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Economia: a Europa perde o sono

A partir da quebra do banco Lehman Brothers, verifica-se uma espécie de efeito-dominó sobre um conjunto de instituições bancárias e de crédito em diversos países. Passados menos de dois anos do início da atual crise de liquidez, principalmente de títulos bancários, a realidade dos países e economias afetadas mundo afora é bastante complexa e desconcertante. A discrepância se acentua quando olhamos para setembro de 2008, onde a situação das instituições financeiras norte-americanas revelava-se insustentável. É o que foi intitulado de crise do “sub-prime”, consequência direta da irresponsabilidade do mercado hipotecário nas áreas imobiliárias e da construção civil. Mesmo sem que não se queira cogitar dos aspectos sociais na crise atual, voltam ao cenário ambulatorial macroeconômico as paleolíticas propostas do FMI no que concerne a retomada das políticas públicas de caráter keynesiano e desenvolvimentistas. O Editor Nessun dorma… Por Antonio Delfim Netto ¹/VALOR É um fato conhecido que os competentes economistas alemães representam a fina flor do mais extremo monetarismo ao qual somam uma boa dose de conservadorismo. Foram ferozmente contra as concessões (com implicações econômicas) feitas por Helmut Kohl, quando aproveitou uma janela semiaberta e teve a coragem de reunificar a Alemanha, objetivo político de longo prazo absolutamente desdenhado pelos “puristas econômicos”. Quando a Alemanha decidiu participar do euro, 150 dos seus mais reconhecidos acadêmicos publicaram um célebre manifesto contra, com bons argumentos, mas que de novo ignorava solenemente o objetivo político de longo prazo, que era a pacificação de um continente que durante os últimos mil anos foi atormentado por guerras. Os argumentos eram respeitáveis e mostravam que o sucesso do euro dependia de um rigoroso controle da situação fiscal de cada país, preliminar para a construção de uma área monetária ótima: absoluto controle fiscal, liberdade de movimentos da mão de obra e de capitais e a cessão da emissão das moedas nacionais a um banco central autônomo, com uma nova unidade monetária, com relação à qual as taxas de câmbio de cada país seriam irrevogavelmente fixadas.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Nem o Fed, nem o BCE sabem, até agora, o que fazer. Eram contra, porque não acreditavam que os países se submeteriam a tal disciplina. Para impô-la, foi formalmente estabelecido e aprovado no acordo de Maastricht, que precedeu a introdução do euro, que: 1) nenhum país poderia ter déficit nominal superior a 3% do PIB; e 2) uma relação dívida/PIB maior do que 60%. Por que não funcionou? Porque os governos de vários países (em particular da Grécia) mentiram, como suspeitavam os economistas alemães! Iludiram aquelas condições com a conivência do sistema financeiro internacional e das agências de risco. Tudo veio à tona depois da “quebra” do Lehman Brothers, quando a “rede de patifarias” escondida nos derivativos tóxicos explodiu na cara dos bancos centrais, sob o nariz dos quais ela se realizara. É cada vez mais evidente que esses não se recuperaram do choque: nem o Federal Reserve dos EUA, nem o BCE da Eurolândia sabem, até agora, o que fazer. Nos EUA, parece que começa a haver uma mudança. Mais de uma dezena de instituições financeiras, que ativamente (com a conivência das agências de risco) assaltaram os incautos aplicadores, começam a ser investigadas e, seguramente, algumas serão responsabilizadas criminalmente. Trata-se de um problema moral, que não pode mais ser escondido pelo governo Obama como foi até agora. Tardiamente, ele propõe ao Congresso um novo pacote de estímulos para diminuir o sofrimento de 25 milhões de honestos trabalhadores (15 milhões com desemprego aberto e 10 milhões semiempregados), que acabaram desempregados com a política econômica (inspirada por distintos acadêmicos comprometidos com o sistema financeiro) que “salvou” os desonestos administradores. Até agora, o presidente do Fed, Ben Bernanke, não disse a que veio: apenas repete, repete e repete o velho refrão, “farei o que tenho de fazer”. Continua indeciso sobre como atender ao seu duplo mandato: manter alto o nível de emprego e manter baixa a taxa de inflação. O sinal de que ainda resta vida inteligente nos EUA veio num artigo no “Financial Times”, do secretário do Tesouro, Tim Geithner, onde afirmou que é hora dos governos deixarem de lado a paralisia política e esquecerem os medos infundados com a inflação. No fundo, ele está transmitindo aos bancos centrais, que continuam mesmerizados pelos seus modelitos, que a taxa de juros nominal já é nula e que a taxa de inflação está na “meta”, mas a taxa de desemprego é quase o dobro da famosa Nairu (a taxa de desemprego que não acelera a inflação). Logo, é uma eficaz política fiscal que deve ser ativada. É por isso que ele afirma que os EUA resistirão a um rápido ajuste fiscal em 2012 e recomenda a todos os países em dificuldades que façam o mesmo. Essa coordenação, se realizada, tornará mais potente e mais veloz os resultados. No Banco Central Europeu (BCE), a situação se agrava. Enquanto Trichet aguarda sua substituição formal por Mario Draghi, os representantes alemães (diante do iminente desastre político da chanceler Merkel) abandonam o barco, alegando “razões pessoais”. Primeiro foi Alex Weber (presidente do Bundesbank). Agora foi Juergen Stark, o que aperta ainda mais a “saia justa” de Merkel. Se não bastassem esses problemas, o ministro das Finanças da Holanda, Jan Kees de Jager, sugere claramente a expulsão da Grécia, a pedido: “Quando não conseguimos respeitar as regras do jogo, devemos deixá-lo”. O FMI, por sua inexperiente diretora-gerente, Christine Lagarde, lança dúvidas sobre a higidez dos bancos europeus que têm em carteira títulos gregos. Como todos sabem que ela conhece apenas os bancos franceses, produziu uma corrida sobre eles. Parece óbvio que ninguém se entende. Tem razão o dr. Tombini. Vamos pôr nossas barbas de molho e nos proteger da provável desintegração da economia mundial. Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.  E-mail contatodelfimnetto@terra.com.br

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BNDES e os brasileiros

É no mínimo estranha a interferência do BNDES numa transação privada, que deveria ser conduzida exclusivamente pelos sócios, como esta que envolve as empresas que comandam as redes mercadistas Casino, Pão de Açúcar e Carrefour. Não vi nenhuma razão que beneficiasse o Brasil com essa participação. O que está aparente é que o dinheiro do banco seria usado para pagar os acionistas do Carrefour francês que estão querendo sair do negócio. Nunca se imaginou que esta poderia ser a sua função. O BNDES é uma instituição muito importante para os brasileiros. Concentra um volume substancial de recursos públicos (e que, portanto, são subtraídos de todos os contribuintes) e recursos privados (que, no fundo, são dívidas contingentes do Estado brasileiro) destinados a financiar o desenvolvimento de nossa economia e a estimular o fortalecimento do mercado de capitais. Sua criação, com a sigla BNDE, data de 1952, como instituição destinada ao financiamento dos programas da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, com aportes iniciais de recursos do Banco Mundial e do Eximbank. Posteriormente, incorporou o Finsocial e com ele o “S” da nova sigla e criou uma subsidiária BNDESPar, uma sociedade anônima destinada a agilizar a missão do banco em participações acionárias para, basicamente, fortalecer o mercado de capitais; dinamizar empresas privadas nacionais; facilitar a criação, transferência e incorporação de novas tecnologias e estimular o fortalecimento gerencial de empresas nacionais.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] O BNDES tem um corpo técnico de reconhecida competência. Até duas décadas atrás, escolhiam – ou procuravam escolher – projetos nacionais pioneiros com boa taxa de retorno no longo prazo e alta probabilidade de sucesso. Em anos recentes, porém, ele tem sido induzido por obra e arte do poder executivo de plantão a apoiar ambiciosos programas cujos resultados têm sido duvidosos. Estimularam a criação de oligopsônios combinados com oligopólios (poucos compradores em mercados com milhares de fornecedores e milhões de consumidores), o que lhes dá enorme poder econômico e a possibilidade de controlar as margens de seus fornecedores e impor preços mais altos aos consumidores. Mais do que isso, o BNDES tem sido chamado para salvar bancos privados que se meteram no financiamento entusiasmado de alguns setores sem a preocupação de aumentar-lhes a eficiência. Envolve-se agora, de forma pouco razoável, numa intriga comercial entre dois sócios que nada tem a ver com o interesse nacional. Sem maiores cuidados deu apoio antecipado a uma operação que seria “boa para todos”, exceto para os consumidores e fornecedores brasileiros que mais uma vez seriam contrastados com um aumento do poder econômico. No final, o recurso do BNDES (ou seja, o nosso dinheiro) iria reforçar um “campeão francês” em pura decadência comprando ações na França dos controladores do Carrefour que querem vendê-las e não têm para quem. Delfim Neto/Tribuna da Imprensa

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A taxa de juro natural e a Amazônia

O Brasil está com sinais vitais razoáveis, mas tem de aumentar o emprego e a poupança e gerir melhor o setor público. Antonio Delfim Netto ¹ | VALOR A mais óbvia razão pela qual os economistas não foram capazes de antecipar a tragédia que se preparava no mercado financeiro internacional, e que se concretizou em 2008, talvez resida no fato que a Teoria Macroeconômica e a Teoria da Economia Financeira foram separadas, a ponto de se ignorarem, contrariamente ao sugerido por Keynes e Fisher. James Tobin chamou a atenção para isso em meados dos anos 80 do século passado. Uma provocação curiosa a respeito dessa questão. Aquela separação não encontrou eco na conflagrada economia marxista (Hilferding, Luxemburgo, etc.). Marx, aliás, já advertira que “quando há um colapso total do crédito, nada mais conta, só o pagamento em moeda…e que legislações bancárias como a de 1844-45 (na Inglaterra) podem intensificar a crise monetária. Profeticamente, acrescentou, “nenhuma legislação bancária pode eliminar a crise”, como mais um século depois estamos aprendendo… O Brasil está vivendo um momento interessante depois de ter superado muito bem a crise. Há, entretanto, uma dúvida ampla, geral e irrestrita sobre: 1) a natureza do processo inflacionário que atinge, em grau maior ou menor, todos os países do mundo e 2) as consequências no longo prazo da supervalorização do Real que está destruindo a sofisticada indústria nacional. Todo processo inflacionário se explica por uma combinação variável de três causas: 1) um desequilíbrio persistente entre a oferta e a demanda global de bens e serviços; 2) uma desancoragem (por múltiplas razões, inclusive a anterior) da “expectativa” inflacionária, e 3) um “choque de oferta” interno ou externo. No caso brasileiro é preciso incluir a indexação ainda generalizada que sobrou como resíduo do bem-sucedido Plano Real e para cuja eliminação se fez muito pouco (de fato, acrescentou-se mais veneno) nos últimos oito anos. “Temos hoje, praticamente, uma taxa de câmbio fixa. Trata-se de um mecanismo de legítima defesa.” No regime de câmbio flutuante, quando o choque externo é um grande aumento das relações de troca, ele é “filtrado” por uma valorização da taxa de câmbio. O cabo de guerra estabelecido entre os “falcões” e o governo parece estar amainando, com o reconhecimento que o ajuste dos juros pelo Banco Central (BC) será suficientemente prolongado para promover a convergência da taxa de inflação para o centro da meta de 2012. Aparentemente isto está sendo conseguido: a taxa de juros real produzida pela Selic (que importa mais para o custo da dívida pública) tem sido elevada moderadamente, mas a taxa de juros real do setor privado que controla o consumo e boa parte dos investimentos (não privilegiado por programas especiais), tem se elevado mais fortemente. Este ano a despesa com juros da dívida pública deve beirar a R$ 180 bilhões, uma respeitável Bolsa-Rentista. A comunicação do Banco Central deve ser dirigida à sociedade e não apenas ao sistema financeiro. No fundo, os seus clientes são os cidadãos comuns que só podem ser informados por meio da mídia. São eles (e não apenas os analistas financeiros) que lhe conferem credibilidade. É fundamental para o sucesso da política econômica a informação preventiva, rápida, transparente e honesta do Banco Central, para contrarrestar a natural diversidade de opiniões. Há muitos anos os economistas reconheceram as estreitas relações que existem entre o movimento de capitais, os regimes da taxa de câmbio e a autonomia monetária de cada país. Teorizando sobre situações limites: 1) liberdade absoluta ou controle absoluto dos movimentos de capitais nas relações externas; 2) taxa de câmbio absolutamente flutuante ou taxa de câmbio absolutamente fixa; 3) liberdade absoluta ou constrangimento absoluto para que a política monetária atenda às condições econômicas domésticas e estabilize a economia; e 4) adicionando a hipótese que os agentes são absolutamente racionais e exploram qualquer oportunidade de lucro que possa ser apropriado pela livre arbitragem, demonstra-se, logicamente, que a política econômica de um país não pode satisfazer, simultaneamente, mais do que duas, das três primeiras condições expostas acima. Essa construção lógica constitui o já velho e famoso trilema que condiciona o exercício da política econômica. “A ascensão social da última década produz um desequilíbrio entre a demanda e a oferta.” Em outras palavras, ela pode incorporar quatro situações resumidas a seguir: 1) Liberdade de movimento de capitais e câmbio fixo. Nessa circunstância, o país não pode ter uma política monetária que cuide dos seus interesses internos. Para que haja equilíbrio no longo prazo, a sua taxa de inflação deve ser igual à externa e a taxa real de juros deve ser igual à do “resto do mundo”. Se a taxa de juros interna for maior do que a externa, a acumulação de reservas produzida pela entrada de capital precisa ser neutralizada com o aumento crescente da dívida pública (e do seu custo) e, no limite, será monetizada, criando as condições para a emergência de um processo inflacionário; 2) Controle do movimento de capitais e câmbio fixo. Nesse caso há plena liberdade para a política monetária perseguir os interesses internos do país. Nestas circunstâncias, a taxa de câmbio fixo deve ser o preço relativo que equilibra o valor do fluxo dos bens e serviços exportados com os importados. Se a taxa de inflação gerada pela política monetária autônoma for sistematicamente maior do que a do mundo, a taxa real de câmbio sofre uma lenta valorização e, mais dia, menos dia, acumula-se um déficit em conta corrente. Este regime induz a política monetária a perseguir uma taxa de inflação parecida com a do “resto do mundo”. Trata-se do sistema construído originalmente no Acordo de Bretton Woods que foi erodido pela dominança abusiva do dólar como unidade de conta internacional e moeda reserva. 3) Liberdade de movimento de capitais e câmbio flutuante. Nesse caso a política monetária precisa manter a taxa real de juros interna igual à externa para construir o equilíbrio de longo prazo. Para reduzir a volatilidade da taxa de câmbio ele deve manter também sua taxa de inflação parecida com a de

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