A vaidade acompanha-nos até na morte
Sendo o termo da vida limitado, não tem limite a nossa vaidade; porque dura mais, do que nós mesmos, e se introduz nos aparatos últimos da morte. Que maior prova, do que a fábrica de um elevado mausoléu?
No silêncio de uma urna depositam os homens as suas memórias, para com a fé dos mármores fazerem seus nomes imortais: querem que a sumptuosidade do túmulo sirva de inspirar veneração, como se fossem relíquias as suas cinzas, e que corra por conta dos jaspes a continuação do respeito.
Que frívolo cuidado! Esse triste resto daquilo, que foi homem, já parece um ídolo colocado em um breve, mas soberbo domicílio, que a vaidade edificou para habitação de uma cinza fria, e desta declara a inscrição o nome, e a grandeza. A vaidade até se estende a enriquecer de adornos o mesmo pobre horror da sepultura.
Vivemos com vaidade, e com vaidade morremos; arrancando os últimos suspiros, estamos dispondo a nossa pompa fúnebre, como se em hora tão fatal o morrer não bastasse para ocupação; nessa hora, em que estamos para deixar o mundo, ou em que o mundo está para nos deixar, entramos a compor, e a ordenar o nosso acompanhamento, e assistência funeral; e com vanglória antecipada nos pomos a antever aquela cerimônia, a que chamam as Nações últimas honras, devendo antes chamá-las vaidades últimas.
Queremos, que em cada um de nós se entregue à terra com solenidade, e fausto, outra infeliz porção de terra: tributo inexorável! A vaidade no meio da agonia nos faz saborear a ostentação de um luxo, que nos é posterior, e nos faz sensíveis as atenções, que hão-de dirigir-se à nossa insensibilidade.
Transportamos para o tempo da vida aquela vaidade, de que não podemos ser capazes depois da morte: nisto é piedosa connosco a vaidade; porque em instantes cheios de dor, e de amargura, não nos desampara; antes nas disposições de uma pompa fúnebre, dá ao nosso cuidado uma aplicação, ainda que triste, e faz com que divertido, e empregado o nosso pensamento chegue a contemplar vistosa a nossa mesma morte, e luzida a nossa mesma sombra.
Matias Aires