“The Testaments”, de Margaret Atwood, chega a livrarias na próxima semana, no que promete ser o lançamento do ano. Sequência do famoso romance de 1985 é cercada de mistérios. No Brasil, obra será lançada em novembro.
Ela foi descrita como a “rainha da distopia” pelo retrato assustador de autoritarismo do seu best-seller The Handmaid’s Tale – O Conto da Aia, em português –, de 1985. Embora seja uma obra de ficção, o livro mais famoso de Margaret Atwood é baseado em uma série de fatos reais. A premiada autora canadense de 79 anos se inspirou em casos históricos de opressão às mulheres para construir sua narrativa apavorante.
“Há um precedente na vida real para tudo no livro. Decidi não colocar nada que alguém em algum lugar já não tenha feito”, disse Atwood à revista People, em 2017.
De fato, não é preciso ir longe para encontrar paralelos na história, por exemplo, na Alemanha Nazista, no Chile de Augusto Pinochet ou após a Revolução Iraniana, para citar alguns precedentes.
Mas não é só o passado que atrai os leitores do romance de Atwood. Seus fãs admiram suas previsões e veem, com preocupação, paralelos nos desenvolvimentos políticos atuais.
“Não gosto de estar certa, porque estando certa significa que estamos aqui onde estamos. E esse não é um lugar divertido”, afirmou a autora poucos meses depois da posse do presidente americano, Donald Trump.
Desde então, o governo Trump vem minando vários direitos das mulheres, cortando de recursos públicos para clínicas de saúde sexual e indicando à Suprema Corte juízes que são favoráveis a restringir o aborto, por exemplo.
Atwood diz que é por isso que seu livro, juntamente com a adaptação para a série de televisão homônima, foram redescobertos. Devido a esse interesse, ela decidiu escrever uma sequência da obra, intitulada The Testaments (Os Testamentos, em tradução livre), que chega às livrarias americanas e britânicas no próximo dia 10 de setembro. No Brasil, a obra deve ser lançada em novembro pela editora Rocco.
Mulheres de vermelho
A série O Conto da Aia foi um revival oportuno para o romance publicado há mais de 30 anos. Quase do dia para a noite, a história de Atwood sobre uma escrava sexual chamada Offred, que vive na República de Gilead – localizada no território dos Estados Unidos depois de uma guerra civil –, transformou a autora numa estrela entre a geração dos millennials.
O papel da infeliz protagonista nesta sociedade extremista cristã é gerar filhos para os líderes masculinos tirânicos. Ela não tem direitos e serve a nenhum outro propósito, sendo reduzida a uma máquina de procriação. Rotular esse mundo como misógino seria um eufemismo. Cenas da série rivalizam facilmente com algumas das piores imagens que emergiram do reinado de terror do “Estado Islâmico” no Iraque e na Síria.
Com o sucesso da série, os uniformes vermelhos e os chapéus brancos usados por Offred e as outras violentadas e subjugadas aias passaram a ser vestidos por ativistas de direitos das mulheres como uma lembrança simbólica da linha perigosa que separa a cultura machista de um patriarcado totalitarista ou a “ficção especulativa” – como Atwood descreve o gênero de seu livro – do fato.
“Não estamos vivendo em Gilead ainda, mas existem sintomas semelhantes a Gilead”, disse Atwood no lançamento da série.
“Há coisas acontecendo com os direitos reprodutivos das mulheres no nosso próprio país que me fazem sentir que este livro está se tornando realidade”, afirmou a atriz Elisabeth Moss, que ganhou o Emmy pela interpretação de Offred na série.
Que o livro seja aberto
A narrativa sombria de Atwood em O Conto da Aia e em seus outros livros, porém, se concentra também na questão da coragem em tempos de desesperança, inspirando mulheres e minorias a defenderem seus direitos.
O fato de que as pré-encomendas de The Testaments – a tão aguarda sequência de O Conto da Aia – terem sido feitas meses antes da impressão do livro é uma prova suficiente de que, em tempos de incerteza, os leitores esperam encontrar conforto no romance de Atwood.
Mas não foram somente os leitores que depositaram confiança na sequência. Uma semana antes de seu lançamento oficial, o júri do Booker Prize de 2019 indicou o livro para o prêmio, descrevendo a obra como “apavorante e emocionante”.
Os estúdios MGM e a plataforma de streaming Hulu confirmaram que estão adaptando o The Testaments para a televisão. E a quarta temporada da série O Conto da Aia também já está em fase de pré-produção.
O novo livro é ambientado 15 anos depois dos eventos que ocorreram em O Conto da Aia e é contado a partir da perspectiva de três diferentes narradores – nenhum dos quais supostamente é Offred.
Por Atwood ter sido consultora da série nos últimos anos, com o roteiro indo além da história narrada do livro, parece que essa lacuna de tempo e um distanciamento da voz de Offred são intencionais, a fim de evitar um confronto com o enredo de roer unhas da segunda, terceira e quarta temporadas da série.
Bendito seja o lançamento
Em Londres, deverá haver pessoas vestidas de aia em vários locais durante o evento de lançamento do livro, que deve ser um dos maiores do gênero neste ano. Livrarias da capital britânica abrirão suas portas à meia-noite do dia 10 de setembro para que uma multidão de fãs ansiosos garanta seu exemplar de The Testaments – centenas de milhares da primeira edição já foram estocados.
A maior rede de livrarias do Reino Unido, Waterstones, está planejando mais de 30 eventos simultâneos para a noite de lançamento no país, nos quais atores vestidos como os moradores de Gilead devem proporcionar uma experiência de teatro imersiva. Lojas no Canadá e nos Estados Unidos pretendem investir em ideias igualmente impressionantes para comemorar o novo livro.
Atwood participará do lançamento em Londres na Waterstones de Piccadilly. Esse evento faz parte de uma turnê global de apresentação de seu novo livro. No dia seguinte, a autora será recebida no Teatro Nacional da capital britânica com transmissão ao vivo em mais de mil teatros do mundo. Ingressos para o evento estão esgotados a meses.
A última pessoa que lotou o Teatro Nacional de Londres desta forma foi a ex-primeira-dama Michelle Obama. Esse deve ser o lançamento mais espetacular de um livro desde a publicação do último volume de Harry Potter, há mais de uma década.
Sob os olhos da Amazon
Algumas poucas cópias do livro vazaram para o público uma semana antes do lançamento colossal. A responsável pelo vazamento foi a varejista online global Amazon, que tem a venda de livros como um dos pilares de seu negócio.
Cerca de 800 cópias foram enviadas antes da hora para consumidores nos Estados Unidos. Alguns disseram que esse envio pode ter sido deliberado como parte de uma jogada de marketing, para fazer com que mais pessoas falem sobre o livro.
Embora o primeiro capítulo tenha sido disponibilizado uma semana antes da data do lançamento, pouco foi revelado sobre o enredo de The Testaments.
“Tudo o que foi me perguntado sobre Gilead e seu funcionamento interno é a inspiração para esse livro. Bem, quase tudo. A outra inspiração foi o mundo no qual estamos vivendo”, disse Atwood sobre a sequência que escreveu durante o ano passado.
Há pouco espaço para interpretação sobre que tipos de acontecimentos do mundo real possam ter inspirado a autora, que é uma defensora declarada do movimento Women’s March (Marcha das Mulheres).
Muitos de seus fãs consideram Atwood uma profeta erudita entre os autores distópicos, uma mestre em traduzir em palavras como a democracia facilmente pode ser desmantelada. Mas Atwood gosta de dizer: “Escrevem-se esses livros para que não se tornem realidade.”