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Crianças, tráfico de drogas e pena de morte

As crianças e os adolescentes jurados de morte pela polícia e pelo tráfico de drogas Ilustração de Julio Falas Em São Paulo, burocracia e atrasos em repasses de verbas de programa especial deixam sem proteção jovens ameaçados de morte. Em 2017, 48% das ameaças vieram de policiais. Diante dos Defensores Públicos da Vara da Infância e Juventude de São Paulo, Gorete afirma se sentir mal com a possibilidade de “perder” o filho, ameaçado por policiais militares em fevereiro. Ela pede que D., que deixou a Fundação Casa recentemente, seja atendido pelo Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), instituído em 2007 pelo governo federal. “Eles entraram na minha casa com o intuito de matar o meu filho. Não tinham nem a identificação na farda”, conta emocionada, ao relembrar o episódio. Apesar de a Defensoria avaliar como concreto o risco de o adolescente morrer, mãe e filho saíram da conversa sem a garantia de ingresso no PPCAAM. O problema, explicou depois a defensora Claudia Abramo, é que o programa paulista não tem aceitado novos casos desde janeiro. “A gente manda para inclusão e recebe de volta”. “O que a gente faz é conversar com o adolescente e família para entender a extensão desta ameaça. Isso é frágil, mas é o que a gente tem hoje”, reclama. Gorete relatou que a ameaça ocorreu por volta da meia-noite, quando quatro policiais teriam revirado sua casa em busca de um revólver. “Disseram que meu filho foi denunciado. Como não acharam nada, colocaram uma arma na cabeça da minha filha de 12 anos. ‘Onde o seu irmão guarda uma [arma] dessa aqui, ó?’” Em seguida, disseram que dariam “um descanso” no adolescente. “Perguntei ‘que tipo de descanso?’. Um olhou para a cara do outro: ‘Vamos fazer assim: quando seu filho chegar, você liga pra gente’. Eu comecei a chorar e falei: ‘Não, eu não vou ligar. Não vou dar meu filho de bandeja pra vocês’. ‘A senhora é mãe, né? Mas a gente vai voltar e, quando a gente voltar, a gente dá cabo do seu filho aqui’.” Após o episódio, o menino não dormiu mais em casa. Na mesma noite, a mãe saiu à sua procura pelas ruas do bairro e o encontrou antes dos policiais. Para protegê-lo, contou com a “rede de proteção” dos amigos e abrigou-o na casa de um conhecido. “Eu sinto medo. Quando vejo uma viatura, fico olhando para ver se são eles. Fico na casa dos meus amigos, jogando videogame, durmo lá. Só vou pra casa às vezes para falar com a minha mãe e a avó, para dizer que estou bem”, disse D. aos defensores. Além da Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça e Conselho Tutelar são as outras portas de entrada para o PPCAAM, que é realizado por meio de dois convênios: um da União com os estados e outro de cada estado com as ONGs executoras. Na ausência do programa, é implementado um Núcleo Técnico Federal ligado diretamente à coordenação nacional do PPCAAM. Atualmente, além de São Paulo, o programa abrange 13 estados. Em São Paulo, o Conselho Tutelar é a principal porta de entrada. Em 2015, por exemplo, representou 45% das demandas, segundo a ONG que o executa, a Samaritano Francisco de Assis. Fernando Prata, conselheiro tutelar na zona sul da cidade, afirma que o programa está desarticulado. “Ele não está funcionando, está suspenso por falta de verba. Nós estamos sem esse serviço.” “Eles enquadram, rasgam o RG…”  Além do caso de D., outros relatos dramáticos constam de um documento interno da Defensoria. “A gente tem recebido casos de ameaça de morte quase todos os dias”, afirma a defensora Claudia. “Há casos urgentes, e o PPCAAM é o nosso único meio efetivo de lidar com essas ameaças.” É caso do pai de R., adolescente ameaçado por policiais. “Eu não quero, Deus o livre, enterrar o meu filho; quero que meu filho me enterre.” Segundo o documento, R. já foi “enquadrado” e espancado duas vezes. Dorme e acorda com medo. Passou dias fora de casa para fugir da situação. Só retornou para a região onde foi ameaçado para o enterro do amigo de infância, um ano mais novo, morto pela polícia. Quando questionado sobre as ameaças sofridas, o jovem de 16 anos responde: “É uma tortura”. Uma técnica do serviço de medida socioeducativa desabafou para a Defensoria: “A coisa tá feia por lá; tá difícil até para os meninos cumprirem as medidas, porque são abordados no caminho; eles [a polícia] enquadram, rasgam o RG…”. Em outro caso, L., com poucos dias de liberdade da Fundação Casa, está ameaçado de morte por traficantes da região onde mora. Sua mãe não sabe o que fazer, e o adolescente, segundo a defensoria, “clama que alguém o ajude a sair dali”. O documento conclui que “a proteção, que deveria estar garantida, também está sob ameaça. São vidas duas vezes desprotegidas, negligenciadas e silenciadas”. A reportagem da Pública apurou a situação dos repasses para todos os estados onde o programa está ativo: São Paulo é o único onde não estão ocorrendo novas inclusões. Documento obtido pela Pública, assinado pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania (SJDC), que coordena o programa no estado, confirma a situação e aponta como causa para o freio às novas adesões a insuficiência de recursos e a redução de equipe técnica. “Parte do problema é a falta de previsão, por parte do Governo Federal, do valor a ser encaminhado ao programa”, o que teria gerado uma “insegurança na equipe atual ante as novas demandas”, diz o texto. Em resposta à reportagem, a Secretaria de Justiça esclarece que desde janeiro 34 novos casos não puderam ser atendidos. No entanto, a SJDC garantiu “a continuidade do programa sem o comprometimento” dos atuais 80 casos em vigência. Em resposta, o governo federal confirma os “atrasos em alguns repasses”, mas afirma que “não constam” mais “restos a pagar” em nenhum convênio, o que inclui “São Paulo e os demais Estados que executam o programa”. Ressalta ainda

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Mudança de regra pelo STF agiliza detenções, mas pode lotar prisões

Uma decisão que deve reduzir a sensação de impunidade, mas, se levada à risca em todos os casos, pode aumentar o caos penitenciário em um país com uma população carcerária uma e meia vez maior do que suas prisões comportam.   Este deve ser o resultado de um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu que condenados em segunda instância devem ser presos antes mesmo do julgamento de outros recursos a tribunais superiores. MAIS INFORMAÇÕES Na contramão dos grandes países, Brasil aumenta o número de presos Cadeias seguem superlotadas e sob o domínio de facções Relatório mostra que a tortura ainda é um método de investigação no Brasil Apesar de a decisão do Supremo ser sobre um caso específico, sem a vinculação direta de outros processos a ela, a jurisprudência foi criada e tem sinalizado um caminho para definições em diversas esferas da Justiça. E os primeiros resultados já começaram a aparecer menos de uma semana depois de o STF  entender que basta um réu ser condenado por um órgão colegiado para ele ir direto para a prisão – ou seja, teria de ser julgado por um juiz de primeira instância e por um tribunal estadual ou federal para seguir para a cadeia.[ad name=”Retangulos – Direita”] O primeiro dos casos envolve o ex-seminarista Gil Rugai, que na segunda-feira retornou para a cadeia. Em 2013, Rugai foi condenado a 33 anos de prisão pelo Tribunal de Justiça de São Paulo por ter assassinado seu pai e sua madrasta no ano de 2004. Ele chegou a ser preso, mas estava há quase dois anos respondendo à ação em liberdade. O segundo caso foi o do ex-senador pelo Distrito Federal Luiz Estevão. Condenado a 31 anos de detenção pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região por desviar cerca de 3 bilhões de reais da obra de construção do Fórum da Barra Funda, de São Paulo, Estevão aguarda o julgamento de seus recursos em liberdade. Porém, no último dia 23, a Procuradoria Geral da República solicitou que ele fosse preso imediatamente. Essa solicitação ainda não foi julgada pelo Judiciário. Sensação de impunidade e falta de lei A decisão sobre a prisão revisou um entendimento do próprio STF de 2009, quando a composição do órgão era distinta da atual. Além dessa diferença entre os magistrados, os ministros decidiram sob a influência de dois importantes aspectos: um vácuo legislativo sobre a questão e a crescente sensação de impunidade vigente na sociedade brasileira. “A sensação de impunidade é algo que não temos como medir hoje, não somos uma ciência exata. Mas poderemos notar se haverá alguma mudança nas decisões nos próximos meses”, ponderou o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes. O posicionamento dele é similar ao de boa parte dos operadores do Direito, com exceção dos advogados, que afirmaram que a decisão poderá causar “danos irreparáveis na vida das pessoas que forem encarceradas injustamente”, conforme uma nota emitida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Se essa impunidade acabar, consequentemente, boa parte dos que estão sendo processados deverão seguir para as superlotadas penitenciárias brasileiras. Conforme o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), hoje há 607.731 detentos em 376.669 vagas – cerca de 250.000 são presos provisórios, aqueles que não passaram por nenhum julgamento desde quando foram detidos. Com os dados de hoje, já seriam necessárias a construção no país inteiro de 300 novas prisões para comportar essa população. O cálculo foi feito levando em conta o padrão paulista de penitenciária, com 768 vagas. A situação pioraria caso os magistrados resolvessem ser céleres e julgassem os 71 milhões de processos criminais que tramitam na primeira instância e os 2 milhões que estão na segunda. Hipoteticamente, se todos casos de segunda instância que estão nos tribunais acabassem em condenação, teríamos um a cada cem brasileiros presos. “Não é de agora que temos de resolver nossa questão penitenciária. Não podemos ter masmorras como são hoje”, afirmou Fernandes. Reações Enquanto os ministros atuam sob um vácuo legislativo, o Congresso Nacionaldebate a possibilidade de mudança na legislação. Desde o ano passado, está pronta para ser votada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 15/2011 que trata exatamente dos recursos ao STF e ao STJ. Se aprovada, ela coibiria as práticas protelatórias dos julgamentos que visam, quase que exclusivamente, manter os condenados o maior tempo possível distante da prisão. Em alguns casos, até que o crime que ele cometeu prescreva. O projeto ainda não tem data para entrar na pauta de votações. Questionado sobre a decisão do Supremo, o presidente do STJ, Francisco Falcão, a chamou de histórica e disse que ela deverá reduzir a carga de trabalho nos tribunais superiores. “[A decisão] vai evitar a procrastinação por parte de advogados e de réus, que os processos se eternizem ou que a sociedade nunca assista quem comete um delito ir para a cadeia”. No mesmo sentido seguiu o juiz Sérgio Moro, responsável pela operação Lava Jato e um dos principais defensores da mudança legislativa que tramita no Congresso. “A decisão do Supremo fechou uma das janelas da impunidade no processo penal brasileiro”, afirmou por meio de nota. Do outro lado, advogados chiaram. “A OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] possui posição firme no sentido de que o princípio constitucional da presunção de inocência não permite a prisão enquanto houver direito a recurso”, afirmou a ordem em nota. Já o presidente da Associação Brasileira de Advogados Criminais, Luiz Flávio Borges D’Urso, a considerou um “retrocesso e um desastre humanitário” e apelou ao cristianismo para se justificar. “Por mais que se sustente que a ‘voz das ruas’ irá aplaudir essa decisão, lembremo-nos sempre que foi a ‘voz das ruas’ que condenou à morte Jesus Cristo”. Nossa justiça é realizada por homens e os homens são falíveis, assim, também nossa justiça é falível”. Os “cristos” que estão no alvo do Supremo, no entanto, são os ‘colarinhos brancos’ que têm mais dinheiro para entrar com recursos e questionar decisões nos tribunais, estendendo o processo de olho na prescrição do crime. Em artigo em “O

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