Fausto Wolf – Escritor e Jornalista.
Depois que visitou o Brasil, Ionesco não voltou a escrever porque a nossa realidade superava qualquer absurdo que ele pudesse imaginar.
Ele, o absurdo, está em toda parte: no presidente que tem um sistema de saúde quase perfeito, no ex-governador que se defende fazendo dieta, no juiz que condena um assassino confesso à liberdade, na vítima do imperialismo que quer ser imperialista às custas do país mais pobre da América do Sul.
Lendo o relatório da ONU, deparei-me com o absurdo insuperável: no Brasil, país imperialista, a desigualdade social é maior do que na Bolívia, até pouco tempo atrás, país colônia ou Tierra de Madre Juana.
Os que aplaudiram a entrega da Vale, da CSN,a base americana em Alcântara, a venda e a recompra da Light, os privatistas da Petrobrás, são os atuais defensores nacionalistas da nossa terra mesmo que ela esteja na Bolívia.
Enquanto eu, garoto, pintava nos muros das ruas de Porto Alegre “O Petróleo é Nosso” os “nacionalistas” de hoje pintavam uma caveira com a foice e o martelo encimando a frase “E o resto é silêncio”. Os jornais e rádios de Assis Chateaubriand, do norte ao sul do Brasil, insistiam que não havia petróleo no pais e que quem afirmasse o contrário era comunista e traidor da pátria.
Hoje, pela segunda vez na História, há a possibilidade de uma integração sul-americana não comandada pelo Tio Sam mas os nossos “nacionalistas” pregam retaliação à ousadia de um “índio analfabeto com idéias do século XIX” como me disse em e-mail um “patriota” exaltado.Lula vive um dilema: como continuar fiel a Washington sem romper com a Bolívia? Terá gás suficiente para agradar a “esquerda” e à esquerda? Como, minha senhora?
É, este é outro absurdo: não há ninguém de direita no Brasil. Vamos ajeitar um pouco a casa. A verdade é que, na Bolívia, os exploradores estrangeiros não haviam comprado apenas o direito à exploração mas as próprias terras sobre as quais jazem os riquíssimos recursos naturais.
Será possível que o Brasil queira que a Bolívia continue vendendo suas reservas de gás e petróleo sem acrescentar no preço o lucro dos que transformam o petróleo cru em gasolina e o gás em eletricidade?
Será que o Brasil não sabe que os contratos que davam de mão beijada o petróleo e o gás bolivianos são inconstitucionais pois jamais foram aprovadas pelo congresso do país?
Estamos falando de reservas de, no barato, 11 bilhões de dólares.Antes da privatização metade do dinheiro que entrava nos cofres do Tesouro boliviano vinha das estatais de gás e petróleo. Hoje 10% do que entra vem da exploração estrangeira.
Na Bolívia o custo da produção e transporte de um barril de petróleo é de sete dólares. Ao ser refinado é revendido aos bolivianos pelo preço de mercado, ou seja, 48 dólares o barril.
Os importadores querem óleo cru para devolvê-lo como matéria plástica. Será tão criminoso assim querer usufruir das próprias riquezas em vez de doá-las e morrer de fome?
Nós que desde sempre fomos colônia de Portugal, da Inglaterra, dos Estados Unidos e hoje das transnacionais, deveríamos compreender a Bolívia mais do ninguém, principalmente porque somos riquíssimos e podemos nos dar ao luxo de desperdiçar um terço do que dela importamos.
A Bolívia já foi assassinada pela Espanha, a grande genocida do século XVI. Finalmente, chegou a hora da virada: um homem da terra, um legítimo inca tomou o poder e a nossa elite quer transformá-lo num Lula. Há muitos nomes para farsa, escolham aí: “Bate que eu Gosto”, “Perdoa-me por me traíres” “Vamos matar o Che outra vez!”?
Tristes trópicos: os países ricos ajudam os países ricos e eles ficam mais ricos porque corrompem os ricos dos países pobres. Continua valendo a imortal frase do coronel Juracy: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil” E tome polca!