Ação contra golpe de mensaleiros
Ministros do STF se mobilizam para impedir manobra pela impunidade dos réus do mensalão
Um dos principais temores que rondam o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão, está sendo resolvido nos bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF).
Pelo menos seis ministros estariam dispostos a mudar o entendimento da Corte para evitar que, em caso de renúncia de réus com foro privilegiado, o caso deixe de ir a julgamento.
O processo foi aberto há quatro anos para apurar o esquema de pagamento de propina a deputados da base do governo Lula.
Depois de ouvidos os depoimentos de mais de 600 testemunhas e produzidas centenas de documentos, tudo pode ser posto a perder se, na véspera da decisão final, os deputados João Paulo Cunha (PT-SP) e Valdemar Costa Neto (PR-SP) renunciarem.
Eles são os únicos entre os 38 réus que ainda têm direito a foro especial e, por isso, o caso é mantido no STF. Em caso de renúncia, a regra é clara: o processo seria transferido para a primeira instância do Judiciário, com a possibilidade de ser totalmente refeito. A chance de prescrição dos crimes antes do julgamento seria grande.
Julgamento somente em 2012
Seis ministros ouvidos pelo GLOBO argumentaram que não se pode perder todo o trabalho em virtude de uma manobra dos réus. Portanto, mesmo que os dois parlamentares renunciem ao mandato às vésperas do julgamento, o grupo deverá ser julgado pelo plenário do Supremo.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita]
O relator calcula que o julgamento seja marcado para fevereiro ou março de 2012. Na quinta-feira, o processo tinha 213 volumes e 484 apensos. Só na parte dos volumes, há um total de 45 mil páginas.
A discussão sobre o que ocorre com o processo quando o réu com foro privilegiado renuncia ao mandato tomou conta do STF em outubro de 2007.
Na véspera do julgamento, o então deputado Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB) renunciou.
Barbosa, que também era o relator, ficou irritado. Alertou que a manobra poderia ser usada pelos réus do mensalão.
Na época, ele recebeu apoio de três colegas: Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia e Cezar Peluso.
A competência desta Corte se limita ao julgamento daqueles que sejam titulares de mandato
– No presente caso, a renúncia do réu ao seu mandato, no momento que incluída em pauta a ação penal, após todos estes anos de tramitação, tem a finalidade clara – e ao mesmo tempo espúria – de evitar o julgamento por esta Corte, que tem competência constitucional para julgar mandatários políticos – disse Barbosa no julgamento de 2007.
– Estabelecer tal precedente (a mudança de foro com a renúncia) nos levaria a praticar atos inúteis, quando esta Corte tem, a seu cargo, problemas gravíssimos que não encontram soluções rápidas e tão céleres quanto todos desejamos – ponderou Peluso.
Mas os outros sete ministros entenderam que o caso deveria ser transferido para vara criminal na Paraíba – o que aconteceu. Como o crime prescreveria naquele ano, Cunha Lima ficou impune. Ele respondia por tentativa de homicídio contra o adversário político Tarcísio Buriti desde 1995.
– A competência desta Corte se limita ao julgamento daqueles que sejam titulares de mandato.
É uma competência estrita que não admite alargamentos. E, via de consequência, não sendo viável, não sendo possível reinstalar o acusado na condição de deputado federal, cargo do qual se apartou voluntária e irrevogavelmente, entendo que não subsiste a competência desta Casa – disse no voto a ministra Ellen Gracie, que presidia o tribunal.
Hoje, o plenário do STF é outro. Dois dos ministros que participaram do julgamento não estão mais na Corte. Além disso, ministros que votaram pela transferência do foro mudaram de ideia – especialmente levando em consideração o risco de impunidade.
O caso só será discutido em plenário se houver renúncia por parte de João Paulo Cunha ou Valdemar Costa Neto. Como a questão pode ser examinada no futuro, os ministros não quiseram tornar públicas suas opiniões.
– Se houver renúncia no caso do mensalão, estarei disposto a rever minha posição – disse um dos ministros que votou de forma diversa em 2007.
Quando um processo muda de foro, muitas vezes as instruções são refeitas – especialmente os depoimentos. Com isso, é provável haver a prescrição dos crimes antes do julgamento.
No caso do mensalão, a prescrição será definida a partir da sentença a ser dada pelos ministros em 2012.
Isso porque, segundo o Código Penal, se for arbitrado a pena mínima, a prescrição tem tempo menor e, se for dada a pena máxima, possui prazo maior.
Além dos deputados, são réus o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu e o publicitário Marcos Valério, entre outros.
Carolina Brígido/O Globo