Moderados precisam aprender a defender ideias com paixão de radicais, diz cientista político de Stanford
Os moderados, que fogem dos extremos de direita e esquerda, tendem a falar mais suavemente, ver nuances, ser céticos e questionadores. No entanto, são passivos no debate político e hoje cedem terreno aos radicais, define o sociólogo e professor da universidade de Stanford, nos Estados Unidos, Larry Diamond.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”]
Um dos maiores especialistas do mundo em democracia, Diamond falou à BBC Brasil em Curitiba (PR), na véspera do depoimento do ex-presidente Lula como réu na operação Lava Jato.
Ele estava na cidade para o lançamento da segunda Coletânea da Democracia, que inclui o livro “Para entender a democracia”, organizado por ele em conjunto com o Instituto Atuação.
Em meio a um dos momentos mais polarizados dos últimos anos, o professor disse que os adeptos do centro precisam defender seus posicionamentos com paixão e convicção – algo que os extremos já fazem.
“Podemos aprender algo com Emmanuel Macron (presidente recém-eleito da França). Certamente salvou a democracia francesa de um período muito difícil, por não ser tão humilde e dizer ‘temos que nos levantar, defender a democracia e sermos apaixonados em relação a isso’.”
À reportagem, Diamond falou também sobre a “recessão democrática” que ocorre na maioria dos países e sobre qual é o papel da corrupção nesse processo.
Leia os principais trechos da entrevista abaixo.
BBC Brasil – No prefácio de “Para entender a democracia”, você diz que a recessão desse sistema está acelerando. E que a corrupção tem um papel importante nesse processo. Qual é ele?
Larry Diamond – Uma democracia efetiva exige não apenas consentimento popular, mas envolvimento popular e fé nas instituições democráticas. Por algum tempo, cientistas políticos erraram ao presumir que a única forma de desempenho pela qual os cidadãos julgavam o governo era a econômica. Então, se a economia ia bem, as pessoas estavam otimistas em relação ao sistema.
O que aprendemos nos últimos 20 a 30 anos, quando as pessoas ficaram mais bem informadas e suas expectativas de transparência se tornaram maiores, é que elas também fazem julgamentos políticos sobre o governo.
Dados mostram que esse julgamentos têm uma grande influência na fé das pessoas na democracia. A performance política tem a ver com a habilidade do governo de adotar medidas endereçadas aos principais problemas sociais e econômicos, mas também se sustenta no controle da corrupção.
Na medida que as pessoas veem o sistema político servindo aos interesses de uma pequena elite, isso pode destruir sua fé na democracia. Não há situação mais corrosiva dessa fé do que a percepção de que os políticos, como classe, estão servindo a si mesmos.
Se você quer pavimentar o caminho para uma figura autoritária, ter um sistema cronicamente corrupto e incapaz de reformar-se é um bom caminho.
BBC Brasil – Estamos vendo uma falta de fé no sistema político se expandir no Brasil agora. Como isso afeta a democracia no país?
Larry Diamond – Uma crise é um fenômeno de momento. A questão é: como os líderes políticos respondem a isso?
Temos um ditado em inglês: “a crise é uma coisa terrível de se desperdiçar”.Crises representam não apenas um momento de perigo, mas também uma oportunidade.
Frequentemente, organizações acham muito difícil reformar a si mesmas; interesses se cruzam, políticos não querem mudar e arriscar perder uma reeleição. Algumas pessoas querem se ater às atuais regras do jogo, porque funcionam para elas. Mas não funcionam para a sociedade.
Isso exige mudança. Então diria para os líderes políticos do Brasil, começando pelo presidente: o que fará com essa crise política? O que você fará para reformar políticas sociais e econômicas que, na opinião de muitas pessoas, estão arruinando o país?
Uma das coisas que também vemos, pelos dados da opinião pública, é que, no momento, não há um grande desejo no Brasil de uma alternativa autoritária. Não há alternativa autoritária que seja viável. Não é como se precisássemos temer, neste momento, que o país seja tomado por um Recep Erdogan (presidente da Turquia, acusado de governar o país com ‘mão de ferro’ e silenciar opositores).
Mas a experiência mostra que você não deve descartar (essa possibilidade). E, se você vai vacinar a sociedade contra a tentação autoritária, não pode presumir que a democracia está imune a perigos futuros. É imperativo reformar a democracia em ordem de retomar a fé nela. E é esse o desafio da sociedade, da classe política, do Congresso e do presidente. O país tem pouco mais de um ano antes da eleição presidencial. Espero que a crise não seja desperdiçada.
BBC Brasil – Você está em Curitiba às vésperas de um dia simbólico do momento político do Brasil: o depoimento do ex-presidente Lula. A cidade, assim como país, está polarizada. Como discutir a democracia se não há diálogo na sociedade?
Larry Diamond – Estamos vivendo uma era na qual as democracias estão cada vez mais afetadas pela polarização ideológica, partidária e social. Parte disso se deve aos níveis crescentes de desigualdade de renda, que surgem mais uma vez, depois de o Brasil fazer progresso nesse ponto.
Muito se deve à ascensão da mídia social e aos estímulos que ela parece dar a comportamentos radicais. Em parte porque as pessoas são anônimas na internet e sentem maior proteção e liberdade para desabafar seus piores medos e emoções.
Quando estou sentado com você, é mais difícil ser abusivo, porque estou te olhando no olho e sei que você vai responder imediatamente. No ciberespaço, você está olhando para uma tela de computador e pode atirar qualquer injúria.
Todas as democracia enfrentam esse desafio, de tentar fazer as pessoas escutarem umas às outras através de suas afinidades sociais, políticas e ideológicas.
Temos que achar caminhos nas democracias e o tempo está acabando para o Brasil. Em pouco mais de um ano haverá uma eleição. Não vejo alternativa a não ser a união de forças moderadas e de partidos que não estiveram tão polarizados para formular saídas à reforma política.
A passividade por parte de cidadãos mais moderados e seria a pior resposta, porque aí você deixa o campo político para pessoas que têm visões extremamente militantes.
BBC Brasil – Por que você acha que essas forças moderadas estão tão passivas?
Larry Diamond – É um problema em todos os lugares. Pessoas com visões mais moderadas tendem a ser mais moderadas (risos). Falam mais suavemente, veem nuances nas coisas, não acham que têm a única resposta, tendem a ser mais questionadoras, céticas, humildes. Essas não são características que impulsionam as pessoas à arena política.
Podemos aprender algo com Emmanuel Macron (presidente recém-eleito da França). Ele está vindo do centro. Ele certamente salvou a democracia francesa de um período potencialmente obscuro (se Marine Le Pen, da extrema direita, tivesse ganhado), por não ser tão humilde e dizer ‘precisamos de uma reforma, temos que nos levantar, defender a democracia e sermos apaixonados em relação isso’. É o que muitas democracias precisam agora.
Há um termo que usamos nos Estados Unidos: centrismo radical ou moderação radical.
O centro concede o terreno político e os aspectos mais apaixonados à direita e à esquerda, e aí você tem o caos da polarização e muito da insalubridade que estamos testemunhando nas democracias.
(Os moderados) precisam se mobilizar com paixão, mesmo que for em torno de uma agenda moderada.
BBC Brasil – Há alguns anos, está em curso a Operação Lava Jato, que visa combater a corrupção no sistema político brasileiro. Há críticas de que em alguns casos, especialmente no do ex-presidente Lula, os membros da operação ultrapassam o escopo jurídico, agindo politicamente. O que acha da operação?
Larry Diamond – Não acho que a democracia ganhe varrendo a corrupção para debaixo do tapete. Acho que a Justiça tem que seguir seu curso. E que o sistema político e a sociedade precisam aprender com essa experiência.
Questiono-me se o Brasil estaria melhor estabelecendo uma comissão de verdade e reconciliação, liderada pelo Judiciário e com poderes amplos de intimação. Ela daria aos políticos imunidade jurídica para divulgação de tudo o que eles fizeram em termos de corrupção, do uso corrupto da autoridade para acumulação pessoal e do partido.
Acho que essa ideia seria vista como muito ingênua.
É possível que um político verbalmente honesto te dissesse, em conversa privada, que a ideia é ótima, mas que se divulgássemos tudo o que eles pegaram haveria uma revolução neste país. Todos os partidos cometeriam suicídio político.
Acho que às vezes você precisa pensar fora da caixa. É provavelmente uma ideia boba e ingênua, mas o problema é tão sério que alguém pode considerar dizer ‘vamos ser honestos, temos um sistema profundamente corrupto, uma longa tradição de tolerância grotesca à corrupção de políticos, temos que expurgar o sistema’.
Não o faremos se o pescoço de cada um, individualmente, estiver em jogo. Então vamos superar o moralismo e ir para uma mudança sistêmica. E ter uma comissão de verdade e reconciliação, para oferecer anistia a qualquer um que honestamente reporte o que foi feito e julgar qualquer um que mentir. Acho que você pode ver muita gente abandonar seus colegas para se salvar.
BBC Brasil – Além da corrupção, quais são as origens da recessão da democracia, que você menciona no prefácio do livro?
Larry Diamond – Há uma série de tendências que estão acontecendo simultaneamente. Uma é que as expectativas das pessoas estão altas. Sua habilidade de monitoramento é melhor. Se os mesmos níveis de corrupção que existiam há 50 anos existissem agora, as pessoas estariam mais intolerantes, o escândalo se tornaria mais evidente.
A segunda coisa é que as eleições se tornaram mais caras. A necessidade de alguma fonte de financiamento de campanha aumenta, e também aumenta a tentação dos favores políticos. E, enquanto você está envolvido nisso, por que não pegar um pouco para você e para sua família?
Uma vez que isso acontece e continua, todos entram, se torna uma forma de vida e é difícil de mudar. Mas as pessoas estão mais conscientes disso, ficam com raiva e a democracia sofre.
Além disso, os anos 1980 e 1990 foram um período no qual os Estados Unidos e a Europa estavam fazendo muito para promover a democracia no mundo. Ao lado de organizações da sociedade civil, mídia independente, organizações de direitos humanos, estavam trabalhando para o desenvolvimento mais amplo e sustentável da democracia.
Nós retrocedemos nisso nos últimos dez anos, depois da guerra do Iraque.
BBC Brasil – O que podemos esperar dessas questões na gestão de Donald Trump?
Larry Diamond – O melhor que podemos esperar é que o presidente Trump esteja tão preocupado com outras coisas que não se foque nisso.
Não me parece que a atenção será benéfica. Ele expressou admiração natural por líderes autoritários, como Vladimir Putin, da Rússia, Erdogan, da Turquia, Marine Le Pen, da França.
E agora disse que estaria honrado de se encontrar com Kim Jong-un (líder norte-coreano). Jesus! Os Estados Unidos deveriam se encontrar com Kim Jong-un porque temos uma crise nuclear para resolver, mas com preparações e condições apropriadas, nunca dizendo que ‘seria uma honra’.
Infelizmente, o secretário de Estado não mostrou comprometimento com essas questões. Ninguém foi nomeado para ocupar posições relevantes (na divulgação da democracia).
A maior esperança é que o Congresso permaneça comprometido à promoção da democracia e à defesa dos direitos humanos.