A inteligência artificial como mito e fetiche – Thomas Meyer
A inteligência artificial como mito e fetiche. Thomas Meye O progresso e o desenvolvimento sempre estiveram entre os principais artigos de fé do capitalismo. Os sucessos (muitas vezes duvidosos) da transformação técnica e da utilização da natureza e dos seres humanos não podem ser ignorados. Mas estes desenvolvimentos também podem ter consequências psicossociais e ecológicas fatais. Não se pode dizer que o progresso técnico seja uma boa ideia em si mesmo, ou que conduza efectivamente a uma maior prosperidade, como muitas vezes se afirma. Os desenvolvimentos técnicos, ou melhor, os paradigmas de desenvolvimento técnico, situam-se no contexto do movimento de valorização do capital. Se uma nova tecnologia promete uma vantagem em termos de custos ou abre novas possibilidades de acumulação sob a forma de inovação de processos de produção ou de (alargado) consumo maciço de mercadorias, ela é desenvolvida e produzida, ao mesmo tempo que se afirma a sua necessidade e inevitabilidade (embora também possa ser mais barato desgastar os trabalhadores do que racionalizar o seu uso através da tecnologia). A automatização não é implementada em todos os lugares onde é teoricamente possível, uma automatização nem sempre é viável na prática (ver Becker 2017 e Moody 2019). A ideologia capitalista do progresso e do desenvolvimento vem sempre acompanhada de um certo optimismo e de numerosas promessas de felicidade. E, inversamente, com um pessimismo em relação ao habitual e a ameaça implícita ou explícita de que temos de aceitar o progresso como destino, somos levados a adaptarmo-nos e a reinventarmo-nos com “autodeterminação”. Caso contrário, seremos simplesmente um dos “perdedores”, para os quais se encontram, sem dúvida, racionalizações biologistas que fornecem uma “explicação” genética ou neurológica para a pobreza, o conservadorismo etc. Não é por acaso que estas promessas se baseiam numa pretensão ideológica ou completamente exagerada, muitas vezes insustentável e assente em pressupostos e antropologias materialistas ou utilitaristas vulgares que não são objecto de maior tematização (ver Schnetker 2019). Ao mesmo tempo, o desenvolvimento tecnológico, com as suas promessas por vezes insanas, está ligado à correspondente música de fundo legitimadora. É repetidamente enfatizado como o desenvolvimento tecnológico é imparável, como é desejável e inevitável e que oportunidades, mas também riscos, ele acarreta. Quando se diz que “o desenvolvimento já não pode ser travado”, então este desenvolvimento parece imparável para os optimistas/apocalípticos e também para os “realistas”, uma vez que as dinâmicas sociais subjacentes a este desenvolvimento não são escrutinadas nem questionadas enquanto tais. Não se trata aqui de uma lei natural que se impõe (como no caso de uma iminente erupção vulcânica, que não poderia de facto ser travada), mas é o movimento de valorização fetichista do capital que aparece aos sujeitos a ele submetidos como tal, embora não o seja (cf. Kurz 2012). Seja qual for a questão, o “progresso” é a solução, que muitas vezes mais não significa que digitalizar e reduzir custos. O crítico da digitalização Evgeny Morozov chamou a esta forma de pensar, de só ver pregos em todo o lado e ter sempre apenas um martelo pronto para cada problema, “solucionismo” (Morozov 2013). Os discípulos particularmente ávidos do solucionismo são os ideólogos de Silicon Valley e, em especial, os representantes da ideologia transumanista, que nem se coíbem de considerar a racionalização dos seres humanos como tais e até consideram desejável que o ser humano desapareça ou se transforme num “ciborgue” (cf. Wagner 2016). O transumanismo é assim um culto tecnocrático da morte (cf. Konicz 2018 e Meyer 2020) que actualiza o darwinismo social e a eugenia (cf. Jansen 2018). Estas ideologias legitimadoras e os seus “profetas” têm, de facto, aspectos que se encontram habitualmente nos fundamentalistas religiosos. Não foi por acaso que surgiu o termo “evangelista da tecnologia”. Os ideólogos da IA acreditam que os seres humanos, devido à sua falibilidade, precisam de uma inteligência artificial criada pelo homem para lidar com as alterações climáticas, por exemplo. Os transumanistas lutam pela salvação através da tecnologia, mas isso pode incluir a destruição dos seres humanos. Para além dos big data e da digitalização (Meyer 2018), há um entusiasmo quase omnipresente no actual regime capitalista (ao qual pertence naturalmente o “socialismo de estilo chinês”) com a chamada inteligência artificial (cf., por exemplo, Simanowski 2020). A inteligência artificial tem estado na boca de todos pelo menos desde que o ChatGPT foi lançado, no final de 2022. O que é que podemos pensar do entusiasmo em torno da inteligência artificial? Estão a ser previstas grandes rupturas na economia (Indústria 4.0, Internet das Coisas) e a IA irá ultrapassar e substituir os seres humanos. Os seres humanos são mais ou menos um modelo descontinuado. A IA pode e vai ser utilizada na educação, na medicina, na logística, na indústria cultural, no jornalismo, nas forças armadas, na arte etc., em todo o lado. A perspectiva é que muitos empregos ou trabalhos desapareçam por completo, estando as consequências sociais mais uma vez a ser banalizadas. As pessoas tendem a entorpecer-se com a ignorância ou com o optimismo de que serão criadas inúmeras novas oportunidades de emprego, havendo sempre uma ameaça latente contra aqueles que ficam pelo caminho na “viagem para Jerusalém” e não se mostram suficientemente flexíveis ou resistentes. No entanto, a IA não está a criar um paraíso de alta tecnologia, como nos querem fazer crer os pregadores fundamentalistas da IA, mas sobretudo trabalho precário. A IA como “inteligência capitalista” (ver wildcat n.º 112, 42ss. e Seppmann 2017) serve para racionalizar o capital, ou seja, para reduzir custos, acelerar a logística, comprimir o trabalho, acelerar e manter o processo de valorização e continuar a concorrência a todos os níveis. Como mostram os desenvolvimentos actuais ou “iminentes”, os sistemas de IA são ideais para gerir a crise (ver Konicz 2024). Estão predestinados a subjugar o “material humano” capitalista através da análise de enormes quantidades de dados (big data) e a avaliá-lo e seleccioná-lo de acordo com a sua utilidade ou “viabilidade futura” (acção penal, seguros, saúde, vigilância etc.). Quando os sistemas de IA fazem previsões, fazem-no sempre com base numa avaliação estatística