A ‘maré cinza’ de Doria toma São Paulo e revolta grafiteiros e artistas
Prefeitura apaga grafites da av. 23 de Maio e diz, agora, que fará seleção de novos artistas Funcionário apaga pichação contra Doria em São Paulo. FERNANDO CAVALCANTI Para especialista, declarar “guerra ao picho” é “tiro no pé” do novo prefeito da cidade O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), declarou guerra contra pichadores, grafiteiros e artistas de rua. Vestido com roupas de funcionários da limpeza municipal, ele e seu secretario de subprefeituras, o também tucano Bruno Covas, cobriram com tinta cinza, a cor característica da cidade, pichações e grafites nos últimos dias.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”] A ação faz parte do programa Cidade Linda, que prevê reparo em calçadas e pintura de muros em vários bairros da capital. Depois de apagar parte do mural de grafites da avenida 23 de Maio, um dos mais tradicionais de São Paulo, Doria mostrou satisfação: “Pintei com enorme prazer três vezes mais a área que estava prevista para pintar, exatamente para dar a demonstração de apoio à cidade e repúdio aos pichadores”. O tucano não é o primeiro a encampar a batalha contra o que para uns é apenas vandalismo, e para outros é arte e expressão urbana. Todos os prefeitos da cidade, independentemente do partido e com menor ou maior afinco, colocaram em prática ações para apagar e coibir o que se convencionou chamar de “arte de rua não autorizada”. Mas o tucano parece disposto a levar o embate com pichadores e grafiteiros a um novo patamar. “Se preferirem continuar pichando a cidade, terão o rigor da lei. É tolerância zero”, disse após apagar os grafites da 23 de Maio, que segundo ele já estavam antigos e haviam sido pichados. A ação desatou apoio, mas também uma chuva de críticas nas redes sociais e fora delas, onde artistas de várias áreas e paulistanos comuns criticaram a falta de diálogo na tomada de decisões e acusaram a gestão de apagar grafites mesmo sem estar, segundo os critérios da prefeitura, “danificados” por pichações. A comoção foi tal que o secretário da Cultura, André Sturm, disse em entrevista ao Estado de S. Paulo nesta terça que a avenida pode receber um Festival do Grafite, com artistas recrutados pela prefeitura e materiais fornecidos pela gestão. Tudo, explicou Sturm, para responder ao “ruído” provocado pela maré cinza. “Ficou muito cinza e há uma vontade de fazer”, disse o secretário. Especialistas apontam que a cruzada do prefeito tem tudo para ser um tiro no pé – assim como ocorreu com seus antecessores. “O picho trabalha com a noção de perseguição e proeza. Então se ele diz que vai perseguir pichadores, isso pode servir como atrativo para que os jovens pichem mais ainda”, afirma Alexandre Barbosa Pereira, antropólogo e professor da Unifesp que fez seu mestrado sobre o tema. De acordo com ele, desde que Jânio Quadros foi prefeito, em 1985, iniciativas de combate ao picho são implementadas “e são malsucedidas”. Nesta terça-feira, Doria teve mais um amostra do tipo de jogo de paciência que resolveu travar com os pichadores: os novos muros cinzas da 23 de Maio foram pichados com frases alusivas ao prefeito _e logo pintados de novo pela prefeitura. Dias antes, várias pichações específicas contra o prefeito surgiram na cidade. Picho e Deic Doria passa tinta cinza em mureta da 23 de Maio. F. A. / SECOM-PMSPO jovem RGS/BR, de 25 anos, foi um dos três pichadores que escreveu “Fora Temer” e “Doria Pixo é Arte” nas paredes de um prédio em frente ao Terminal Bandeira, no centro de São Paulo, já na esteira da “guerra do spray” reativada.Ele afirma que o discurso de “tolerância zero” de Doria pode fazer com que a polícia “passe a ser mais violenta com os pichadores, uma vez que essa truculência tem o aval dos governantes”. Ele cita um caso ocorrido em 2014, no qual cinco PMs foram acusados de matar dois pichadores rendidos em um prédio no bairro da Mooca, na zona leste da cidade. Pixação diz também que mesmo grafiteiros famosos, como os Gêmeos, “que fazem rolê de burguês, em galeria de arte, também estão riscando a casa dos bacanas de forma ilegal”. No Brasil tanto a pichação ou o grafite feito em prédios públicos ou privados sem autorização é crime, com pena prevista de três meses a um ano de prisão mais o pagamento de multa. A pena de prisão, no entanto, é geralmente convertida em serviços comunitários. Neste front legal, os pichadores também podem sentir os efeitos da nova cruzada. Doria já disse que quer aumentar o valor da multa e, na segunda-feira, o secretário da Segurança Pública do Governo Alckmin, Mágino Alves, o principal aliado de Doria, anunciou que o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) vai atuar contra o grupo de pichadores. Vídeo feito pela artista plástica Barbara Goy mostra pintura dos grafites da av. 23 de Maio e foi compartilhado quase 60.000 vezes no Facebook. Para antropólogo e professor da Unifesp Pereira, além da desigualdade social, espacial e da desorganização da cidade, uma parcela da população é levada para a pichação porque ela oferece “visibilidade e projeção social para o jovem periférico, que resolve circular e ocupar o centro da cidade”. “É preciso fomentar práticas e políticas públicas para que este jovem se expresse de outras maneiras que não o picho, e isso não tem sido feito”, diz o professor. Guilherme Valiengo, um dos diretores do documentário Cidade Cinza, sobre a cena do grafite e da pichação em São Paulo, afirma que o prefeito precisa tentar entender quem é esse “transgressor”. “Se o cara está botando o nome dele no topo de um prédio ou na rua é porque ele quer dizer alguma coisa. Será que essa é a única oportunidade que ele tem de aparecer? É preciso entender quem são essas pessoas, se elas têm acesso a entretenimento, saúde e cultura. Apenas apagar é querer calar essa voz”, diz. Em nota, o grupo Pixoação criticou as medidas de Doria. “O prefeito pede que os pichadores (sic) se tornem artistas. Primeiro podemos