Manoel de Barros – Versos na tarde

Uma Didática da Invenção
Manoel de Barros ¹

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre
com faca
b) 0 modo como as violetas preparam o dia
para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas
têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote,
tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega
mais ternura que um rio que flui entre 2
lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
Etc.
etc.
etc.

Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava
escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para
Dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.

Quando o homem faz sua primeira lagartixa
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras

Para entrar em estado de árvore é preciso
partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer
em nossa boca.

Sofreremos alguma decomposição lírica até
o mato sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

¹ Manoel Wenceslau Leite de Barros
* Cuiabá, MT. – 19 de Dezembro de 1916 d.C

->>aqui mais Manoel de Barros no blog


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