Combater é, em termos absolutos, uma diminuição. O homem, quer defenda a pátria, quer defenda as ideias, desde que passa os dias aos tiros ao vizinho, mesmo que o vizinho seja o monstro dos monstros, está a perder grandeza. Sempre que por qualquer motivo a razão passou a servir a paixão, houve um apoucamento do espirito, e é difícil que o espírito se salve num processo onde ele entra diminuído.
Mas quando numa comunidade alguém endoidece e desata a ferir a torto e a direito, é preciso dominar o possesso de qualquer forma, e a guerra é fatal. Então, embora sabendo que vai empobrecer a sua alma, o homem normal começa a lutar, e só a morte ou o triunfo o podem fazer parar. É trágico, mas é natural. O que é contra todas as leis da vida é ficar ao lado da contenda como espectador. Sendo uma diminuição combater, é uma traição sem nome lavar as mãos do conflito, e passar as horas de binóculo assestado a contemplar a desgraça do alto dum monte.
Assim é que nada se salva. Fica-se homem sem qualquer sentido, manequim vestido de gente, coisa que não tem personalidade. Porque nem se representa a inteligência, nem o instinto, nem qualquer das forças que nos fazem viver. É-se, mas apenas estátua de carne petrificada no meio dum mundo onde sempre é preciso tomar posição, optar, para merecer o equilíbrio final que a própria catástrofe implica.
Miguel Torga