Há pouco mais de dez anos, o senador Cristovam Buarque deixou o PT após uma série de desgastes que levaram à sua demissão, por telefone, do cargo de ministro da Educação e no embalo da eclosão do escândalo do mensalão – ele foi um dos integrantes que não concordaram com a resposta dada pelo partido e pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva às irregularidades reveladas à época.
Para Cristovam Buarque, é preciso discutir que governo o Brasil terá – com ou sem Dilma
Hoje, ensaia um novo desembarque, desta vez do PDT, que, nas palavras de Cristovam, “não existe” como partido, pois virou um “puxadinho do PT” controlado pelo ex-ministro Carlos Lupi que já colocou como candidato à próxima corrida presidencial um nome escolhido por Lula – Ciro Gomes – para “preencher o vazio” caso o petismo não se recupere a tempo de 2018.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
Segundo o senador, “o PT se autoassassinou” ao desconsiderar a meritocracia na nomeação de cargos e não pensar um projeto de longo prazo para o país.
Diz ainda que o “fracasso” da gestão Dilma Rousseff se deve principalmente a erros cometidos pela presidente em seu governo, que está em “fase terminal”.
Aos 71 anos, o ex-governador do Distrito Federal e ex-reitor da UnB (Universidade de Brasília) defende, porém, que se pense menos no resultado do pedido de impeachment da presidente, e mais em que governo o país terá após o processo – com ou sem Dilma.
Confira trechos da entrevista à BBC Brasil, feita por telefone.
BBC Brasil – A ex-senadora Marina Silva defendeu ao jornal Folha de S.Pauloque se agilize o processo contra a presidente Dilma Rousseff no TSE (Dilma e seu vice, Michel Temer, podem ter o mandato cassado se o Tribunal Superior Eleitoral entender que a chapa cometeu irregularidades na campanha), em detrimento ao pedido de impeachment em curso no Congresso. Como vê isso?
Cristovam Buarque – Para mim, o importante não é saber como isso termina, mas como começa o próximo momento. O chamado day after (dia seguinte). Acho que lamentavelmente a Marina não trabalha com o day after. Estou menos preocupado com se isso vai terminar com a continuação da Dilma, o impeachment ou a cassação.
Teremos o dia seguinte com o Temer em um governo de unidade nacional? Ou com a Dilma, com um governo de coalizão nacional? Se houver a cassação, a eleição em 90 dias vai permitir a construção dessa coalizão com um projeto alternativo? Essa é a minha preocupação.
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BBC Brasil – Qual seria o cenário ideal?
Cristovam Buarque – Hoje, e nós dissemos isso a ela em agosto, a melhor alternativa seria a Dilma, mas com um governo que não fosse da Dilma. Ela sendo a “Itamar” dela própria. No que consiste isso: ela dizer que não é mais do PT, nem de qualquer outro partido, a não ser do “Partido do Brasil”.
Dizer que precisa da oposição e de todos para governar, compor um ministério de unidade e com um programa de unidade, no qual a estabilidade monetária seja objetivo imediato, desde que não sacrifique conquistas sociais nem investimentos em infraestrutura. Definindo quem vai se sacrificar para que o Brasil seja reorientado e como vamos atravessar os três anos até a próxima eleição.
Seria a continuidade do governo Dilma sem Dilma, uma espécie de presidente sem ser chefe de governo, com um “primeiro-ministro” – entre aspas, não precisa de parlamentarismo para isso. O Itamar (Franco, ex-presidente) conseguiu: o Fernando Henrique (Cardoso) foi o primeiro-ministro. Isso seria o ideal.
Mas não vejo na Dilma condições para isso. Tanto que nós, um grupo de senadores, fomos até ela em agosto, levamos um documento, propusemos isso, dissemos que estávamos dispostos a apoiá-la. Ela ouviu com seriedade, carinho, nos dedicou muito tempo, mas não aconteceu nada. Perdeu a chance.
BBC Brasil – Na sua visão, por que o governo chegou a esse ponto? Quem tem mais culpa, Dilma ou o PT?
Cristovam Buarque – Acho que a grande culpa é do PT. O PT se autoassassinou. Há uma diferença entre autoassassinato e suicídio: suicídio é um gesto consciente, em que existe até uma dignidade; o autoassassinato nem é consciente nem carrega dignidade.
O PT se autoassassinou por recusar o mérito nos seus dirigentes: nomeava ministro, vice-ministro, subministro, diretores apenas por interesses imediatistas, corporativos. Se autoassassinou por não pensar o médio e longo prazo do Brasil, por ficar prisioneiro da próxima eleição, por abrir mão das reformas necessárias que poderia ter feito, sobretudo com a grande liderança que era Lula.
Agora, a Dilma colaborou. Ela poderia ter se “independizado” do PT, mas continuou dependente dele, e com isso destruiu seu governo.
BBC Brasil – Como vê o papel do seu partido, o PDT, na base aliada?
Cristovam Buarque – O PDT, como partido, não existe: é uma associação, um clube de militantes sob o comando absoluto do Carlos Lupi.
Em 2007, ele assumiu o Ministério do Trabalho. De lá para cá, continua sempre junto ao governo em troca de ministério e isso destruiu o PDT como partido, fez dele o que o Pedro Taques (ex-senador e atual governador do Mato Grosso) chamava de “puxadinho do PT”.
E a situação é essa, ao ponto de hoje ele ter colocado um candidato a presidente escolhido pelo Lula, o Ciro Gomes, cujo papel é preencher o vazio que haverá se o PT e o Lula não se recuperarem do impacto.
BBC Brasil – Do impacto da Operação Lava Jato?
Cristovam Buarque – Da Lava Jato e do fracasso do governo Dilma. E é um erro achar que esse fracasso decorre da Lava Jato. Do ponto de vista ético, sim, mas também dos erros que ela cometeu na condução do governo.
Se fosse a Lava Jato sem inflação, com a economia crescendo, seria diferente: apenas o PT carregaria o problema. Mas temos recessão, inflação, infraestrutura desorganizada, crise de gestão. O problema é a soma com a crise socioeconômica.
E o PDT optou equivocadamente, e digo isso desde 2007, em vez de ser uma alternativa para o Brasil, por ser coadjuvante de um partido e de um governo em fase terminal.
BBC Brasil – O que o manteve no PDT até hoje, então?
Cristovam Buarque – Primeiro porque sair de um partido é algo muito dolorido, complicado. E você sempre fica acreditando que ele pode mudar.
E segundo, porque essa é uma crise geral dos partidos.
BBC Brasil – É como se não houvesse para onde ir?
Cristovam Buarque – É isso. Não é só o PDT. O PDT perdeu a vergonha, mas os outros não demonstram ainda o vigor transformador.
Creio que um partido precisa de duas coisas: vergonha, do ponto de vista ético, e vigor transformador, do ponto de vista político. A gente sente que muitos têm vergonha na cara, mas fica se perguntando se têm esse vigor.
Além disso, é importante dizer com clareza: há três anos o Carlos Lupi diz que vai sair do governo no mês seguinte. Reunia a nós senadores e dizia: “no próximo mês nós estamos fora do governo”. Passava o mês, a gente esperava, ele nos reunia e dizia a mesma coisa. Não vou negar que cometi o erro de ficar esperando por esse mês seguinte.
BBC Brasil – A imprensa dá como certo que o senhor vai para o PPS, que o convite já foi feito.
Cristovam Buarque – O convite foi realizado pelo meu velho amigo Roberto Freire, que é meu companheiro desde a política estudantil em Pernambuco, ainda nos anos 60. Mas não vou tomar essa decisão em um período de recesso, antes de conversar com meus colegas do PDT do Distrito Federal e ouvir diferentes forças ligadas a mim.
Mas houve o convite, e eu não disse não.
BBC Brasil – O senhor foi procurado por outros partidos?
Cristovam Buarque – Outros partidos me procuraram, mas a sintonia com o PPS é maior.
BBC Brasil – Está em seus planos se candidatar à Presidência em 2018?
Cristovam Buarque – Quando conversei com o Roberto Freire, ele falou nisso. Mas deixei claro: não vou para o PPS exigindo ser candidato à Presidência, e nem com o compromisso de ser candidato se o PPS quiser. Não será por essa razão (a eventual mudança).
Até porque… Eu disse a ele que, na idade da gente, antes de tomar uma decisão tão ousada como ser candidato a presidente, precisamos pensar se já não é hora de começar a pensar mais na memória do que já fez do que na aventura do que vai fazer.
BBC Brasil – O senhor tem um histórico ligado aos chamados partidos de esquerda. Indo para o PPS, migraria para uma sigla que, para muitos, está mais à direita e é criticada como uma espécie de satélite do PSDB. Seus eleitores não estranhariam esse movimento?
Cristovam Buarque – Diferencio a palavra partido da palavra sigla. Não mudo de partido. Já mudei de sigla: era PT, virei PDT, mas sem mudar de partido. Se sair do PDT, e for para outra sigla, não mudarei de partido. Meu partido é de que a gente precisa transformar a sociedade brasileira, e isso exige uma revolução. E o elemento fundamental dessa revolução é garantir escola de qualidade para todos, por o filho do trabalhador na mesma escola do filho do patrão, entre outros aspectos.
Agora, a sigla PPS vem do Partido Comunista. Você pode dizer que o Roberto Freire esteve ao lado de gente do PSDB, mas você não pode dizer que ele e os militantes do PPS são conservadores e de direita.
Continuo dividindo a política entre direita e esquerda. Mas não divido por sigla, e sim por compromissos. Para mim, compactuar com corrupção é coisa de direitista. Mesmo que seja do PT, do PC do B.
BBC Brasil – O PT vai sobreviver a essa crise?
Cristovam Buarque – Veja bem, sobreviver, vai. Mas vai sobreviver cambaleante. E a pergunta para a qual eu gostaria de ter uma resposta é sobre o que virá depois desse período em que o PT vai cambalear.
Vai cambalear para o lado dos corruptos, dos acomodados socialmente? Ou vai cambalear para o lado dos éticos e dos revolucionários? Isso não dá para saber.
BBC Brasil – A Câmara e o Senado são comandadas por parlamentares implicados na Lava Jato. Como isso influencia o funcionamento do Congresso neste ano?
Cristovam Buarque – Se continuar nesse ritmo, o impeachment será um tema para todos, não só para a Dilma. E poderá vir, sim, o povo na rua pedindo eleição geral, para todos os cargos. Porque não é só a Dilma que está sob suspeição. Todos nós, que temos mandato, estamos.
Há os “Cunhas” da vida, os outros, mas também os que não aparecem. Somos hoje um Parlamento sob suspeição, e nenhum de nós, portanto estou no meio, está fora da suspeição, da dúvida, do questionamento da população.
Temo que, se não formos capazes de cassar logo os corruptos conhecidos, vamos cair num processo de reação tão forte da população que teremos de fazer uma eleição geral para todos.
Adriano Brito – @adrianobritoDa BBC Brasil em São Paulo