Morte de jovem violinista provoca dura reação do maestro Dudamel contra Maduro
As mortes atribuídas ao Governo acabaram com a paciência de Dudamel. Mas ainda mais a do jovem Cañizales. O rapaz enfrentou com pedras a Guarda Bolivariana e foi baleado no pescoço quando desafiava com as mãos para cima as tropas do Governo. Seus amigos o levaram de moto até uma ambulância que depois o levou ao hospital, onde sua morte foi constatada. Os moradores de Colinas de Bello Monte se reuniram em uma vigília e Dudamel redigiu seu comunicado.
“Minha vida inteira foi dedicada à música e à arte como forma de transformar o mundo. Levanto minha voz contra a violência e a repressão. Nada pode justificar o derramamento de sangue. Já basta de ignorar o justo clamor de um povo sufocado por uma crise intolerável. Historicamente o povo venezuelano tem sido um povo lutador, mas jamais violento”, começa o texto.
“A democracia não pode ser construída de acordo com as vontades de um governo particular. O exercício democrático implica escutar a voz da maioria”, afirma o músico
“Para que a democracia seja saudável devem existir respeito e entendimento verdadeiro. A democracia não pode ser construída de acordo com as vontades de um governo particular. O exercício democrático implica escutar a voz da maioria, como baluarte último da verdade social. Nenhuma ideologia pode ir além do bem comum. A política deve ser feita a partir da consciência e em respeito à constitucionalidade, adaptando-se a uma sociedade jovem que, como a venezuelana, tem o direito a se reinventar e se refazer no saudável e incontestável contrapeso democrático”, continua o comunicado.
“Os venezuelanos estão desesperados por seu direito inalienável ao bem-estar e à satisfação de suas necessidades mais básicas. As únicas armas que podem ser entregues a um povo são as ferramentas para forjar seu futuro: instrumentos musicais, pincéis, livros; enfim, os mais altos valores do espírito humano: o bem, a verdade e a beleza”.
As alusões a uma mudança são patentes. Por fim, se dirige a Maduro: “Faço um pedido urgente ao Presidente da República e ao Governo nacional para que mude sua atitude e escute a voz do povo venezuelano. Devemos aos nossos jovens um mundo auspicioso, um país no qual se possa caminhar livremente na divergência de opiniões, na tolerância, no diálogo e em que os sonhos tenham lugar para construir a Venezuela que todos desejamos”.
A ruptura entre um dos símbolos do país como é o Sistema de Orquestras e o Governo dá uma magnitude clara da crise. A organização educativa e de ação social criada por José Antonio Abreu há 41 anos representa toda uma miscelânea sociocultural absolutamente estabelecida em bairros pobres, com grande carga de liderança entre seus dirigentes.
Até o momento, nenhum membro de sua cúpula havia se manifestado claramente contra o Governo de Maduro. O sistema vive em grande parte de recursos públicos e isso os colocava entre a cruz e a espada. Mas as vozes contrárias ao Governo cresceram espantosamente nos últimos tempos.
Tanto seu fundador, José Antonio Abreu, que está doente e afastado da vida pública há três anos, como Dudamel, sofreram grandes campanhas contra seu silêncio nas redes sociais. O diretor viveu essa situação com muito sofrimento, se encontrou em uma posição muito incômoda, com sua família dentro do país e ele fora tentando desenvolver ao máximo sua carreira.
Ela chegou ao zênite no último concerto de ano novo, quando o venezuelano foi o maestro mais jovem a dirigir a Filarmônica de Viena. Outro de seus quartéis são os Estados Unidos. É diretor titular da Sinfônica de Los Angeles e mora na cidade em boa parte de seu tempo sem deixar de estar presente na Venezuela com a Orquestra Simón Bolívar, onde se formou.
Esteve com ela na Espanha há dois meses, pouco antes de se tornar público seu casamento com a atriz madrilenha María Valverde. Em uma entrevista concedida ao grupo Lena – aliança de jornais europeus da qual o EL PAÍS faz parte –, feita por Javier Moreno, Dudamel continua apostando no diálogo.
Em 2015 escreveu um artigo no Los Angeles Times intitulado curiosamente Porque não falo da política venezuelana. Mas não era o caso. Nele afirmava que compreendia os opositores, mesmo que não compartilhasse de todas as suas posições e respeitava as autoridades, mas não estava de acordo com todas as suas decisões. De modo que navegava na ambiguidade, mas se via que ele estava mais próximo de romper o muro.
Na entrevista ao Lena, Dudamel afirmou que o Sistema é um símbolo de liberdade em seu país e que está além da politização. “Não acredito que exista nada de ruim, de indigno, de criminoso em querer unir as pessoas. Porque no momento em que você toma uma posição, faz parte de uma divisão. E aí acabou.
Nadar nisso é muito complexo. Você não se isola por egoísmo. Você está ali. E vivencia a situação mais do que imaginam os que estão sofrendo sozinhos. E você está ali, tentando criar um equilíbrio em um momento tão polarizado, em que a regra é demonizar quem não está de acordo com você”. Parece que os novos e trágicos acontecimentos o obrigaram a tomar uma posição muito mais clara e contundente.