T.S. Eliot – Poesia – Versos na tarde – 31/05/2017

A Terra Desolada, 1922
T.S Eliot¹

IV. O Sermão do fogo II

Tereu
Cidade irreal,
Sob a fulva neblina de um meio-dia de inverno
O Senhor Eugênides, o mercador de Smyrna,
A barba por fazer e o bolso cheio de passas coríntias
C.I.F. Londres, documentos à vista
Convidou-me em seu francês vulgar (demótico, eu diria)
A almoçar no Cannon Street Hotel
E a passar um fim de semana no Metropole.
À hora violácea, quando os olhos e as costas
Às mesas de trabalho renunciam, quando a máquina humana
aguarda
Como um trepidante táxi à espera,
Eu, Tirésias, embora cego, palpitando entre duas vidas,
Um velho com as tetas engelhadas, posso ver,
Nessa hora violácea, o momento crepuscular que luta
Rumo ao lar, e que do mar devolve o marinheiro à sua casa;
A datilógrafa que ao lar regressa à hora do chá,
Recolhe as sobras do café da manhã, acende
O fogareiro e improvisa seu jantar em latas de conserva.
Suspensas perigosamente na janela, suas combinações
Secam ao toque dos últimos raios solares.

Sobre o divã (à noite, sua cama) empilham-se
Meias, chinelos, batas e sutiãs.
Eu, Tirésias, um velho de enrugadas tetas,
Percebo a cena e antevejo o resto.
– Também eu aguardava o esperado convidado.
Chega então um rapaz com marcas de bexiga,
Um insignificante balconista de olhar atrevido,
Um desses tipos à-toa em que a arrogância assenta tão bem
Quanto a cartola na cabeça de um milionário de Bradford.
O momento é agora propício, ele calcula,
O jantar acabou, ela está exausta e entediada.
Ele procura então envolvê-la em suas carícias
Não de todo repelidas, mas tampouco desejadas.
Excitado e resoluto, ele afinal investe.
Mãos aventureiras não encontram resistência;
Sua vaidade dispensa resposta,
E faz da indiferença uma dádiva.

(E eu, Tirésias, que já sofrera tudo
O que nessa cama ou divã fora encenado,
Eu, que ao pé dos muros de Tebas me sentei
E caminhei por entre os mortos mais sepultos.)
Ao despedir-se, concede-lhe o rapaz um beijo protetor
E desce a escada escura, tateando o seu caminho . . .
Ela volta e mira-se por um instante no espelho,
Quase esquecida do amante que se foi;
No cérebro vagueia-lhe um difuso pensamento:
“Bem, já terminou; e muito me alegra sabê-lo.”
Quando uma bela mulher se permite um pecadilho
E depois pelo seu quarto ainda passeia, sozinha,
Ela a mão deita aos cabelos em automático gesto
E põe um disco na vitrola.

“Esta música ondula junto a mim por sobre as águas”
E ao longo da Strand, Queen Victoria Street acima.
Ó Cidade cidade, às vezes posso ouvir
Em qualquer bar da Lower Thames Street
O álacre lamento de um bandolim
E a algazarra que farfalha em bocas tagarelas
Onde repousam ao meio-dia os pescadores, onde os muros
Da Magnus Martyr empunham
O inexplicável esplendor de um jônico branco e ouro.
O rio poreja
Petróleo e alcatrão
As barcaças derivam
Ao sabor das marés
Rubras velas,
Abertas a sotavento,
Drapejam nos pesados mastros.

As barcaças carregam
Toras que derivam rio abaixo
Até o braço de Greenwich
Para além da Ilha dos Cães.
Weialala leia
Wallala leialala
Elizabeth e Leicester
Ao ritmo dos remos
A popa figurava
Uma concha engalanada
ubra e dourada
A rápida pulsação das águas
Encrespava ambas as margens
O vento sudoeste
Corrente abaixo carregava
O repicar dos sinos
Torres brancas
WeialaJa leia
Wallala leialala
“Bondes e árvores cobertos de poeira.
Tradução: Ivan Junqueira

¹Thomas Stearns Eliot
* Nuneaton, Reino Unido – 22 de novembro de 1819
+ Chelsea, Londres, Reino Unido – 22 de dezembro de 1880

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