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“1984”, de Orwell, lidera lista de mais vendidos nos EUA

Vendas do livro disparam no site da Amazon após Trump e sua equipe contestarem relatos da imprensa e oferecerem “fatos alternativos”.  História escrita por Orwell se passa numa sociedade onde fatos são constantemente distorcidos, num regime totalitário de constante vigilância e manipulação. O romance de George Orwell 1984 voltou às listas de livros mais vendidos nos Estados Unidos nesta terça-feira (24/01), após uma série de declarações incorretas ou imprecisas terem sido feitas pelo presidente Donald Trump e membros de sua administração.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”] Publicado pela primeira vez em 1949, o clássico de Orwell é um conto distópico que tem lugar numa sociedade onde os fatos são distorcidos e suprimidos numa nuvem de “novilíngua”. O livro chegou ao topo da lista de mais vendidos da Amazon nesta terça-feira. Capa de uma edição em inglês Paralelos com o livro foram feitos após Trump alegar que milhões de votos ilegais foram contados contra ele na eleição presidencial. A conexão foi reforçada neste domingo, quando Kellyanne Conway, uma assessora do presidente, falou de “fatos alternativos” para se referir às declarações do porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, de que a posse de Trump teve o maior público da história. A declaração provocou enorme controvérsia nas redes sociais, envolvendo até mesmo o dicionário Merriam-Webster, que, após um aumento repentino da pesquisa pelo significado da palavra “fato”, ressaltou que um fato é uma informação baseada na realidade objetiva. A demanda pelo livro é tão grande que a editora Penguin programou uma impressão adicional de 75 mil cópias. A revista The Hollywood Reporter também noticiou que um filme está sendo preparado pela Sony e o diretor Paul Greengrass, o que seria a terceira adaptação do livro. Mas 1984 não é o único livro escrito há décadas a invadir as listas dos mais vendidos esta semana devido a eventos políticos. O romance escrito por Sinclair Lewis em 1935 It Can’t Happen Here (Isso não pode acontecer aqui) sobre a eleição de um presidente autoritário nos Estados Unidos, está no lugar 46 da lista dos mais vendidos desde 25 de janeiro. O romance distópico de Aldous Huxley Admirável mundo novo, publicado em 1932, ocupa a posição 71, enquanto a obra de não-ficção de Hannah Arendt Origens do totalitarismo tem apresentado um aumento nas vendas. Fontes:MD/ap/afp

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A atualidade chocante de ‘Admirável Mundo Novo’

Oito décadas depois, romance de Huxley ganha nova atualidade, ao alertar que sociedades de controle podem apoiar-se, além da repressão, na tecnologia e culto do “progresso” Breve, terão se completado 75 anos da primeira edição brasileira (1941) de Admirável Mundo Novo1, grande romance perturbador lançado em 1932, na Inglaterra, pelo visionário filósofo e escritor Aldous Huxley. Diante de tanta “felicidade artificial” em nossos dias, tantas manipulações e tantos condicionamentos contemporâneos, cabe perguntar: seria útil reler Admirável Mundo Novo? Acaso é necessário retomar um livro escrito há mais de oito décadas, numa época tão distante que a Internet não existia e sequer a TV havia sido inventada? Seria este romance algo mais que uma curiosidade sociológica, um best-seller ordinário e efêmero, de que se venderam, em inglês, mais de um milhão de exemplares, já no ano de sua publicação? Estas questões parecem ainda mais pertinentes porque o gênero a que pertence a obra – ficção científica, distopia, fábula de antecipação, a utopia científico-técnica – possui um grau muito elevado de obsolescência. Nada envelhece mais rápido que o futuro, sobretudo na literatura.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] No entanto quem, superando estas reticências, mergulhar nas páginas do romance ficará chocado por sua surpreendente atualidade. Ficará claro que, pelo menos uma vez, o passado capturou o presente. Recordemos que o autor, Aldous Huxley (1894-1963), narra uma história que transcorre num futuro muito distante, próxima ao ano 2500 ou, mais precisamente “no ano 600 da Era Fordiana”, em alusão satírica a Henry Ford (1863-1947), pioneiro norte-americano da indústria automobilística e inventor de um método de organização de trabalho para a fabricação em série e padronização de peças. Tal método, conhecido como “fordismo”, transformou os trabalhadores em algo inferior a autômatos, robôs que repetiam, ao longo da jornada de trabalho, um único gesto. Sua emergência suscitou, à época, críticas violentas: pensemos, por exemplo, nos filmes Metropolis (1926), de Fritz Lang, ou Tempos Modernos (1935), de Charles Chaplin. Aldous Huxley escreveu Admirável Mundo Novo, visão pessimista do futuro e crítica feroz do culto positivista à ciência, num momento em que as consequências sociais da grande crise de 1929 afetavam em cheio as sociedades ocidentais, e em que a crença no progresso e nos regimes democráticos parecia vacilar. Publicado em inglês antes da chegada de Hitler ao poder na Alemanha (1933),Admirável Mundo Novo denuncia a perspectiva “de pesadelo” de uma sociedade totalitária fascinada pelo progresso científico e convencida de poder oferecer a seus cidadãos uma felicidade obrigatória. Apresenta a visão alucinada de uma humanidade desumanizada pelo condicionamento pavloviano2 e pelo prazer ao alcance de uma pílula (o “soma”). Num mundo horrivelmente perfeito, a sociedade decide totalmente, com fins eugenistas e produtivistas, a sexualidade da procriação. É uma situação não tão distante da que se vive hoje em alguns países (sobretudo na Europa), em que os efeitos da crise de 2008 estão provocando o ascenso de partidos de extrema direita, xenófobos e racistas. Onde os anticoncepcionais já permitem um amplo controle da natalidade. E onde novas pílulas (como o Viagra e a femininaLybrido) dopam o desejo sexual e o prolongam até além da terceira idade. Ao mesmo tempo, as manipulações genéticas permitem cada vez mais aos pais a seleção de embriões, para engendrar filhos em função de critérios pré-determinados – inclusive estéticos. Outra relação surpreendente com a atualidade é que o romance de Huxley apresenta um mundo onde o controle social não dá espaços ao acaso, onde, formadas a partir do mesmo molde, as pessoas são “clônicas”, produzidas em série. A maioria tem garantidos o conforto e a satisfação dos únicos desejos que está condicionada a experimentar, mas perdeu-se, como diria Mercedes Sosa, a razón de vivir3. Em Admirável Mundo Novo, a americanização do planeta está completa, a História acabou (como afirmaria, mais tarde, Francis Fukuyama4), tudo foi padronizado e “fordizado” – tanto a produção dos seres humanos, resultado de puras manipulações genético-químicas, quanto a identidade das pessoas, produzida durante o sonho por hipnose auditiva: a “hipnopedia”, qualificada por um personagem do livro como “a maior força socializante e moralizante de todos os tempos”. Os seres humanos são “produzidos” no sentido industrial do termo, em fábricas especializadas – os “centros de incubação e condicionamento” – segundo modelos variados, que dependem das tarefas muito especializadas que serão atribuídas a cada um, e que são indispensáveis para uma sociedade obcecada pela estabilidade. Desde seu nascimento, cada ser humano é, além disso, educado em “centros de condicionamento do Estado”. Em função dos valores específicos de seu grupo, e por meio do recurso maciço à hipnopedia, criam-se nele os “reflexos condicionados definitivos” que o fazem aceitar seu destino. Aldous Huxley ilustrava assim os riscos implícitos na tese que vinha sendo formulada, desde 1924, por John B. Watson, o pai do “condutivismo”5, esta suposta “ciência da observação e controle do comportamento”. Watson afirmava com frieza que podia escolher na rua, ao acaso, uma criança saudável e convertê-la, à sua vontade, em médico, advogado, artista, mendigo ou ladrão, independentemente de seu talento, inclinações, capacidades, gostos e origem de seus ancestrais. Em Admirável Mundo Novo, que é fundamentalmente um manifesto humanista, alguns viram também, com razão, uma crítica ácida à sociedade stalinista, à utopia soviética construída com mão de ferro. Mas também há, claramente, uma sátira à nova sociedade mecanizada, padronizada, automatizada que se criva à época nos Estados Unidos, em nome da modernidade técnica. Extremamente inteligente e admirador da ciência, Huxley expressa no romance, no entanto, um profundo ceticismo em relação à ideia de progresso, e desconfiança diante da razão. Frente à invasão do materialismo, o autor engendra uma interpretação feroz às ameaças do cientificismo, do maquinismo e do desprezo à dignidade individual. Claro que a técnica assegurará aos seres humanos um conforto exterior total, de notável perfeição, estima Huxley com desesperada lucidez. Todo desejo, na medida em que possa ser expresso e sentido, será satisfeito. Os seres humanos terão, nesse ponto, perdido sua razão de ser. Terão transformado a si mesmos em maquinas. Já não se poderá falar, em sentido estrito, de

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