Cara Ruth ¹
Escrevo a você num desabafo.
Sou professora de Língua Portuguesa e, em 1995, fiquei cedida, durante quase um ano, à Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo.
Há um nó em minha garganta e, desde que soube do ocorrido, tenho me emocionado inúmeras vezes.
É muito difícil organizar as ideias no pensamento quando essas não fazem sentido…
A fragilidade de nossas escolas tem proporcionado cenas lamentáveis diariamente.
É claro que a tragédia da semana passada não pode servir como parâmetro de comparação, mas vemos, no dia a dia, cenas de violência com as quais temos de lidar, ainda que sem preparo, e a mídia sequer fica sabendo.
São alunos que se agridem física e verbalmente, muitas vezes, por motivos extremamente banais; alunos que desacatam professores e funcionários com palavras de baixo calão; pais e responsáveis que entram nas escolas e agridem professores que, supostamente, teriam causado algum “problema” aos seus filhos…
Não queremos uma escola que se assemelhe a uma penitenciária, com detectores de metais e policiais armados à porta. Mas precisamos de um elemento que exerça algum tipo de autoridade e que nos ajude a lidar com essas ocorrências.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita]
Penso que, se houvesse um guarda municipal, que não porta armas letais, durante o expediente, nossos problemas com indisciplina e atos violentos entre os alunos seriam reduzidos.
Na escola onde trabalho hoje, um ex-aluno, de 16 anos, entrou no ano passado com uma garrafa de cachaça escondida e a bebeu juntamente com uma aluna de 13 anos. A menina passou muito mal no banheiro e, quando foi encontrada, estava quase em coma alcoólico. A família foi chamada, mas os pais não vieram buscá-la. Somente um tio tomou essa iniciativa…
Nossa escola é um prédio de 4 andares, tem um grande pátio coberto, duas quadras de esporte e um quintal enorme. Temos somente UMA pessoa trabalhando como inspetora, portadora de deficiência física, que se locomove com dificuldades.
Há alguns anos, a direção mandou instalar câmeras de segurança porque a escola já sofrera diversos roubos. Os próprios alunos se encarregaram de destruir o equipamento.
Já tivemos ocorrências de responsáveis que xingaram professores e direção por não concordarem com as advertências recebidas pelos filhos.
As autoridades precisam admitir que, infelizmente, os tempos mudaram e para pior.
Os valores estão todos deturpados e a escola deixou de ser, há muito tempo, um local onde o respeito ao próximo era visto como prioridade.
Alunos, professores, funcionários… todos somos reféns dessa onda de violência que inunda nossas escolas.
Precisamos de SEGURANÇA e RESPEITO para darmos continuidade ao nosso trabalho.
Abraços,
C.
PS Agradeço a sua atenção. Fico satisfeita em saber que, de alguma forma, minhas angústias (que são as mesmas de muitos professores) serão ouvidas (lidas). Gostaria muito de poder revelar-me e dizer também o nome da escola onde trabalho, mas, infelizmente, a Secretaria Municipal de Educação não admite críticas feitas pelos seus funcionários e, temendo algum tipo de represália, somos obrigados a omitir muitas coisas. Pode, sim, publicar o meu depoimento em seu blog, desde que meu nome não apareça. Use um pseudônimo ou apenas a inicial do meu primeiro nome.
A mim, a professora se identificou com nome e sobrenome, mas naturalmente respeito seu desejo de se proteger. As palavras com maiúsculas são de seu original. Recebo esse desabafo com tristeza, não com perplexidade. Antigamente, ser professor ou ter um professor na família era motivo de orgulho e alegria. Hoje, é motivo de preocupação.
Um professor de escola pública (e de algumas particulares) é obrigado a lecionar em diversos locais para ter uma remuneração decente. Além disso, é às vezes agredido verbal e fisicamente por alunos e pais de alunos. Na Escola Tasso da Silveira, em Realengo, um professor foi um pouco herói, acalmando as crianças e trancando a porta da sala, praticamente colocando-se na mira do atirador. (Além, claro, de outro salvador decisivo: o sargento que impediu uma carnificina ainda maior).
Nesse post, minha homenagem aos professores que enfrentam tantas adversidades e acreditam em sua profissão. E meu desejo de que os governos enfim passem da retórica à ação e tornem a educação a prioridade máxima no Brasil.
¹ Ruth de Aquino é colunista de ÉPOCA, morando atualmente na Europa.