Manuel Bandeira – Versos na tarde

Sonho de uma terça feira gorda
Manuel Bandeira¹

Eu estava contigo. Os nossos dominós eram negros, e negras
[ eram as nossas máscaras.
Íamos, por entre a turba, com solenidade,
Bem conscientes do nosso ar lúgrube
Tão constratado pelo sentimento felicidade
Que nos penetrava. Um lento, suave júbilo
Que nos penetrava…Que nos penetrava como uma espada
[ de fogo…
Como a espada de fogo que apunhalava as santas extáticas.
E a impressão em meu sonho era que estávamos
Assim de negro, assim por fora inteiramente negro,
– Dentro de nós, ao contrário, era tudo claro e luminoso.

Era terça-feira gorda. A multidão inumerável
Burburinhava. Entre clangores de fanfarra
Passavam préstitos apoteóticos.
Eram alegorias ingênuas, ao gosto popular, em cores cruas.
Iam em cima, empoleiradas, mulheres de má vida,
De peitos enormes – Vênus para caxeiros.
Figuravam deusas – deusa disto, deusa daquilo, já tontas e
[ seminuas.
A turba, ávida de promiscuidade,
Acotevelava-se com algazarra,
Aclamava-as com alarido.
E, aqui e ali, virgens atiravam-lhes flores.

Nós caminhávamos de mãos dadas, com solenidade,
O ar lúgrube, negro, negros…
mas dentro em nós era tudo claro e luminoso.
Nem a alegria estava ali, fora de nós.
A alegria estava em nós.
Era dentro de nós que estava a alegria,
– A profunda, a silenciosa alegria…

¹Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho
* Recife, PE. – 19 de Abril de 1886 d.C
+ Rio de Janeiro, RJ. – 13 de Outubro de 1968 d.C

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