Em 1965, o general Suharto deu um golpe de Estado na Indonésia e ordenou a eliminação um milhão de pessoas acusadas de serem comunistas
Hadji Mohamed Suharto, cerimônia de posse na presidência da Indonésia, março 1968 (Imagem: Wikipedia)
Se fosse possível estabelecer uma escala de requintes sádicos para a execução da morte como pena oficial, o ritual criado pelo governo da Indonésia disputaria um lugar de destaque.
De tal maneira é dolorosa a expectativa a que a vítima é submetida, que Rogério Paez, que foi colega de cela de Marco Archer por cinco anos, disse que o sofrimento do amigo era tanto que talvez tenha sido um alívio a notícia, enfim, do desfecho, pois chegara a pedir para morrer ao diretor do presídio, sem sucesso.
“Marco, adoraria te matar amanhã”, foi a resposta, “mas o homem lá de cima (o presidente) ainda não assinou. Espera mais um pouquinho”. Esse diálogo surrealista obedece a uma legalidade cínica e perversa que inclui oferecer ao condenado que passou 11 anos preso a “regalia” de escolher se prefere ser morto em pé ou ajoelhado, de venda nos olhos ou de capuz, como se fosse um gesto magnânimo do bondoso algoz.
Se a Indonésia faz isso agora, quando diz ter orgulho de ser a terceira democracia do mundo, imagina quando era ditadura. Não é preciso imaginar, basta recordar.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
Há exatas cinco décadas, em novembro de 1965, o general Suharto deu um golpe de Estado e ordenou a eliminação de cerca de um milhão de pessoas acusadas de serem comunistas.
O chamado “Massacre de Jacarta” foi considerado pela própria CIA, que ajudou a planejá-lo, como um dos piores do século XX — e isso num século que teve nazismo e stalinismo em sua trajetória.
Suharto achava que, matando os comunistas, acabava com o comunismo; Joko Widodo acredita que, exterminando traficantes, põe fim ao tráfico. Ele é implacável com os traficantes dos outros, mas compreensivo com os seus criminosos.
Enquanto negava a clemência pedida pela presidente Dilma, solicitava o mesmo ao governo da Arábia Saudita para uma criminosa indonésia condenada à morte por homicídio e roubo.
Na Indonésia, quando a natureza não mata através de terremotos ou tsunamis, como ocorreu há alguns anos com mais de 200 mil pessoas, mata por fuzilamento no atacado, como fez Suharto, ou no varejo, como tem feito Widodo.
O governo de Dilma tenta agora salvar Rodrigo Gularte, o outro brasileiro condenado à morte, internando-o num hospital psiquiátrico. Médicos de lá teriam diagnosticado nele sérios transtornos mentais.
O assessor da Presidência Marco Aurélio Garcia procura manter-se animado: “A esperança é sempre a última que morre”. Vamos torcer para que Rodrigo Gularte não morra antes dela.
Por Zuenir Ventura/O Globo