COMO A NETFLIX ESTÁ SANGRANDO A GLOBO

Silvio Santos fez uma piada há duas semanas que virou notícia pelos motivos certos e pelos errados. Em seu dominical, admitiu: “Eu não vejo televisão. Só assisto cinema”, disse. “Eu tô vendo uma série muito boa, ‘Bíblia’. Assista, tem na Netflix”. 

Pediu uma assinatura, ganhou, virou manchete. Mas foi a primeira vez, provavelmente no planeta, em que um dono de TV confessa o óbvio: como cada vez mais gente, ele não liga o aparelho.
Uma pesquisa do final do ano passado do instituto Nielsen constatou que o uso tradicional da TV nos EUA caiu 10,6% entre pessoas de 18 a 34 anos. No Brasil, um levantamento do Google com homens e mulheres entre 14 e 55 anos concluiu que 24% delas passam metade do tempo na internet assistindo vídeos. A tendência é de alta. Basta ver o que ocorre na sua casa.
O Brasil está entre os cinco mercados mais importantes para a Netflix. A empresa não revela os números daqui. Em julho de 2014, o total mundial era de 50 milhões de assinantes. Destes, 37 milhões nos Estados Unidos. Recentemente anunciaram uma operação em Cuba.
É um caminho sem volta, especialmente para a Globo. Um amigo jornalista americano, radicado em São Paulo, contou que uma das coisas que mais o impressionaram aqui foi o tamanho da Globo com relação à concorrência (ou falta dela). “Isso não é capitalismo”, disse. “É uma aberração”.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
Por suas dimensões, o tombo tende a ser pior. Audiências em queda livre — quem imaginou o Fantástico com 17%? –, tentativas inúteis de reverter uma situação irreversível.
Em 2014, numa visita ao Rio, o principal executivo da Netflix comentou sobre a ausência de atrações da Globo no canal. “É uma situação única no mundo. É a única grande rede de televisão que não negocia com a gente”, afirmou Ted Sarandos. “Acho que eles têm medo de que vamos canibalizar o negócio deles”. A emissora carioca optou por uma plataforma chamada Globo TV+, que ninguém sabe, ninguém viu.
Com diversas opções no cardápio nos serviços por streaming, ficou evidente também o baixo nível da produção da Globo. Qualquer cidadão medianamente educado que veja um seriado — e não precisa ser algo de primeira classe como “House of Cards” ou “Breaking Bad” — tem um choque com uma telenovela (não precisamos entrar no lixo de “Big Brother” ou “Esquenta”).
Dia desses um colega quis assistir a um capítulo de “Império” para checar se, de fato, era tão ruim. O que se passou na tela: um sujeito chamado “Comendador” está num carro alegórico. Um mascarado vai armado atrás dele.
O mascarado sobe no carro e atira. Uma moça se joga na frente do Comendador. Fala umas besteiras e morre. Na cena seguinte, nenhum personagem está no hospital ou numa delegacia. Todos no Sambódromo, falando do acontecido.
Atores ruins, texto vagabundo, falta de nexo… Sempre foi assim, você se pergunta? “O Astro” era isso? “Gabriela Cravo e Canela” era isso? “O Bem Amado” era isso? Janete Clair era isso?
Provavelmente, sim, embora sua memória afetiva insista que naquele tempo era melhor. Na verdade, como ninguém tinha condições de comparar com nada, engolia-se a papagaiada embrulhada no tal “padrão de qualidade”.
Se tivessem juízo, elencos, diretores e autores globais veriam um único episódio de “Better Caul Saul” e ajoelhariam no milho até parir algo decente. Como o negócio é tentar manter o Ibope — inutilmente –, parte-se para o vale tudo.
É uma queda lenta, mas inexorável. Como gosta o grande senador Aloysio Nunes, a internet está sangrando a Globo. A-aaeee, Silvio.
Kiko Nogueira/DCM
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