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Cecília Meireles – Poesia – 20/01/24

Boa noite Agitado Cecília Meireles Os violinos choram, soturnos, Dentro da noite morta e triste, Elegias vãs de Noturnos… E nada existe… nada existe… Sombras. A câmara apagada… Sombras… Meu vulto é longe… ausente… Silencio… Calma… Sonho… Nada… Vago, leve, indecisamente… Noite. Que noite!… Pelas bordas Das jarras negras, morrem lírios… Chopin. Falecem pelas cordas Tremulas trêmulos martírios… Andam, no vento, aromas soltos, Saudades lentas… Alto, passa O véu do luar nos céus revoltos, Cheiros de signos de desgraça… No livro “Nunca mais… e poema dos poemas”. 1923.

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Cecília Meireles – Versos na tarde – 15/02/2017

Cenário Cecília Benevides de Carvalho Meireles¹ Passei por essas plácidas colinas e vi das nuvens, silencioso, o gado padecer nas solidões esmeraldinas. Largos rios de corpo sossegado dormiam sobre a tarde, imensamente, — e eram sonhos sem fim, de cada lado. Entre nuvens, colinas e torrente, uma angústia de amor estremecia a deserta amplidão na minha frente. Que vento, que cavalo, que bravia saudade me arrastava a esse deserto, me obrigava a adorar o que sofria? Passei por entre as grotas negras, perto dos arroios fanados, do cascalho cujo ouro já foi todo descoberto. As mesmas salas deram-me agasalho onde a face brilhou de homens antigos, iluminada por aflito orvalho. De coração votado a iguais perigos vivendo as mesmas dores e esperanças, a voz ouvi de amigos e inimigos Vencendo o tempo, fértil em mudanças, conversei com doçura as mesmas fontes, e vi serem comuns nossas lembranças. Da brenha tenebrosa aos curvos montes, do quebrado almocafre aos anjos de ouro que o céu sustêm nos longos horizontes, tudo me fala e entende do tesouro arrancado a estas Minas enganosas, com sangue sobre a espada, a cruz e o louro. Tudo me fala e entendo: escuto as rosas e os girassóis destes jardins, que um dia foram terras e areias dolorosas, por onde o passo da ambição rugia; por onde se arrastava, esquartejado, o mártir sem direito de agonia. Escuto os alicerces que o passado tingiu de incêndio: a voz dessas ruínas de muros de ouro em fogo evaporado. Altas capelas cantam-me divinas fábulas. Torres, santos e cruzeiros apontam-me altitudes e neblinas. Ó pontes sobre os córregos! ó vasta desolação de ermas, estéreis serras que o sol frequenta e a ventania gasta! Armado pó que finge eternidade, lavra imagens de santos e profetas cuja voz silenciosa nos persuade. E recompunha as coisas incompletas: figuras inocentes, vis, atrozes, vigários, coronéis, ministros, poetas. Retrocedem os tempos tão velozes que ultramarinos árcades pastores falam de Ninfas e Metamorfoses. E percebo os suspiros dos amores quando por esses prados florescentes se ergueram duros punhos agressores. Aqui tiniram ferros de correntes; pisaram por ali tristes cavalos. E enamorados olhos refulgentes — parado o coração por escutá-los prantearam nesse pânico de auroras densas de brumas e gementes galos. Isabéis, Dorotéias, Heliodoras, ao longo desses vales, desses rios, viram as suas mais douradas horas em vasto furacão de desvarios vacilar como em caules de altas velas cálida luz de trêmulos pavios. Minha sorte se inclina junto àquelas vagas sombras da triste madrugada, fluidos perfis de donas e donzelas. Tudo em redor é tanta coisa e é nada: Nise, Anarda, Marília… — quem procuro? Quem responde a essa póstuma chamada? Que mensageiro chega, humilde e obscuro? Que cartas se abrem? Quem reza ou pragueja? Quem foge? Entre que sombras me aventuro? Quem soube cada santo em cada igreja? A memória é também pálida e morta sobre a qual nosso amor saudoso adeja. O passado não abre a sua porta e não pode entender a nossa pena. Mas, nos campos sem fim que o sonho corta, vejo uma forma no ar subir serena: vaga forma, do tempo desprendida. É a mão do Alferes, que de longe acena. Eloquência da simples despedida: “Adeus! que trabalhar vou para todos!…” (Esse adeus estremece a minha vida.) ¹Cecília Benevides de Carvalho Meireles * Rio de Janeiro, Brasil – 7 de Novembro de 1901 + Rio de Janeiro, Brasil – 9 de Novembro de 1964 [ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”]

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Cecília Meireles – Versos na tarde – 21/03/2015

Entusiasmo Cecília Meireles ¹ Por uns caminhos extravagantes, Irei ao encontro desses amores – por que suspiro – distantes. Rejeito os vossos, que são de flores. Eu quero as vagas, quero os espinhos e as tempestades, senhores. Sou de ciganos e de adivinhos. Não me conformo com os circunstantes e a cor dos vossos caminhos. Ide com os zoilos e os sicofantes. Mas respeitai vossos adversários, que nem querem ser triunfantes. Vou com sonâmbulos e corsários, poetas, astrólogos e a torrente dos mendigos perdulários. E cantamos fantasticamente, pelos caminhos extravagantes, para Deus, nosso parente. ¹ Cecília Benevides de Carvalho Meireles * Rio de Janeiro, Brasil – 7 de Novembro de 1901 d.C + Rio de Janeiro, Brasil – 9 de Novembro de 1964 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Cecília Meireles – Prosa na tarde – 20/09/2014

A Arte de Ser Feliz Cecília Meireles ¹ HOUVE um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul.Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia estar pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa e sentia-me completamente feliz. HOUVE um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebe- las? Eu não era mais criança, porém a minha alma ficava completamente feliz. HOUVE um tempo em que minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto,e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu participava do auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz. HOUVE um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz. MAS, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim. ¹ Cecília Benevides de Carvalho Meireles * Rio de Janeiro, Brasil – 7 de Novembro de 1901 d.C + Rio de Janeiro, Brasil – 9 de Novembro de 1964 d.C [ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”]

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Cecília Meireles – Versos na tarde – 04/06/2014

Se eu fosse apenas… Cecília Meireles ¹ Se eu fosse apenas uma rosa, com que prazer me desfolhava, já que a vida é tão dolorosa e não te sei dizer mais nada! Se eu fosse apenas água ou vento, com que prazer me desfaria, como em teu próprio pensamento vais desfazendo a minha vida! Perdoa-me causar-te a mágoa desta humana, amarga demora! – de ser menos breve do que a água, mais durável que o vento e a rosa… ¹ Cecília Benevides de Carvalho Meireles * Rio de Janeiro, Brasil – 7 de Novembro de 1901 d.C + Rio de Janeiro, Brasil – 9 de Novembro de 1964 d.C [ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”]

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Cecília Meireles – Prosa na tarde – 26/01/2014

A quinhentos metros Cecília Meireles¹ A quinhentos metros, os vossos belos olhos desaparecem; e essa claridade do vosso rosto; e a fascinação da vossa palavra. É uma pena (eu também acho que é uma pena!), mas, a quinhentos metros, tudo se torna muito reduzido: sois uma pequena figura sem pormenores; vossas amáveis singularidades fundem-se numa sombra neutra e vulgar. Ao longe, caminhais como qualquer pessoa – e até como certas aves: é o que resta de vós: esse ritmo, na imensa estrada que também se vai projetando, estreita e indistinta, sobre o horizonte. Bem sei que tendes muitas inquietações: há um mês de maio na vossa memória, e um campo em flor, e um arroio que cantava numas pedrinhas, e depois muitas, muitas cidades grandiosas e indiferentes, e teatros acesos, ramos de flores, ceias, risos, vozes, adereços de turquesa, – bem sei, bem sei. Bem sei que tudo isso ficou a mais de quinhentos metros, e ainda de longe continuais a sofrer. Mas, para quem vos olha a uma distância de quinhentos metros, essas dimensões que levais convosco deixam de existir. As canções que aprendestes e a dor que sabeis, nada se avista daqui. Sois uma sombra muito pequenina, prestes a perder mesmo o ritmo do passo, a parecer parada como o próprio chão. Podereis ir para um lado ou para o outro: daqui a pouco nem saberemos para onde fostes: e as vossas decisões estarão fora do nosso alcance, como vós estareis fora da nossa vista. É bem triste tudo isso, porque nós vos amamos, e gostaríamos de responder, se por acaso nos chamásseis: mas, a quinhentos metros, é bem difícil ouvirmos a vossa voz. Mandamos pelo ar nossos bons pensamentos: mas, que acontece aos pensamentos, mesmo aos melhores, desde que partem, desde que se desprendem de nós? Onde vão pousar os nossos bons pensamentos? E as pessoas a quem os dirigimos serão exatamente aquelas que os encontram? Tenho muita pena de tudo isso: mas a pena vai ficando também menor, cada vez menor, à medida que avançais para longe: o sofrimento acompanha seu dono; nós apenas o vemos, e algumas vezes o compreendemos, sem, no entanto, o podermos tomar para nós, desfazê-lo ou dar-lhe outra direção. E ele também vai ficando pequenino, diminuindo, com a distância, para nós que não o carregamos, que apenas ouvimos dizer que existe. É como, nos mapas, o desenho de um rio que jamais encontramos: é certo que passa por ali, mas não sabemos nada de suas histórias, reflexos e ecos. A quinhentos metros, na verdade, há muita ausência, vamos acabando muito depressa. Pensai que, geralmente, neste mundo, há sempre cerca de quinhentos metros de uma pessoa para outra! Somos só desaparecimento. E apenas quando conseguimos ficar, também, a quinhentos metros de nós mesmos, encontramos algum sossego. Porque, então, é a vez dos nossos tormentos mudarem de proporções e aspecto. De serem vistos só de longe, sem pormenores, sem voz, sem ritmo: nem mês de maio, nem flores, nem arroio. Talvez a memória serenada. Talvez nem a memória…- É assim em quinhentos metros! ¹Cecília Benevides de Carvalho Meireles * Rio de Janeiro, Brasil – 7 de Novembro de 1901 d.C + Rio de Janeiro, Brasil – 9 de Novembro de 1964 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Cecília Meireles – Versos na tarde

Explicação Cecília Meireles ¹ Aqui está minha vida. Esta areia tão clara com desenhos de andar dedicados ao vento. Aqui está minha voz, esta concha vazia, sombra de som curtindo seu próprio lamento Aqui está minha dor, este coral quebrado, sobrevivendo ao seu patético momento. Aqui está minha herança, este mar solitário que de um lado era amor e, de outro, esquecimento. ¹ Cecília Benevides de Carvalho Meireles * Rio de Janeiro, Brasil – 7 de Novembro de 1901 d.C + Rio de Janeiro, Brasil – 9 de Novembro de 1964 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Cecília Meireles – Versos na tarde

Poema Cecília Meireles ¹ No mistério do sem-fim equilibra-se um planeta. E, no planeta, um jardim, e, no jardim, um canteiro; no canteiro uma violeta, e, sobre ela, o dia inteiro, entre o planeta e o sem-fim, a asa de uma borboleta ¹ Cecília Benevides de Carvalho Meireles * Rio de Janeiro, Brasil – 7 de Novembro de 1901 d.C + Rio de Janeiro, Brasil – 9 de Novembro de 1964 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Normal]

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