais de muitos bandidos que atuam na política brasileira. Não há polêmica no ar, a não ser o retorno à criminalização do uso das drogas. ¹Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO) – no blog do Noblat