Arquivo

John Donne – Constância Feminina

Constância Feminina John Donne Agora já me amaste por um dia inteiro. Amanhã, quando partires, o que dirás? Irás antedatar algum voto mais recente? Ou dizer que, agora, Já não somos exatamente os mesmos de antes? Ou que as juras, feitas por medo reverencial Ao Amor e à sua ira, se podem renegar? Ou, como veras mortes desligam veros casamentos, A imagem destes, os contratos dos amantes Unem só até que o sono, imagem da morte, os separe? Para justificar teus próprios fins, Tendo proposto mudança e falsidade, não terás tu Outro meio senão a falsidade para seres sincera? Lunática vã, contra tais evasivas eu poderia Argumentar e ganhar, se quisesse, O que me abstenho de fazer Porque, amanhã, poderei vir a pensar como tu. Tradução de Helena Barbas

Leia mais »

Fernando Pessoa – Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do bio

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do bio Fernando Pessoa Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. (Enlacemos as mãos.) Depois pensemos, crianças adultas, que a vida Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado, Mais longe que os deuses. Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio. Mais vale saber passar silenciosamente E sem desassossegos grandes. Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz, Nem invejas que dão movimento demais aos olhos, Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria, E sempre iria ter ao mar. Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos, Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro Ouvindo correr o rio e vendo-o. Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as No colo, e que o seu perfume suavize o momento — Este momento em que sossegadamente não cremos em nada, Pagãos inocentes da decadência. Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova, Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos Nem fomos mais do que crianças. E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio, Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti. Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio, Pagã triste e com flores no regaço.

Leia mais »