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Como a Dinamarca virou referência no combate ao desperdício alimentar

Comida não deve virar lixo: “Esbanjamento deixa todos mais pobres”, afirma ministro dinamarquês. Entre estratégias adotadas estão áreas antidesperdício nos supermercados e convocação de consumidores a combate aos “UFOs”. Copenhague está assumindo papel pioneiro num movimento que combina duas grandes preferências nacionais: fazer bem ao meio ambiente e poupar dinheiro. Em setembro próximo, o “reino verde” criará um fundo de incentivo a projetos contra o desperdício de alimentos, com uma verba de 5 milhões de coroas dinamarquesas (670 mil euros).[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] “Comida é amor. Quando jogamos comida fora, estamos jogando fora amor”, afirma a ativista Selina Juul, de 36 anos. O trabalho da ONG Stop Wasting Food (Chega de desperdiçar comida), fundada por ela, contribuiu para que a Dinamarca alcançasse um marco histórico: reduzir seu desperdício de alimentos em um terço em relação a 2010. Batatas feias e combate aos “UFOs” Cada vez mais supermercados do país mantêm “stop food waste areas”, onde são vendidos, a preços módicos, gêneros alimentícios cujo prazo de validade está prestes a se esgotar. Ou batatas “feias”, mas que ainda servem perfeitamente para fazer uma salada. Ativista antidesperdício Selina Juul é ícone na Dinamarca E essa é apenas uma entre muitas abordagens eficazes. Com um app, a startup Too Good To Go mostra a gente faminta o caminho até refeições que antes não poderiam mais ser vendidas. A partir de uma lista de restaurantes e padarias que estão prestes a fechar, os usuários têm a chance de passar pelos locais e, com sorte, sair com um recipiente cheio de alimentos a preços reduzidos. Mas o combate ao lixo supérfluo começa na própria geladeira. Assim, Juul apela aos cidadãos que evitem os “UFOs” (unidentifiable frozen object: objeto congelado não identificável). “Um de cada dois dinamarqueses tem um ‘UFO’ no congelador. Por isso iniciamos uma campanha incentivando os consumidores a, uma vez por mês, comerem os seus ‘UFOs’”, afirma. Instrumento para a paz mundial O fato de o país de 5,7 milhões de habitantes ter mais iniciativas contra o desperdício de gêneros alimentícios do que qualquer outro país europeu se deve, em grande parte, à organização Stop Wasting Food. Sua fundadora, Selina Juul, já se tornou uma espécie de ícone nacional: em 2016 ela recebeu o Womenomics Influencer Award, dedicado a dinamarquesas cuja atividade no mundo dos negócios é considerada modelo. E foi incluída no Who’s Who da Dinamarca e nomeada Dinamarquesa do Ano em 2014. Armada de avental verde e de uma paixão irresistível por alimentos, Juul conseguiu entusiasmar milhões de dinamarqueses. “Trata-se de uma iniciativa bottom-up – de baixo para cima”, comenta à DW. “Nós mobilizamos as pessoas, e elas mobilizam a indústria e os supermercados, cantinas e restaurantes.” “É como uma espiral: a coisa cresce, cresce e cresce”, descreve a ativista. Ela e seu grupo querem agora começar a atuar em outros países. Seu sonho é que o cuidado com os alimentos venha a se transformar num instrumento para a paz mundial. “Quando o assunto é desperdício de alimentos, todos estão de acordo, sejam ricos ou pobres, de esquerda ou de direita, não importando a cor da pele, nação ou religião. Comida é realmente algo que une os seres humanos.” E Juul reforça: “Comida é amor.” Também na Holanda se realizam projetos para evitar perda de alimentos, como o “Taste the waste” Perigo para o meio ambiente Mas o desperdício de alimentos igualmente ameaça o meio ambiente: a agricultura é responsável por quase um quarto das emissões globais de gases-estufa, ocupa mais de um terço da terra cultivável e consome 70% da água potável do mundo. Diante do esperado crescimento da população mundial para 9,6 bilhões, até 2050, coloca-se a questão de como alimentar todas essas bocas. A redução do desperdício alimentar é a conclusão lógica. “Na verdade, lixo não é lixo”, lembra Selina Juul. “Reduzi-lo é a chave para a sobrevivência futura da civilização humana.” O trabalho dela conta com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Segundo a agência da ONU, um terço dos alimentos produzidos em todo o planeta ou se estraga ou é jogado fora. Além de um prejuízo equivalente a 850 bilhões de euros, isso também representa 8% das emissões totais de gases responsáveis pelo efeito-estufa, o equivalente a um país de grande porte. A FAO condena esse “excesso numa época em que quase 1 bilhão de pessoas passam fome”. Selina Juul (c.) e Andrew Steer (último à dir.) durante Global Green Growth Forum em Copenhague “O que se mede também se pode gerir” Para Andrew Steer, presidente e diretor executivo do World Resources Institute, “não há simplesmente motivo para tanta comida assim se perder”. Juntamente com diversas instituições da ONU, ONGs e a União Europeia, seu instituto estabeleceu um padrão para medir o desperdício de gêneros alimentícios: o Food Loss and Waste Protocol. “No momento, a produção alimentar é muito destrutiva”, aponta Steer. O World Resources Institute desenvolveu o “protocolo de perda e desperdício de comida” seguindo raciocínio de que “o que se mede também pode ser gerido”. “É exatamente como com o protocolo dos gases-estufa, dez anos atrás: para termos sucesso na redução do desperdício alimentar, temos que seguir uma abordagem sistêmica.” O instituto encabeçado por Steer conseguiu convencer dessa filosofia instituições de peso. Entre seus parceiros está o Consumer Goods Forum, uma associação reunindo mais de 400 dos maiores produtores e negociantes de bens de consumo de 70 países, reunindo um faturamento total de 2,5 trilhões de euros. Além disso, a Organização Mundial dos Agricultores (WFO) e vários Estados apoiam a meta de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, que visa cortar pela metade o desperdício de comida até 2030, assim como reduzir a perda de gêneros alimentícios em escala mundial. A Dinamarca também participa dessas coalizões. “Desperdício deixa todo o mundo mais pobre”, resume o ministro do Exterior Kristian Jensen. No Global Green Growth Forum (3GF) de junho último, em Copenhague, ele se mostrou convencido que essa “nova aliança forte entre atores estatais e

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Oito lições de combate à corrupção que a Dinamarca pode dar ao Brasil

A Dinamarca colhe hoje os frutos de mais de 350 anos de empenho contra a corrupção no setor público e privado e, mais uma vez, figura no topo do ranking de 168 países da ONG Transparência Internacional, o principal indicador global de corrupção. Dinamarca lidera ranking de países menos corruptos do mundo Image copyright Flavia Milhorance Desde que o índice foi criado, em 1995, o país está nas primeiras posições – em que estão as nações vistas como menos corruptas. Nos últimos cinco anos, só não esteve no primeiro lugar em 2011, que ficou com a Nova Zelândia. Esse é o segundo ano consecutivo em que está sozinha no topo. O Brasil foi um dos países que registrou a maior queda no ranking neste ano: caiu sete posições, para o 76º lugar. A ONG liga a queda ao escândalo da Petrobras. O Índice de Percepção de Corrupção é baseado em entrevistas com especialistas – em geral, membros de instituições internacionais como bancos e fóruns globais – que avaliam a corrupção no setor público de cada país.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Na raiz do bom desempenho dinamarquês estão iniciativas de meados do século 17, quando a Dinamarca perdia parte de seu reinado para a Suécia e via que era preciso ter uma administração mais eficiente para coletar impostos e financiar batalhas em curso. Numa época em que a nobreza gozava de vários privilégios, o rei Frederik 3º proibiu que se recebessem ou oferecessem propinas e presentes, sob pena até de morte. E instituiu regras para contratar servidores públicos com base em mérito, não no título. A partir de então, novas medidas foram sendo instituídas período a período. Peter Varga, coordenador regional da Transparência Internacional para Europa e Ásia Central, alerta, entretanto, que “países que estão no topo do ranking naturalmente não estão livres de corrupção”, pondera Casos envolvendo empresas e políticos vez ou outra ganham destaque na Dinamarca. Há dois anos, a empresa dinamarquesa Maersk foi apontada na Operação Lava Jato como possível autora de pagamento de propinas a ex-executivos da Petrobras. E a falta de controle nos financiamentos de campanha é bastante criticada. “Entretanto, neles isto é uma exceção, não a regra”, complementa o representante da Transparência Internacional. Embora não esteja imune ao problema, a Dinamarca traz alguns bons exemplos que podem servir de inspiração para se combater a corrupção em países como o Brasil. Confira: Político Peder Udengaard vai embora a pé após conversa com a BBC Brasil Image copyright Flavia Milhorance 1) Menos regalias para políticos O político Peder Udengaard é membro reeleito do conselho municipal (o equivalente a um vereador) de Aarhus, segunda maior cidade da Dinamarca, com cerca de 300 mil habitantes. Vive numa zona de classe média no centro e não possui carro, por isso vai a pé ao trabalho. Recebe um salário de 10 mil coroas dinamarquesas (R$ 6 mil) para horário parcial, complementados com atividades na direção de uma orquestra. O único benefício que recebe é um cartão para táxi, que só pode ser usado quando participa de eventos oficiais. A entrevista concedida à BBC Brasil na prefeitura, por exemplo, não estava nesta lista. Duas vezes ao ano, a prefeitura promove eventos fora da cidade e, aí sim, pode-se gastar com deslocamento e alimentação. Presentes precisam ser tornados públicos e repassados a entidades civis. “Essas regras independem do cargo, pode ser do mais baixo ao mais alto”, explica Udengaard. “Se eu tivesse filhos, iriam para a escola pública; encontro meu eleitorado no supermercado, na rua, no banco. Não tenho mais benefícios do que qualquer cidadão. Se quisesse enriquecer ou ter privilégios, não seria político”, completa. Nos últimos anos, o primeiro-ministro Lars Løkke Rasmussen foi acusado em algumas ocasiões de ter usado dinheiro público para pagar contas em restaurantes, táxis, aviões, hotéis e até roupas em cargos como prefeito, ministro e presidente da organização Global Green Growth Institute (GGGI), que recebe recursos do governo. Confirmaram-se roupas pagas pelo seu partido, Venstre, e passagens pela GGGI, episódios duramente criticados. Peder Udengaard tem mandato, mas mantém uma vida sem regalias. Image copyright Flavia Milhorance 2) Pouco espaço para indicar cargos Tentar beneficiar-se do setor público não é tarefa fácil na Dinamarca. Um dos motivos é que, quando o político é eleito, a equipe que trabalhará com ele é a mesma da gestão anterior. Além disso, o profissional que não reportar um ato ilícito é demitido. “Receber incentivos econômicos seria difícil, porque os funcionários não estão interessados em acobertá-los”, afirma Peder Udengaard, garantindo nunca ter sido informado de algum caso ilícito na prefeitura de Aarhus. “Regras claras sobre conflitos de interesse, códigos de ética e declaração patrimonial são muito importantes”, comenta Peter Varga, destacando que elas geralmente são consideradas eficientes em países no topo dos rankings de corrupção, mas ressaltando que mesmo na Dinamarca a tentação de se aceitar propinas ou exercer influência indevida é geralmente mais forte quanto mais perto se está do centro tomador de decisões políticas. Na Dinamarca, político eleito precisa trabalhar com os mesmos funcionários da gestão anterior – Image copyright Flavia Milhorance 3) Transparência ampla A Dinamarca também é considerada a nação mais transparente no ranking “2016 Best Countries” (“Melhores países 2016”), da Universidade da Pensilvânia, dos Estados Unidos. Os sites dos governos, de todas as instâncias, costumam ser bem munidos de dados sobre gastos de políticos, salários, investimentos por áreas etc. E qualquer cidadão pode requerer informações que não estejam lá. No Brasil, especialistas concordam que a transparência vem avançando. Fernanda Odilla de Figueiredo, pesquisadora sobre corrupção do Brazil Institute no King’s College, de Londres, elogia a Lei de Acesso à Informação e os portais de transparência, mas cobra acesso irrestrito: “Em 2013, informações sobre viagens internacionais do presidente e do vice-presidente da República foram reclassificadas e só poderão ser acessadas depois que eles deixarem o poder, e no ano passado o governo de São Paulo decretou sigilo de determinados dados”, critica. Transparência e polícia valorizada ajudam país a obter status de “mais honesto” Image copyright Flavia Milhorance 4) Polícia confiável e preparada Raramente, casos

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