O americano Reed Hastings mal tinha acabado de vender sua primeira empresa de tecnologia, em 1997, quando teve a ideia de criar uma nova companhia.
O estopim: ter de pagar à rede de locadoras Blockbuster uma multa de US$ 40 por ter devolvido com atraso um DVD do filme “Apollo 13”.
Hastings havia recebido US$ 750 milhões pela venda da Pure Software, que criava produtos para solucionar problemas de softwares, e se juntou ao sócio Mark Randolph na empreitada. A empresa fundada por eles seria a Netlfix, que se tornaria uma das gigantes do mundo do entretenimento.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”]
Mas não foi algo fácil.
A ideia inicial era bem diferente do serviço que conhecemos hoje. Consistia no aluguel de filmes pelo correio mediante o pagamento de uma taxa fixa, sem cobrança de multas ou data fixa para entrega.
O objetivo era justamente evitar o problema corriqueiro à época, do qual Hastings foi “vítima”: ter pagar uma multa ao esquecer de devolver um filme a uma locadora.
Mas apesar de considerada inovadora para a época, a empresa inicialmente não decolou.
O preço das ações na Bolsa eram baixos, o que forçou os proprietários a tentar vender 95% da companhia para a própria Blockbuster em 2000 – a proposta era agir como um serviço de entrega de DVDs pelo correio da então gigante das locadoras. Não foi aceita.
Do DVD ao streaming
A sorte mudou apenas em 2005, quando a Netflix fez uma mudança importante no tipo de serviço que prestava: saiu o aluguel de DVDs pelo correio, entrou o streaming digital de filmes e outros conteúdos audiovisuais.
Nessa época, a empresa tinha 4,5 milhões de usuários. A partir daí, o crescimento foi vertiginoso: alcançou 16 milhões de clientes em 2010 e disparou em direção dos 81 milhões nos dias atuais, 47 milhões só nos EUA – um dos 190 países cobertos pela ferramenta.
Brasil e América Latina foram palco da estreia do serviço fora da América do Norte, em setembro de 2011 – apesar de não comentar sobre países específicos, Hastings disse em 2015 que o Brasil é o “foguete” da empresa.
O crescimento trouxe também um novo braço para a empresa – a produção de conteúdo original.
Preocupados com a concorrência de outros serviços de streaming como o Hulu ou a própria Amazon, os diretores da empresa – Hastings e o responsável pelo conteúdo, Ted Sarandos – decidiram, em 2013, lançar a primeira série original: House of Cards.
O sucesso foi imediato e arrebatador: com Kevin Spacey como protagonista e David Fincher na direção, a série conquistou três Emmys, o principal prêmio da televisão nos EUA.
Além do prêmio, a empresa também registrou outra conquista: naquele ano, o preço das ações da Netflix ficaram 9.925% acima do preço de sua estreia na Bolsa.
De lá para cá, já foram lançadas várias outras séries originais de sucesso – é difícil que algum amante desse tipo de entretenimento nunca tenha ouvido falar, por exemplo, de Orange is the New Black, Narcos e Stranger Things.
Caminhos misteriosos
Segundo a revista Forbes, atualmente, o patrimônio do fundador, Reed Hastings é avaliado em US$ 1,5 bilhão, a maioria relacionado a ações da Netflix. O sucesso de público, no entanto, é difícil de medir: ao contrário dos canais de televisão, a empresa não divulga os dados de audiência.
Hoje, a empresa trabalha com o tripé tecnologia, marketing e conteúdo. E esse último cresceu tanto que parte da infraestrutura foi transferida do Vale do Silício para Hollywood, onde a empresa deve expandir sua atuação – e suas instalações – em 2017.
Atento ao crescimento de sua cria – e de seus concorrentes – Hastings leva a sério a precisão dos algoritmos que oferecem conteúdo aos usuários da Netflix para fazer com que eles continuem assistindo. Mas admite não saber exatamente quais caminhos a empresa deve seguir no futuro.
“Nós não sabemos ao certo. Não é a Netflix que está fazendo as mudanças, é a internet. Todos os anos a gente descobre como usar a internet para melhorar a experiência do consumidor. Todo ano é um novo experimento”, disse ele em janeiro à revista Venture Beat.
Para o empresário, a tecnologia é um “veículo para criar uma experiência melhor e mais moderna para o conteúdo da empresa”.
“Nós estamos competindo, de forma geral, pelo tempo das pessoas”, declarou ele à Bloomberg.
Além de ser fundador e CEO do Netflix, Hastings também atua hoje nos conselhos diretores do Facebook e da Microsoft.
Educação e tecnologia
Além de ter contribuído para mudar a forma como as pessoas acessam o conteúdo audiovisual e veem televisão, Hastings tem outro interesse: a educação.
Filho de um advogado que chegou a trabalhar no governo de Richard Nixon, ele se formou em matemática no Bowdoin College, em 1983, e fez um mestrado em inteligência artificial na renomada Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.
Logo depois de se formar, decidiu se unir ao Corpo da Paz e se tornou professor de matemática na Suazilândia entre 1983 e 1985.
De lá para cá, vem apoiando diversos projetos de educação, se tornou um filantropo da área, além de um incentivador e apoiador das chamadas charter schools – modelo de escola pública com gestão privada.
Em 1998, financiou uma campanha para mudar a legislação da Califórnia justamente para diminuir as restrições a esse tipo de instituição. Ele chegou a ser presidente do Departamento de Educação do Estado entre 2001 e 2004, defendendo a reforma escolar.
Atualmente, faz parte da comissão educacional de várias instituições, como CCSA, DreamBox e outras.
Em 2012, Hastings e a mulher, Patty Quillen, prometeram doar a maior parte da herança deles à caridade.
Os dois vivem com os dois filhos adolescentes em Santa Cruz, na Califórnia.
Um ano depois, ele investiu US$ 14 milhões em um projeto chamado DreamBox Learning, um programa online para o aprendizado de matemática para estudantes do ensino fundamental e médio.
No início de 2016, anunciou a criação de um fundo filantrópico de educação, o Hastings Fund, com um investimento inicial de US$ 100 milhões (R$ 327 mi).
“Muitas crianças não tem acesso a escolas brilhantes. Nosso objetivo é fazer parcerias com comunidades para aumentar significativamente o número de estudantes com acesso a experiências de educação holísticas e ricas”, diz a apresentação do fundo.
A ideia de investir em educação surgiu no período em que ele passou lecionando na Suazilândia.
“Muitos dos alunos tinham uma preparação desigual. Muitos estavam comprometidos com a educação, mas a pobreza tornava tudo mais difícil. É preciso se conectar com as crianças”, disse Hastings ao portal Education Next.
Para ele, a tecnologia é aliada do aprendizado, e pode personalizar o processo da educação.
“A tecnologia é global. Precisamos que todas as crianças tenham uma boa educação em todo lugar, no México, Nigéria, ou no Paquistão”.
*Com reportagem de Néli Pereira, da BBC Brasil em São Paulo