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Maria Teresa Horta – Poesia – 30/06/24

Boa noite. Enleio Maria Teresa Horta ¹ Não sei se volteio Se rodopio Se quebro Se tombo nesta queda em que passeio Não sei se a vertigem em que me afundo é este precipício em que me enleio Não sei se cair assim me quebra… Me esmago ou sobrevivo em busca deste anseio. ¹ Maria Teresa Mascarenhas Horta * Lisboa, Portugal – 20 de Maio de 1937

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Brecht – Poesia – 19/04/24

Boa noite Também o céu Brecht¹ Também o céu às vezes desmorona E as estrelas caem sobre a terra Esmagando-a com todos nós. Isto pode ser amanhã. ¹Eugen Berthold Friedrich Brecht * Augsburg, Alemanha – 10 de Fevereiro de 1898 + Berlim, Alemanha – 14 de Agosto de 1956

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O homem universal

Pintura de Fritz Wagner – O que é o homem universal? Os mosteiros, com suas grandes bibliotecas, eram o centro do saber na Europa antes do surgimento das universidades. Na verdade, foi a partir deles que algumas das primeiras universidades surgiriam. O que torna o monge medieval um homem universal? Por influência da Antiguidade Clássica, na Idade Média ensinava-se as Sete Artes Liberais, aprimoradas nesse período, que eram a base do saber: o Trivium (lógica, gramática e retórica) e o Quadrivium (aritmética, música, geometria e astronomia). O clero era educado nelas, principalmente os padres. Era um requisito indispensável para os padres aprender o latim e algumas vezes também o hebraico e o grego, para um estudo aprofundado da Bíblia. Além de padres e muitos monges terem essa base nas Sete Artes Liberais e conhecimento de idiomas, eles estudavam filosofia e teologia. Nos mosteiros, os monges repetiam, e repetem até hoje, os salmos na Liturgia das Horas tantas vezes por dia que alguns sabem os 150 salmos de cor. É comum que citem de cor muitas passagens dos Evangelhos ou mesmo algumas do Velho Testamento. Houve vários monges que também foram cientistas. Um dos exemplos mais óbvios é Gregor Mendel, o pai da genética: biólogo botânico e monge agostiniano. E um padre e físico belga, Georges Lemaître, criou a teoria do Big Bang. Mas voltemos aos monges. Além de muitos terem inúmeros conhecimentos intelectuais em diversas áreas do saber, todos eles possuem uma categoria muito especial de conhecimento: o manual. Assim como os pintores renascentistas, vários monges, frades e padres se destacaram na habilidade com a pintura, a exemplo de Fra Angelico, frade dominicano. Nos mosteiros sempre foi muito comum que os monges aprendessem as artes da pintura e da caligrafia e preparassem as belas iluminuras dos pergaminhos medievais. Mas os conhecimentos do monge medieval não acabam aí. Eles aprendiam a cozinhar, preparavam as próprias comidas e até vendiam artigos como pães, biscoitos, geleias e cervejas artesanais, tudo feito por eles mesmos. E fazem isso até hoje. Isso é tudo? Não, alguns monges fazem esculturas, costuram, dentre outras habilidades manuais, dependendo dos artigos que vendem nas lojas dos mosteiros. E além disso, eles também fazem sua própria limpeza: varrem e lavam o chão, lavam os pratos. Lavam a própria roupa. Os filósofos da Antiguidade Clássica colocavam os trabalhos intelectuais acima dos manuais porque tinham escravos. Aristóteles e outros filósofos da Antiguidade Clássica colocavam os trabalhos intelectuais acima dos manuais porque tinham escravos para fazer para eles trabalhos como cozinhar, lavar e limpar. Na Idade Média e com o cristianismo houve uma valorização de trabalhos do campo como a agricultura. E aqui encontramos mais uma habilidade de muitos monges medievais: plantar, já que muitos plantavam e colhiam a própria comida. E cortavam a própria lenha para se aquecer no inverno. Além disso, sempre foram excelentes anfitriões, recebendo e hospedando viajantes que chegassem. Portanto, o monge medieval, além dos conhecimentos intelectuais em várias áreas, também sabia pintar, esculpir, fazer caligrafia (os monges copistas), costurar, cozinhar, limpar, plantar e tudo mais que fosse necessário à sobrevivência, pois eles não tinham nenhum empregado para fazer isso para eles. Num mosteiro todos devem fazer um pouco de trabalho intelectual, manual e braçal. Será mesmo que o homem urbano renascentista, que conhece a fundo filosofia, ciência e engenharia, sabe pintar e esculpir, mas talvez não saiba plantar, cozinhar, costurar e limpar, é mais universal que o homem medieval, principalmente se falamos de um monge medieval? E será que não é particularmente interessante que todos saibam um pouco dos trabalhos braçais e auxiliem com eles, como ocorre em mosteiros, ao invés de considerá-los em segundo plano, como inferiores, enquanto o homem universal renascentista se coloca num pedestal com seus trabalhos intelectuais e artísticos superiores?

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Sobre buracos negros e a banalidade da vida terráquea

“Quem sabe lá, onde o tempo como o conhecemos acaba e a realidade nos suga para dimensões desconhecidas, seja possível superar a sina triste das sociedades incapazes de enxergar a si mesmas” “E no entanto… no entanto… negar a sucessão do tempo, negar o eu, negar o universo astronômico são desesperos aparentes e consolos secretos… O tempo é a substância de que sou feito. O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me destroça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo. O mundo, desgraçadamente, é real; e eu, desgraçadamente, sou Borges.” Jorge Luis Borges, “Uma refundação do tempo”, em Outras Inquisições Num dia como o de hoje, como de ontem na verdade, a primeira imagem de um buraco negro foi divulgada. O feito é resultado do trabalho de uma série de cientistas que, para dizer de forma resumida e um tanto vulgar, triangularam imagens e informações capturadas por dezenas de satélites – foram feitos 420 cenários físicos diferentes – que integram o projeto Event Horizon Telescope – EHT. Para desespero cético dos terraplanistas, a publicação do estudo foi feita no The Astrophysical Journal Letter, um dos mais importantes periódicos da área. Na imagem divulgada, um círculo de luz em tom avermelhado ocupa a parte central de uma imagem escura com o miolo igualmente negro. Albert Einstein, em sua Teoria Geral da Relatividade, publicada 100 anos atrás, denominou os buracos negros dessa forma porque sua imensa massa de matéria concentrada gera uma gravidade tal que qualquer fóton ou estrela que passe perto dele é engolido. Sem contrariar a tese de Einstein, o que a imagem mostra em vermelho, laranja e amarelo é o disco de acreção, que se forma pelo movimento orbital e aquecimento das matérias que são atraídas para o centro do buraco negro. Distante 50 milhões de anos luz de nós, este buraco negro é do tamanho de três milhões de planetas terras. Sim, três milhões de vezes maior que esse ínfimo lugar no infinito do cosmos, onde 7 bilhões de seres humanos convivem em menos harmonia do que deveriam, embora de maneiras um tanto quanto pacíficas quando se leva em conta o grau de violências a que a maior parte das populações são submetidas. O abismo cósmico que nos separa do buraco negro recém descoberto bem que poderia nos parecer incompreensível, sobretudo por sua escala, mas quando se trata de produzir abismos, principalmente sociais, somos bastante mais competentes que os seres regidos pelas leis do universo. Poucos anos atrás o banco de investimentos Credit Suisse divulgou dados sobre a desigualdade no mundo. O estudo dava conta que 1% da população mundial possui cerca de 45% de toda a riqueza produzida no globo. Nesse mesmo planeta, que orbita em um universo que tende à entropia, a vida biológica opera em sentido contrário. As mais variadas espécies crescem e se multiplicam, dentre elas a humana, melhor dizendo, a despeito da espécie humana. Num paradoxo quase irreconciliável, 70 milhões de pessoas que nasceram no mesmíssimo planeta têm o direito à vida negado. Para todos eles inventaram eufemismos estranhos, como “refugiados”, “migrantes”, “pobres”, quando na verdade são, simplesmente, pessoas humanas. Diante de um cenário em que, em nome da economia, o sacrifício das gentes não somente é tolerado, mas celebrado debaixo de nossas barbas, a economia alega obedecer, da maneira mais vulgar possível – não raro evocando-se como justificativa irrefutável –, o que ela chama de “leis da natureza”. Os papas da economia, com seu assustador determinismo, definem os rumos da vida no planeta terra com uma certeza capaz de ruborizar, inclusive, a face desconhecida da mão invisível. Para Ilya Prigogine, autor de O fim das certezas. Tempo, caos e leis da natureza (2011), a plasticidade do tempo opera no vão entre o determinismo absoluto e o puro acaso. A economia neoliberal é, talvez, o mais sofisticado e eficaz buraco negro produzido nesse diminuto planeta da Via Láctea. Trata-se uma força de atração que suga vidas para seu centro em nome da própria existência, sem dar-se conta de que, de forma radical, opera entropicamente. Em uma entrevista ao jornalista catalão Jordi Évole, o Papa Francisco salientou que nos esquecemos de chorar, ao fazer memória das vítimas da política anti-imigracionista da Europa, todas elas mortas no paradisíaco Mediterrâneo ou nos conflitos deflagrados na África e Oriente Médio. De certa forma, na Venezuela a situação guarda suas semelhanças. Nossos modos de vida se tornaram de tal forma pusilânimes com a dor do outro, que nosso choro foi engolido pelo vórtice de uma economia sacrificial que nos levou ao buraco negro da humanidade. É o tempo como desgraça existencial, tal qual na versão de Borges, do qual somos indiscerníveis. Há, no entanto, a memória e a sucessão do tempo. Talvez coubesse lembrar, nos dias pascais que se sucedem, que a figura mais conhecida do Ocidente, Jesus Cristo, deu sua vida como último sacrifício. Depois disso, todo o sacrifício, quer em sentido histórico, teológico ou social, é uma forma estúpida de satisfação hedonista. Em meio à relatividade múltipla do tempo, cientistas fotografam a existência de um buraco negro. Provam-no, enfim. Quem sabe lá, no buraco negro, onde o tempo como conhecemos acaba, onde a realidade nos suga para dimensões ainda desconhecidas, nós encontremos as lágrimas que esquecemos de chorar por nossos irmãos mortos. Ricardo Machado é jornalista e doutorando em Cultura e Significação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

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Rui Zink – Litertura

O Amor Nunca Salva, mas alguém Tem uma Ideia Melhor? Descobri, um pouco tarde, que afinal todos os meus livros são histórias de amor. Só que as daninhas estavam tão bem disfarçadas que eu próprio não tinha reparado. Às vezes, amo entre duas pessoas, outras de amor entre uma pessoa e uma ideia. Idalina enamora-se por «uma dança sem música». Sam Espinosa apaixona-se por uma mulher uns anitos mais velha (duzentos, coisa pouca), Greg quase é salvo da perdição por uma sósia de Angelina Jolie. O amor está no ar e também, como diria um poeta, o amor está no mar. O amor não salva, nunca salva, mas alguém tem uma ideia melhor? Tão sensacional descoberta levou-me a cogitar no seguinte: e qual será a melhor forma de amar? Carente de modelos reais na vida humana, decidi procurá-los na natureza. Com a ajuda da televisão, claro, Canal Odisseia, National Geographic, Canal Panda, essas coisas. Pode-se lá chegar à natureza, nos dias que correm, senão pela televisão! Três rolos modelos logo me saltaram à vista: o Amor do Louva-a-deus; o Amor do Cisne; o Amor do Urso Polar. Após alguma esmiuçação, concluí que qualquer um me parece bem, e tem as suas vantagens e desvantagens. No romance do louva-a-deus, a fêmea devora o macho depois da cópula. É natural, toda a gente sabe que a gravidez estimula o apetite. E seria bem pior se ela o devorasse antes da consumação. O cisne acasala para a vida. É bonito. Lembra certos parzinhos que encontramos sobretudo na noite boêmia, muito perfeitos, muito encapsulados, o mundo é deles, o mundo são eles. Gosto, mas como nunca experimentei sinto-me sempre um bocadinho do outro lado da vitrina, a definhar de inveja. Pronto, confesso. O que, esse sim, me toca profundamente é o amor do urso polar. É esquivo, dura pouco – pelo menos a parte do encontro. Urso polar e ursa polar namoram e acasalam brevemente, e logo se apartam, cada um para seu lado, para todo o sempre, a fêmea talvez com uma cria, o macho continuando a sua caminhada, glaciares fora, de nenhures em direção a nenhures. Vai solitário e triste, o nosso urso? Talvez. Eu gosto de pensar que vai de coração cheio, e que a brevidade do encontro é compensada pela intensidade da memória. Tanto quanto sei, não há ursos com Alzheimer. Rui Zink, in “O Amante é Sempre o Último a Saber”

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