Em uma década, segundo Marcelo Néri¹, a renda per capita das crianças no Brasil aumentou somente 10%.
Como crianças não votam, esse público não é alvo dos políticos, explica.
Como crianças não votam, esse público não é alvo dos políticos, explica.
Esse é o principal dado avaliado pelo economista para o fato de não haver, até hoje, políticas públicas funcionais voltadas à melhoria da qualidade de vida desse grupo.
Uma questão que se relaciona com a temática acima é imensa situação de pobreza em que vive grande parcela desse público.
O relatório da UNICEF Brasil, de 2002, avalia que as crianças carentes estão inseridas em ciclos de pobreza e exclusão e é preciso que esse ciclo seja rompido, para que esse grupo não seja, num futuro próximo, também pais e mães da infância miserável.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)² demonstram claramente as distorções na área social, trazendo à tona a realidade de 48,5% das crianças e adolescentes no país, que vivem em famílias com renda per capita de até meio salário mínimo.
Entre toda essa faixa etária, conforme o IBGE, os que são pobres têm duas vezes mais possibilidades de trabalhar na idade entre 10 e 15 anos. Têm também oito vezes mais chances de não freqüentar a escola entre os sete e 14 anos.
A triste realidade é que eles têm 21 vezes mais condições de não serem alfabetizados, entre 12 e 17 anos; 30 vezes mais chances de morar em casas que não tenham recolhimento de lixo e três vezes mais situações favoráveis de morrer antes de completar cinco anos de idade.
O relatório da Organização das Nações Unidas³, divulgado em 25 de agosto de 2005, expõe o Brasil como um dos três piores países em distribuição de renda no mundo e o que detém o recorde de desigualdade social da América Latina, onde os 10% mais abastados têm uma renda que equivale a 32 vezes o que recebem os 40% mais pobres.
Contrastando com esse retrato de desigualdade estão os 24,1% dos casos de crianças em situação de rua ou que vivem sob a custódia de abrigos sociais, que são devidos ao abandono pela pobreza e, outros 18,8%, são motivados pela violência doméstica e dependência química dos responsáveis.
A faixa etária desse grupo é de sete a 15 anos, representando 61,3% do total, sendo eles as maiores vítimas da pobreza e da violência.
O que foi relatado até aqui nos leva a analisar outro ciclo: o da pobreza como um dos principais reatores da violência. Dados do Estado do Paraná chamam a atenção, quando os registros do Sistema de Informação para Crianças e Adolescentes – Sipia, divulgam que o estado é o segundo local, no país, em registros de violência contra esse público.
Esses dados foram retirados dos atendimentos prestados pelos Conselhos Tutelares que, somente em 2004, registraram 14.227 atendimentos. Do total desses dados*¹, 55,6% envolveram crianças com até 11 anos de idade e em 50,9% dos casos, a família foi a principal responsável por essas agressões.
Depois disso tudo que foi dito, pode-se comentar o estudo da Universidade de Brasília (UNB), por meio do Grupo de Pesquisa sobre Violência e Exploração Sexual (Violes), que mostra que nos últimos oito anos, um em cada sete municípios paranaenses registrou casos de exploração sexual comercial infanto-juvenil.
Entre as 56 cidades paranaenses, notificadas por esse tipo de crime, 17 encontram-se próximas à fronteira com o Paraguai. Maria Lúcia Leal5 divulgou que, para solucionar o problema da exploração sexual é preciso a criação de políticas públicas nos municípios para diminuir a desigualdade social.
Já com uma divulgação mais abrangente, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, por meio do disque-denúncia6 registra o recebimento de dez mil ligações de todo o país, sendo 450 delas originárias do Paraná, diferenciadas por 211 casos de maus-tratos, 156 de abuso sexual e 83 de exploração sexual entre crianças e adolescentes.
Considerando a proporção estimada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), de que para cada caso registrado de violência contra crianças e adolescentes, outros 20 acontecem na clandestinidade, sem que sejam denunciados, levam a Secretaria a estimar que teriam ocorrido, no Paraná, pelo menos nove mil casos de violência.
A violência sexual é uma das realidades mais cruéis do Brasil. Não há números precisos sobre o problema, mas só o programa Sentinela*² atendeu 14 mil casos de abuso e exploração sexual no primeiro semestre de 2005 nos 395 municípios em que atua.
A violência ocorre em famílias, praias, bordéis e estradas, e adolescentes brasileiras continuam sendo levadas para a exploração sexual em outros países.
E mais: dados divulgados pela Agência Carta Maior, em 24 de julho de 2005, revelam que, a cada ano, mais de 17 mil jovens entre 15 e 24 anos são assassinados. Na reportagem feita pelo veículo, o padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Menor em São Paulo, questiona sobre as políticas públicas estabelecidas no Brasil, como forma de apoio ao adolescente e à criança.
“Se não tem política pública para o adolescente em geral, não tem para o adolescente em conflito com a lei. E aí a violência se perpetua. A criança que está na rua, pedindo esmolas, é a denúncia de uma sociedade e de um poder público que não são capazes de administrar a cidade e gerenciar políticas públicas para que essa criança não esteja lá. Quem dá esmola hoje para as nossas crianças é o poder público (Carta Maior, 24/06/2005)”.
Outra fonte de violência contra a infância e a adolescência é o trabalho infantil, que ganhou amplo destaque no jornal Folha de São Paulo com a divulgação de que, no mês de abril de 2005, 2,2 milhões de jovens do país trabalhavam sob situação de risco. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) reafirma a questão, destacando que os números divulgados representam 5,08% dos brasileiros entre cinco e 17 anos.
Essas crianças e adolescentes trabalham em ocupações consideradas perigosas, segundo as legislações brasileira e internacional. Dos que atuam na área urbana, 44,2% estão na situação de exploração infantil. Na zona rural, chegam a 31,4%. Mais de 81 tipos de ocupação, de emprego na indústria e trabalho doméstico, são considerados danosos à saúde, a segurança ou à moral das crianças e jovens*³.
Mais de meio milhão de cr
ianças e adolescentes no Brasil, de 10 a 17 anos, estão em condições de trabalho escravo doméstico no país. Segundo a OIT, uma em cada 12 crianças é explorada. A entidade também divulgou que as crianças entram cada vez mais cedo nas redes de tráfico de drogas, onde a média de idade dos jovens recrutados pelo tráfico no Rio de Janeiro está entre 12 e 13 anos. Segundo o material, os jovens entram para o tráfico em busca de poder, além da promessa de dinheiro fácil.
Os dados que aqui foram colocados estão à disposição de grande parte da população, e de toda a imprensa, disponíveis para quem quiser conhecê-los. Mas só isso não é suficiente.
As realidades de exclusão em todos os aspectos, vividas por essas crianças e adolescentes, são reafirmadas a cada nova edição de jornal, revista ou publicações, e em sua maioria destacam aquilo que muitos não querem ler ou ouvir.
Vivemos numa sociedade em que os políticos e as políticas públicas, não estão atentos e direcionadas àqueles que não votam.
“Por serem crianças e adolescentes, apesar de todo avanço gerado durante toda a história humana e mais precisamente no último século, ainda se encontram sujeitos à violência, à exploração, à violação dos seus direitos. São constantemente ameaçados pelos interesses e visões do mundo adulto e de uma ordem mundial que considera pouco suas fragilidades, necessidades específicas e seus direitos (UNICEF, 2002)”.
Kofi Annan, Secretário Geral da ONU, declarou que com tantas crianças ameaçadas, o futuro coletivo está comprometido.
“Os países somente chegarão mais perto de suas metas de paz e desenvolvimento se chegarem mais perto da realização dos direitos de todas as crianças”*5.
Notas
[*¹] Economista da Fundação Getúlio Vargas. Dados divulgados na Pesquisa “Miséria em Queda”, em 2005.
[*²] Indicadores sobre a Infância e Adolescência.
[*³] Situação Mundial 2005 – O problema da desigualdade.
[**¹] Divulgados pelo Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Urbano de Curitiba – IPPUC, 2004.
[**²] Coordenadora do Violes, em 2005, período em que foram divulgados os dados no sítio da entidade.
[**³] Informações acessadas no sítio da entidade, com dados relativos ao período.
[***¹] Programa do Governo Federal estabelecido em 395 municípios brasileiros, para o atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual.
[***²] Dados divulgados na pesquisa “Perfil do Trabalho Infantil no Brasil por Regiões e Ramos de Atividade”, do IBGE.
[***³] UNICEF, 2005, p.09.
[***²] Dados divulgados na pesquisa “Perfil do Trabalho Infantil no Brasil por Regiões e Ramos de Atividade”, do IBGE.
[***³] UNICEF, 2005, p.09.
Paula Batista é jornalista, especialista em cobertura política e pesquisadora da área da infância e da juventude. Ativista do Movimento Humanista e de Direitos Humanos.
Contato: paula@consciencia.net