Preso há quase 2 anos, Cacciola é ídolo em Bangu 8. O ex-banqueiro é defendido pelo mesmo advogado de Zé Dirceu.
Salvatore, o Cacciola, coleciona na Justiça o indeferimento de dez habeas corpus. No momento o “sem banco” aguarda decisão do STF sobre um novo pedido de liberdade. No início de 2009, já poderá requerer o regime ‘semi-aberto’.
Condenado a 13 anos de cadeia em 2005, Salvatore Alberto Cacciola, 65 anos, tornou-se um preso de mostruário.
Ex-banqueiro, rico, habituado a uma vida faustosa, Cacciolla está a três meses e 15 dias de completar dois anos de cana.
Ajustou-se como poucos ao dia-a-dia da penitenciária carioca Pedrolino Werling de Oliveira, mais conhecida como Bangu 8.
“Advogo há 20 anos. Nunca tinha visto uma pessoa com tamanha capacidade de se adaptar”, diz o defensor de Cacciola, José Luiz de Oliveira Lima.
Vem a ser o mesmo advogado que cuida da defesa do ex-ministro petista José Dirceu no processo do mensalão. Cacciola contratou-o no final do ano passado.
Oliveira Lima já fez quatro visitas ao cliente. Conversam num parlatório, separados por uma tela de arame. De uns tempos para cá, Cacciola exibe ânimo oscilante.
“Oscila entre a depressão e a normalidade”, conta Oliveira Lima. “É gentil e atencioso. Comigo e com os outros presos”.
Bangu 8 tem capacidade para 257 detentos. É visto como um calabouço VIP. Abriga criminosos com diploma. Entre eles policiais, chefes de milícias, e bicheiros.
Cacciola veste o uniforme da hospedaria: camiseta branca e calça jeans. Gasta o tempo livre de que dispõe na leitura e no convívio com os presos.
Dá-se bem com todo mundo. Consola, distribui conselhos e gentilezas. Tornou-se o oráculo do cárcere. É respeitado por todos. E venerado como ídolo por muitos.
Encontra-se recolhido numa cela de 125 m². Divide as acomodações com 18 presos. Com os demais, convive no banho de sol diário.
Ouvido pelo blog, um servidor da penitenciária disse que o quadro já foi pior. Cacciola chegou a coabitar com cerca de 35 companheiros de cela.
Um luxo, tomando-se os padrões de superlotação do sistema carcerário brasileiro. Há na cela dois banheiros. Num, o vaso sanitário. Noutro, chuveiros que vertem água fria.
O presidiário Cacciola tratou de aparelhar-se. Providenciou um frigobar privativo e um aparelho de TV, que coletivizou.
Contra a refeição precária de Bangu 8, refugia-se nos pratos que lhe chegam pelas mãos de familiares e nas compras que faz numa cantina instalada dentro do presídio.
Segundo Oliveira Lima, “a família vem dando um suporte extraordinário” a Cacciola. O repórter apurou que são dois os visitantes mais frequentes do sem-banco.
O irmão Renato e a filha Rafaella levam-lhe -além de comida e afeto- jornais, revistas e livros. Muitos livros. Cacciola foge de confusões.
Dias depois de sua chegada a Bangu 8, os contraventores Rogério Andrade (jogo do bicho) e Fernando Iggnácio (caça-níqueis) trocaram socos durante o banho de sol.
Junto com o deputado estadual cassado Álvaro Lins, solto na semana passada, Cacciola assistiu à briga de longe. Não se animou a intervir.
Esforça-se para manter o bom comportamento. Algo que pode lhe garantir, já no início de 2010, o benefício da “progressão de regime”.
Passada a virada do ano, Cacciola terá cumprido 1/6 de sua pena. E o advogado Oliveira Lima poderá requerer a prisão semi-aberta.
Nesse regime, o ex-banqueiro passará o dia fora da cadeia. Só voltaria à noite, para dormir. Antes disso, Oliveira Lima tenta obter coisa melhor.
Protocolou no STF um habeas corpus. Pede que seja concedido a Cacciola o direito de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos que interpôs contra a condenação de 2005 e outros quatro processos, dois dos quais já anulados.
“Confio muito no discernimento do Supremo”, diz o advogado. Chamado a manifestar-se, o Ministério Público deu parecer contrário.
Para desassossego de Oliveira Lima, sua petição repousa sobre a mesa do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que se licenciou para cuidar da saúde.
Diz-se que Direito só volta ao STF em agosto. Algo que, se confirmado, levará Oliveira Lima a protocolar um pedido de troca de relator.
O otimismo do advogado de Cacciola contrasta com decisões recentes do Judiciário. O ex-banqueiro coleciona dez indeferimentos de habeas corpus.
Dois deles, rejeitados em liminares, aguardam pelo julgamento do mérito no STJ. Oliveira Lima confia que uma eventual decisão favorável no Supremo influa no veredicto do outro tribunal.
Deve-se a aversão do Judiciário às petições da defesa de Cacciola, em boa medida, à fuga do banqueiro para a Itália. Deu-se em 2000.
Preso naquele ano, Cacciola amargou 37 dias de cana. Foi ao meio-fio graças a uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do STF.
Aproveitando-se da dupla nacionalidade, o ítalo-brasileiro Cacciola fugiu para a Itália. Ausente, foi condenado à revelia, cinco anos mais tarde. Em 2007, baixou a guarda.
A Interpol recapturou-o em setembro daquele ano, no principado de Mônaco. Agora, paga em Bangu 8 o preço dos dólares baratos que comprou do BC em 1999, sob FHC.
Era, à época, dono do Banco Marka. Jogara suas fichas no dólar barato. O governo levou ao pano verde a superdesvalorização do Real. E Cacciola perdeu a aposta.
Guardava nas gavetas contratos em dólar cujo montante equivalia a cerca de 20 vezes o patrimônio líquido de seu banco. O BC socorreu-o. Junto com outro banco, o FonteCidam, o Marka comprou dólares baratos.
A operação foi esquadrinhada pelo Ministério Público e pela PF. Descobriu-se que resultara em prejuízo de R$ 1,6 bilhão à Viúva. Coisas do Brasil.
De diferente, apenas a cana longeva de Cacciola. Embora também condenados, os gestores do BC que lhe estenderam a mão estão na rua. Outra coisa tão brasileira quanto a jabuticaba.