Defesa diz que ação viola sigilo da fonte garantido por lei a jornalistas e juiz rebateEduardo Guimarães, entre Lula, Haddad e Chalita
Coação para depor sem convocação prévia é criticada e OAB pede que STF analise prática
Ao longo de três anos de Operação Lava Jato, o juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos que correm na primeira instância em Curitiba, e os procuradores da investigação colecionaram tanto trunfos como decisões polêmicas.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”]
Nesta terça-feira foi a vez de um instrumento usado várias vezes no período voltar aos holofotes, com a condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães, responsável pelo Blog da Cidadania, crítico do Governo de Michel Temer.
Ele foi levado pela Polícia Federal para depor sobre o suposto vazamento da também controversa condução coercitiva do ex-presidente Lula, em março do ano passado.
Guimarães divulgou detalhes da ação uma semana antes do fato e Moro queria confirmar a identidade de quem lhe repassou as informações. Em sua casa foram apreendidos celulares, um notebook e um pendrive.
Além da volta do debate sobre o uso da condução coercitiva pela Lava Jato, o episódio trouxe à tona outra polêmica: a defesa diz que foi violado o direito ao sigilo de fonte garantido aos jornalistas pela Constituição.
Já a assessoria do juiz rebateu dizendo que Guimarães faz “propaganda política”: “Não é necessário diploma para ser jornalista, mas também não é suficiente ter um blog para sê-lo”.
O blogueiro afirmou após o depoimento que, apesar de não ser formado em jornalismo, edita seu blog há 12 anos, e que o Supremo Tribunal Federal já deu um parecer com relação ao diploma ser dispensável para o exercício da profissão.
A ausência do diploma foi, segundo ele, uma das justificativas de Moro para exigir que ele revelasse quem lhe passou a informação sobre Lula.
As declarações motivaram uma manifestação da assessoria de Moro. “A proteção constitucional ao sigilo de fonte protege apenas quem exerce a profissão de jornalista, com ou sem diploma”, diz a nota da Justiça do Paraná.
“As diligências foram autorizadas com base em requerimento da autoridade policial e do MPF de que Carlos Eduardo Cairo Guimarães não é jornalista, independentemente da questão do diploma, e que seu blog destina-se apenas a permitir o exercício de sua própria liberdade de expressão e a veicular propaganda político-partidária”, afirma ainda o texto.
A defesa rebateu: “A nota, de maneira autoritária e contrariando o STF, pretende definir quem é e quem não é jornalista de acordo com juízos de valor sobre as informações e opiniões veiculadas em determinado meio de comunicação”.
Os procuradores da força-tarefa, que fizeram o pedido de condução coercitiva acatado, também se pronunciaram. Tentaram não entrar na controvérsia sobre definição de quem é jornalista no mundo digital e sobre o direito ao sigilo de fonte.
“Esse vazamento para os investigados ocorreu antes mesmo da publicação das informações no blog, portanto a diligência não foi motivada pela divulgação das informações à sociedade.
Além disso, as providências desta data não tiveram por objetivo identificar quem é a fonte do blogueiro, que já era conhecida, mas sim colher provas adicionais em relação a todos os envolvidos no prévio fornecimento das informações sigilosas aos investigados”, diz a nota enviada à imprensa.
Ao mirar a informação obtida pelo blogueiro, a Lava Jato põe mais elementos em um terreno já nebuloso: os frequentes vazamentos à imprensa de material da operação ainda não tornado público oficialmente pela Justiça.
O tema está quente depois que a ombudsman da Folha de S. Paulo, Paula Cesarino, questionou no domingo o vazamento coordenado a grandes veículos brasileiros de nomes de políticos alvo de pedidos de inquéritos feitos pela Procuradoria-Geral da República, com base nas delações da Odebrecht.
Nesta terça, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes defendeu até a nulidade como prova de informações previamente vazadas e acusou diretamente a PGR de quebrar o sigilo dos processos.
Condução coercitiva no Supremo
“Arbitrariedades estão bem claras neste caso: a condução sem intimação prévia e a violação do sigilo da fonte”, afirmou em nota Fernando Hideo, advogado que representa Guimarães. Para o defensor trata-se de “uma perseguição política”.
Guimarães afirma que não havia sido convocado para depor antes de ser coagido – um pré-requisito legal da condução coercitiva. Segundo o Código de Processo Penal, este dispositivo deve ser usado apenas em situações nas quais alguém foi convocado a prestar depoimento e se recusou sem apresentar uma justificativa válida.
Fabrício Medeiros, professor de Direito Constitucional do Centro Universitário de Brasília, acredita que estas conduções podem prejudicar a Lava Jato no futuro. “Se as instâncias superiores deferirem essa tese que consta na lei [de que é preciso intimar primeiro], isso pode configurar a nulidade dessas informações que foram colhidas”, afirma.
Para o advogado isso retiraria a validade das provas “em um efeito dominó: um erro na origem do procedimento compromete o resto”. Outras operações da Polícia Federal já foram anuladas por supostos erros em procedimentos de coleta de provas e informações, como no caso da Castelo de Areia, em 2011, e da Satiagraha, em 2008.
Medeiros também critica o uso desse expediente sem a notificação. “Isso se tornou uma constante na Lava Jato, não me recordo de uma jurisprudência anterior: foi uma inovação da operação”.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, já havia afirmado anteriormente que “sem a negativa [em prestar depoimento], a condução à força é desnecessária”, e que “não se combate o crime cometendo um outro crime”.
Além da aparente ilegalidade no uso do expediente antes da intimação, juristas alegam que a condução coercitiva dificulta o acesso do advogado ao seu cliente, e impede que ele receba orientações técnicas e uma defesa adequada.
A OAB acionou o STF para que a Corte reforce o entendimento da lei com relação a este ponto, e declare irregular o modus operandi da Lava Jato com relação a isso. O ministro Mendes cobrou, na semana passada, que o tribunal avalie a questão com urgência.
GilAlessi/ElPais