Carlos Drummond de Andrade – Versos na tarde

Sentimento do mundo
Carlos Drummond de Andrade ¹

Tenho apenas duas mãos
E o sentimento do mundo,
Mas estou cheio de escravos,
Minhas lembranças escorrem
E o corpo transige
Na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
Estará morto e saqueado,
Eu mesmo estarei morto,
Morto meu desejo, morto
O pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
Que havia uma guerra
E era necessário
Trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
Anterior a fronteiras,
Humildemente vos peço
Que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
Eu ficarei sòzinho
Desfiando a recordação
Do sineiro, da viúva e do microscopista
Que habitavam a barraca
E não foram encontrados
Ao amanhecer

Esse amanhecer
Mais noite que a noite.

¹ Carlos Drummond de Andrade
* Itabira do Mato Dentro, MG, – 31 de Outubro de 1902 d.C
+ Rio de Janeiro RJ, – 17 de Agosto de 1987 d.C
–>> biografia


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