Em meio a especulações decorrentes do voto britânico anti-UE, evoca-se o status adotado pela Noruega. Uma mistura complexa de privilégios e desvantagens – que exigiria improvável dose de tolerância de ambos os lados.
Na alentada discussão sobre os destinos do Reino Unido e da União Europeia (UE) após a consumação do assim chamado Brexit, tem-se ouvido com frequência crescente o conceito “modelo norueguês”.
Embora não seja membro da UE, a Noruega integra a Área Econômica Europeia (AEE). Assim, da mesma forma que a Islândia e Liechtenstein, ela está sujeita às normas do bloco, mas sem poder votar sobre elas. Suas exportações para a UE são igualmente passíveis de controles alfandegários, já que os noruegueses não são membros da União Aduaneira Europeia.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
A filiação à AEE – que também inclui os não membros da UE Andorra, Mônaco e San Marino – significa que mercadorias circulando dentro das fronteiras do bloco não são taxadas, e que seus membros aplicam uma taxa comum a todas as importações externas.
Os países também pagam contribuições anuais para manter a filiação. Segundo números publicados pelo governo em Oslo e pela Missão Norueguesa na UE, a quantia per capita desembolsada pela Noruega é equivalente à do Reino Unido.
A Noruega também paga aos países mais pobres da UE subsídios que são periodicamente renegociados, além de contribuir para programas da UE de que deseje participar, como, por exemplo, o Erasmus, de intercâmbios universitários.
Diante de tais dados, parece não haver razão para a Noruega não ser membro da UE. De fato, ultimamente parte da população argumenta que seria melhor o país se filiar ao bloco, já que está pagando contribuições equivalentes.
Desvantagens do modelo
Um relatório publicado por Londres em março aponta um dos problemas em adotar o modelo norueguês: “Se o Reino Unido negociasse o modelo, estaríamos subordinados a muitas das regras da UE, mas não teríamos direito de voto ou veto na criação dessas regras.”
Não sendo membro, a Noruega tampouco tem representação ou direito de votação das leis europeias. O primeiro-ministro norueguês não participa do Conselho Europeu, e o país não integra o Conselho de Ministros nem ocupa assentos no Parlamento Europeu.
“A Noruega não tem um membro nacional na Comissão Europeia, nenhum juiz na Corte Europeia de Justiça, e seus cidadãos não têm direito de votar nas eleições da UE ou de trabalhar em suas instituições”, prossegue o relatório.
“Medidas de salvaguarda”
Ainda assim, talvez haja para o Reino Unido uma luz no fim do túnel do Brexit. O Capítulo 4º do acordo da AEE, intitulado “Medidas de salvaguarda”, permite aos Estados-membros “tomar unilateralmente medidas apropriadas” em casos de “sérias dificuldades econômicas, sociais ou ambientais […] com o fim de remediar a situação”.
Ou seja: em caso de emergência, os britânicos poderiam, em tese, evocar essas medidas de salvaguarda, declarando uma crise. A Islândia acionou esse mecanismo em 2008, em reação à crise econômica nacional.
Assim como a Noruega investe milhões de euros em programas conjuntos com a UE, o Reino Unido talvez também pudesse, então, escolher suas cooperações, permitindo que seus cidadãos trabalhassem e estudassem na UE. Algumas instituições financeiras também teriam permissão para operar no bloco – para alívio dos britânicos apreensivos em ambos os campos.
Renegociações complicadas
Em contrapartida, o relatório do governo britânico enfatiza que o modelo norueguês daria acesso considerável, mas não completo ao Mercado Único, de livre-comércio.
“Estaríamos fora da União Aduaneira e perderíamos acesso a todos os acordos comerciais da UE com 53 outros mercados por todo o mundo”, e “renegociá-los exigiria anos”, adverte a publicação de Londres.
A Suíça, por exemplo, mantém 120 diferentes pactos com a União Europeia, cuja negociação em parte levou vários anos, o que torna extremamente difícil reproduzir essa situação.
E o país não é o único com uma relação complexa com a UE. Ao contrário da Noruega, a Turquia pertence à União Aduaneira. Seus acordos com a UE cobrem mercadorias industriais e processadas, mas não serviços ou produtos agrícolas crus. E nas áreas em que os turcos têm acesso ao mercado europeu, eles têm que impor normas equivalentes às vigentes dentro do bloco.
Ficar com o bolo e comê-lo também?
Outra lacuna na aplicação do modelo norueguês ao Reino Unido seria o quesito da livre circulação de pessoas, que consta do acordo da AEE. A Noruega é obrigada a aceitá-la, e por isso optou por aderir ao Espaço de Schengen, em que estão abolidos os controles nas fronteiras internas.
A julgar pelos diversos incidentes recentes de xenofobia no Reino Unido, apelidados “racismo pós-Brexit”, parte da população dificilmente acataria uma imposição dessa parte do acordo.
Por fim, mesmo que o Reino Unido optasse por acionar as medidas de salvaguarda previstas no acordo da AEE, não está claro quanto tal situação poderia durar. E nem por quanto tempo os demais membros da União Europeia estariam dispostos a tolerar que os britânicos desfrutem das vantagens de ambos os sistemas.
Com dados do DW