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O jornalismo de mercado não tem compromisso com a sociedade

A imprensa sempre teve uma posição política desde os primórdios de sua existência. Ao longo dos 200 anos de história do jornalismo brasileiro sempre tivemos jornais e revistas que não fazem parte do esquema das classes dominantes; sempre tivemos veículos ligados às lutas dos trabalhadores e às correntes de pensamento contrárias ao capitalismo. Sempre tivemos imprensa libertária, anarquista, socialista e comunista, seja no campo dos jornais alternativos, e mesmo na chamada grande imprensa. Mas a partir da ditadura militar-empresarial apoiada pela CIA (1964-1985), com patrulhamento ideológico permanente nos grandes jornais, censura, perseguição e mortes, surgiu um tipo de pensamento único, e se consolidou o jornalismo “chapa branca”, pautado pela versão dos vitoriosos. Nesse período de nossa história a imprensa contra-hegemônica ou alternativa, que também foi chamada de nanica, assumiu a luta pela democracia, contra o autoritarismo e as violências do Estado. Os veículos de comunicação que resistiam acabaram fechados por falta de publicidade.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Hoje, a imprensa de mercado, se afigura a um instrumento de Estado ou de grupos econômicos, uma poderosa ferramenta a serviço das classes dominantes. O jornalista virou um funcionário burocrata. A única saída digna é ocupar os espaços da imprensa alternativa, seja pela internet, pelos movimentos sociais, ou pelos partidos legitimamente de esquerda. Este jornalismo que se consolidou nas grandes Redações, nas revistas semanais, é cada vez pior, profissional, política e culturalmente. A perda do senso crítico é um fato. A última grande geração de jornalistas militantes do nacionalismo de esquerda, foi derrotada com o golpe de 1964 e ficou relegada ao segundo plano. Osvaldo Costa, Lourival Coutinho, Fernando Segismundo, João Antonio Mesplé, Gumercindo Cabral, Edmar Morel, entre outros, foram profissionais que trabalhavam com ética, sinônimo de integridade e lisura profissional, interesse público e dignidade pessoal. Helio Fernandes, para não ficar relegado ao segundo plano, fez da Tribuna da Imprensa sua trincheira de luta e resistência ao autoritarismo. As novas gerações de jornalistas, e estudantes de comunicação, na maioria não sabem nem que um dia existiu jornalismo assim. Edmar Morel, é um ótimo exemplo dessa geração. Começou fazendo reportagem, depois fez livro-reportagem e, em seguida, jornalismo histórico. Fazia não só um livro sobre determinada reportagem, mas também, se dedicava a pesquisa histórica a partir do jornalismo. Fazia a pesquisa histórica e, ao mesmo tempo, escrevia de uma maneira jornalística com texto mais agradável, mais claro, fácil de entender. Atualmente podemos citar, dentre outros cada vez mais raros, Fernando Moraes nesta linha de trabalho. A partir de 1964, foram criadas gerações de jornalistas que não tiveram contato com essa geração anterior, criando este vácuo, um enorme vazio. Ao mesmo tempo, a ditadura foi cerceando o perfil de jornalista mais crítico, mais investigativo. Não apenas a ditadura, mas também a “evolução” das empresas jornalísticas sob a forte influência do grande capital. A “reinvenção” do jornalismo A mídia dominante usa seu poder para sustentar ideologicamente o sistema capitalista, são necessárias mais vozes críticas ao modelo de sociedade hegemônico, precisamos “reinventar” o jornalismo. Falta na grande imprensa, hoje, uma proposta editorial no campo da esquerda, que paute as mazelas produzidas pelo capitalismo, que priorize a defesa da igualdade e os direitos humanos (moradia, saúde, educação, cultura, comunicação, lazer, etc) atuando na oposição ao neoliberalismo. Defendendo o fim dos privilégios e das discriminações, dos preconceitos e da violência do Estado contra todos que lutam por seus direitos fundamentais. Após o fim da ditadura, que durou 21 anos, não surgiu nenhum homem de mídia ousado, que investisse e apostasse na criação de um grande veículo de comunicação com uma linha editorial mais independente em relação aos Governos e grupos empresariais; que produza um conteúdo com mais qualidade jornalística, com boas reportagens e entrevistas, com material mais crítico e mais comprometimento com as posições dos trabalhadores e movimentos sociais. Continuamos vivendo uma grande contradição: de um lado o modelo econômico favorece a concentração dos meios em poucos oligopólios, que dominam e controlam a informação que circula no mundo; de outro lado existe uma pressão cada vez maior da sociedade para que o Estado adote medidas no sentido da democratização, já que a mídia dominante usa seu grande poder para a sustentação ideológica do sistema. É preciso que os meios de comunicação (tvs, rádios, jornais e revistas) assumam compromissos com a transformação social, econômica e política do Brasil. Ficou apenas para a imprensa alternativa, cada vez mais nanica, fazer o contraponto a imprensa dominante, de mercado, ligada ao capital. A publicidade privada procura fortalecer os veículos do mercado, a mídia neoliberal concentra a maior fatia das verbas privadas de publicidade nos veículos que defendem a sociedade capitalista. Quem tem o dever de democratizar as verbas publicitárias são os poderes públicos, na medida em que deveriam contemplar todos os veículos da sociedade, sem discriminação, inclusive aqueles que acreditam num outro sistema político-econômico. Defendo que as verbas publicitárias sejam distribuídas de forma equitativa para todos os meios de comunicação. Isso seria o início de um processo de democratização da comunicação, necessário e fundamental para a sociedade brasileira. A internet e o papel da universidade A internet ainda tenta escapar do controle do sistema, mas também já se apresenta como uma ferramenta a mais para fortalecer o capitalismo. As mensagens comerciais ganham em muito das mensagens de conteúdo libertário, independente e contra-hegemônico. Hoje, a internet já é o segundo faturamento publicitário brasileiro. Os sites mais visitados são os mesmos da mídia empresarial tradicional. É preciso reforçar e defender o espaço de liberdade na internet, especialmente o que está ligado às lutas dos trabalhadores e às transformações sociais e políticas. Outro problema crucial é a formação dos estudantes de Jornalismo e o papel que a universidade precisa cumprir. Lamentavelmente as universidades brasileiras estão perdidas porque não estão sintonizadas com nenhum projeto de nação. Estão apenas formando mão-de-obra para o mercado, o que significa não se preocupar com a pesquisa, a experimentação, a inovação e o contato com o povo brasileiro. Raras universidades se relacionam com os movimentos sociais, poucas interagem com os excluídos, explorados e oprimidos. Os cursos

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Falta definir o que é o bom jornalismo e o que é uma história completa

O oportuno festival de resenhas, reflexões, crônicas e reminiscências que antecipou a aula-magna sobre jornalismo investigativo produzida pela equipe do Globe, de Boston, sugeriu a existência simultânea de consensos retóricos, informais e drásticos dissensos, enrustidos. Saudado em prosa e verso pelo primeiro escalão de pensadores da imprensa, o “bom jornalismo” revivido no admirável filme não conseguiu materializar-se como conceito. O bom jornalismo seria o que se convencionou designar como tal ou exige qualificações mais estritas e critérios menos vagos ?[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Tomando a antológica produção como referência — o bom jornalismo seria o esforço para investigar, coletar e dar sentido a informações sigilosas e depois escancará-las para que tudo se esclareça ? Ou é um ato de bravura  para desmascarar poderosos interesses escondidos nos bastidores do poder ? Em outras palavras: bom jornalismo é o empenho de  proclamar verdades ou a capacidade de  juntar  os elementos de uma história de modo torná-la credível e correta, dentro de uma preocupação básica com a ética.  Fazer barulho ou fazer justiça, eis a questão. A revista Época ofereceu excelente contribuição  ao debate sobre a natureza do bom jornalismo nas duas edições mais recentes. Em matéria de capa e grande estardalhaço na edição 918 de 18/1 o semanário  denunciou a participação de pessoas próximas da presidente Dilma Roussef — seu ex-marido e amigo, o advogado gaúcho Carlos Araújo — intermediando a obtenção de favores oficiais para socorrer um dos empreiteiros encalacrados no petrolão. Matéria precária, ligeira, claramente insuficiente, exigiu do diretor de redação da revista uma  embalagem caprichada:  aproximar a façanha do Globe à de Época através de  um texto introdutório redigido com rara modéstia — “Em busca da história completa”. Se no lançamento do filme resenhistas e opinionistas não conseguiram definir em que consiste o bom jornalismo, agora experimentava-se esclarecer  segunda abstração — a história completa. Quem é que define o momento em que uma carga de informações está pronta para ser publicada e produzir os imperiosos desdobramentos ? O enredo de “Spotlight” é extremamente simples, despretensioso: resume-se à descrição do trabalho anônimo, penoso e solitário da força-tarefa do Globe  ao longo de seis meses para investigar,  coletar, encadear e formatar  as denúncias contra os 87 padres-pedófilos de Boston e os seus protetores na hierarquia católica dos EUA e da Santa Sé. Quando as rotativas começam a imprimir as primeiras revelações, acaba o filme. Seguiram-se outras 599 reportagens no mesmo jornal. Com simplicidade exemplar, diretor, roteiristas, atores e personagens reais explicaram como é possível identificar a essência do  bom jornalismo. A reportagem de capa da Época edição 918 não obteve qualquer repercussão. Na edição seguinte da revista,  a de número 919″, nem uma palavra. Evidentemente não era uma história completa. Alberto Dines/Observatório da Imprensa

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“Deu a louca no gerente”, e na Folha de São Paulo

Imprensa em questão: Marketing Editorial “Deu a louca no gerente!” O encontro entre a necessidade de chamar atenção do público e o marketing popular gerou bordões publicitários como este. Ocasionalmente, ocorriam variações como “o dono pirou”, “o gerente enlouqueceu”. Se tornou comum também a escolha de um dia da semana com pouco juízo, coisas como “terça maluca” ou algo parecido. Não muito diferente foi a recepção do anúncio da Folha de S.Paulo quando esta alardeou que seu novo colunista das terças-feiras seria Kim Kataguiri. Assim como no comércio popular, nem o gerente, nem o dono enlouqueceram, claro. Bem ou mal, foi minuciosamente pensado. Talvez ainda haja quem tenha ficado com dúvida de se tratar de estratégia de marketing ou editorial. Bem, nesse caso específico, parece que a supressão da conjunção “ou” responde plenamente: marketing editorial.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Faz muito tempo que os grandes jornais deixaram de encarar o leitor como leitor. Em certo momento, fim da era romântica do jornalismo, passou a ser o “público” dos jornais e a notícia transformou-se em espetáculo. Mais tarde, como “cliente”, associado à segmentação da notícia e a ode à opinião. Veja para uns, “pragmatismo político” para outros. Mainardis aqui, Freis Betos acolá. A lógica de mercado se consolidou. Um exemplo a seguir A incoerência e parcialidade, decomposição do ideal jornalístico, foram vestidas, perfumadas e vendidas como pluralidade de opiniões. A estreia de Kim Kataguiri, como na loja do gerente que enlouqueceu, serve para chamar a atenção e atrair público. Ocupará, por um tempo, a ponta de gôndola e, como um produto novo, será experimentado. A se levar em conta a má qualidade já demonstrada em seu primeiro artigo, nada que tenha ido muito além de uma redação mediana do Enem, as chances de Kim encalhar as expectativas da Folha de S.Paulo não são poucas. Mas para quem acha que o encalhe e o naufrágio são favas contadas, arrisco dizer que o público consumidor de Kataguiri combina muito bem com a decomposição do ideal jornalístico: incoerente e altamente parcial. Difícil não imaginá-los assim após dar um pulo em sua rede social. Os mesmos que reclamavam que certo político não poderia ser presidente por falta de estudo veem no garoto, que abandonou os estudos por se achar mais inteligente que seus professores, um exemplo a seguir. A chance de Kim combinar com a Folha de S.Paulo é, portanto, grande. Azar do jornalismo, que agora tem como meta novas promoções em pontas de gôndola para preencher. por:Alexandre Marini, sociólogo

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SERIAL KILLERS: POR TRÁS DOS SERIADOS TELEVISIVOS

Não são poucos os fãs de séries policiais investigativas. Alguns passam o dia inteiro vibrados assistindo seriados do Netflix e em canais de TV. CSI, Law & Order, Dexter, Criminal Minds, The Mentalist, White Collar e Bones são algumas das séries que atiçam a imaginação do telespectador/internauta a ponto de torná-los não apenas simples expectadores, senão, também, investigadores. Mas esses seriados, além de glamourizarem o mundo do crime – é dizer, ao invés de os investigadores utilizarem jalecos sujos e malcheirosos (como, no mundo real, usam), vestem ternos gizados e acinturados –, não informam aos espectadores os conceitos mais básicos quando o assunto é assassinato e psicopatia: as definições de um homicídio em série, em massa e relâmpago; aliás, muitas vezes confundem um com outro. Esse artigo irá sanar a omissão quanto a tais conceitos. Quanto ao excesso de glamour num ramo nada elegante – ao menos que você ache charmoso cadáveres exalando odores insuportáveis e que ternos italianos se adequem a investigações forenses –, indico a leitura do livro “Nunca coloque a mão de um cadáver na boca”, de Dana Kollmann.[ad name=”Retangulos – Direita”] A obra revela as investigações criminais por trás da fita amarela de isolamento, demonstrando, de fato, como é o cotidiano de um CSI. Desculpem-me se, após a leitura, acabe com o sonho de muitos em se tornarem peritos criminais… Pois bem. O Assassinato em série (serial killer) é um delito sexual. Seria dizer, portanto, que um estuprador é um serial killer? Não necessariamente. A relação do homicida em série com distúrbios sexuais não precisa ter ligação com práticas sexuais. A conexão diz respeito aos seus impulsos. Vamos contextualizar. Pessoas que não praticam sexo por muito tempo e não utilizam de nenhum recurso para a vontade diminuir acabam ficando ansiosas. A excitação vem, naturalmente, com mais frequência. Caso escolham um parceiro sexual, esse impulso libidinoso, ao menos por um tempo, sofre uma diminuição considerável. Mas qual a relação com o serial killer? SCHECHTER explica (2013, p. 18): De forma análoga, o serial killer passa seu tempo fantasiando sobre dominação, tortura e assassinato. Consequentemente, ele fica excitado por sangue. Quando seus desejos distorcidos tornam-se fortes demais para resistir, sai em busca de vítimas incautas. Sua excitação atinge o clímax com o sofrimento e a morte da vítima. Depois, ele experimenta um período de “calmaria”. Daí porque os assassinos em série tentam não ser capturados, a fim de seguir com suas práticas psicopáticas e poder deleitar-se, por mais tempo possível, dos prazeres de suas atrocidades. Igualmente, vimos no encontro anterior que para a National Institutes of Justice um serial killer é aquele que comete de dois ou mais assassinatos, cometidos como eventos separados, podendo ocorrer durante um período de tempo que varia de horas a anos. Essa conceituação é tida pelos especialistas como mais fidedigna ao fenômeno inclusive em relação à escolhida pelo FBI. Já o assassino em massa, por mais que contemple, assim como o em série, homicídios múltiplos, é tido como uma “bomba-relógio humana” – ao contrário do serial killer que é considerado um predador. É aquele “cuja vida saiu dos trilhos” e que “explode em um surto de violência devastadora” (SCHECHTER, 2011, p. 19). Podemos citar como exemplo de assassino em massa, se confirmadas as suspeitas, o piloto alemão Andreas Lubitz, que, tomado por uma gravíssima depressão, teria derrubado propositalmente o avião em que atuava como copiloto, levando consigo mais 150 vítimas. Em suma, “se assassinato em série é, essencialmente, um crime sexual, o assassinato em massa é quase sempre um ato suicida” (idem, ibdem). Por fim, o assassino relâmpago, assim como o em massa, é alguém tão alienado e atormentado que não vê mais motivo para viver. Tanto é que sempre optam por morrer do que a se render, ou deliberadamente se entregam às autoridades sabendo que sofrerão pena de morte. São dois os motivos que levam o assassino relâmpago a cometer uma chacina: vingança contra o mundo e um desejo de mostrar que é alguém que mereça consideração (SCHECHTER, op. cit., p. 20). Até aí não há grande diferença quanto ao homicida em massa. O que tecnicamente lhe diferencia é o seu movimento. “Enquanto o assassino em massa mata em um só lugar, o assassino relâmpago se desloca de um lugar a outro matando no percurso” (idem, ibdem). Daí que muitos definem o homicida relâmpago em assassino em massa itinerante. O melhor exemplo desse tipo de assassino é a figura de Howard Unruh, um ex-soldado americano que, em 1949, percorreu sua calma vizinhança em New Jersey atirando metodicamente em todos que via pelo caminho. A história é bem contada no livro “Serial Killers: anatomia do mal”, do autor aqui citado. Eis, portanto, as principais diferenças entre esses assassinos. Por mais que tenham distinções no modus operandi, ambos possuem o mesmo afã: matar, matar e matar. Sempre recomendo que, além de seriados policiais, os interessados pelo tema também leiam livros sobre investigação criminal e psicopatia. O mundo deve ser visto como ele é; para além das câmeras cinematográficas. REFERÊNCIAS SCHECHTER, Harold. Serial Killers: anatomia do mal. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2013.

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O papel da mídia na construção estereotipada da figura do “criminoso” no Brasil

No filme Kika (1993), o cineasta espanhol Pedro Almodóvar apresenta uma personagem secundária que, pela sua excentricidade, acaba por se tornar inesquecível. Por Maiquel Wermuth ¹ Trata-se de Andréa Balafrée (interpretada pela atriz Victoria Abril), conhecida publicamente como Andréa Cara-Cortada, psicóloga apresentadora de um programa televisivo sensacionalista intitulado “Lo peor del día”, no qual não tinha pejo em mostrar, sem cortes, o sangue ainda escorrendo das vítimas dos mais variados crimes. A busca – e, em algumas situações, a “construção” das notícias – era tarefa incansável da apresentadora, sempre atenta àquilo que poderia chamar a atenção do grande público. Sua rotina, fora do programa, consistia em percorrer, com sua motocicleta, as ruas em busca de “fatos noticiáveis”, o que coloca em xeque, em muitas situações, a sua ética profissional, na ânsia de encontrar matérias publicáveis. Em cena, Cara-Cortada – em meio a entrevistas com estupradores, notícias de crimes violentos e imagens de autoflagelação – anuncia o produto do seu patrocinador, o leite “La Real”.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] A personagem de Almodóvar, pelo menos no que diz respeito à realidade brasileira, parece estar servindo de inspiração para programas televisivos que tem na criminalidade – apresentada de forma sensacionalista – o seu principal “produto”. Com efeito, no Brasil essa crescente exposição midiática da criminalidade tem contribuído, como já referimos na coluna anterior, para a criação de uma atmosfera de medo que nem sempre corresponde à realidade. Além disso, referida atuação dos órgãos de comunicação de massa tem contribuído para reforçar estereótipos historicamente construídos pelo sistema punitivo brasileiro. A mídia brasileira tem sido cada vez mais apelativa e sensacionalista. E o pior: uma prova de que a população adere à opinião repressiva imposta pela mídia é a grande audiência alcançada pelos programas de televisão que tratam de crimes e ações policiais, que passam uma imagem maléfica e amedrontadora daqueles que são colocados como “ameaça”. Bourdieu (1997) apresenta uma lição bastante pertinente para a análise ora empreendida: para o sociólogo, a busca do sensacional e do espetacular, do furo jornalístico, é o princípio de seleção daquilo que pode e daquilo que não pode ser mostrado na mídia, o que é definido pelos índices de audiência – ou seja, pela pressão do campo econômico, do mercado, sobre os jornalistas. Nessa mesma linha, Herman e Chomsky (2003, p. 11) referem que os “produtos” da mídia estão diretamente relacionados aos interesses de quem a financia – e aqui, novamente, os comerciais do leite “La Real” durante o programa da personagem Andrea Cara-Cortada demonstram a crítica de Almodóvar à mídia sensacionalista –, com a particularidade de que “isso em geral não é realizado por intervenção bruta, mas pela seleção de pessoal com pensamento similar e pela internalização das prioridades e definições por parte de editores e jornalistas daquilo que é digno de ser noticiado, isto é, que está de acordo com a política da instituição”. Em um contexto tal, as imagens, aliadas às legendas que dizem o que é preciso ler e compreender, produzem oefeito de real, ou seja, fazem ver e fazem crer no que fazem ver. A televisão, particularmente, é capaz de veicular informações íntimas, “expressivas”, despertando nos espectadores uma sensação de imediatismo e intimidade, ou seja, uma sensação de estar face a face com o objeto da apresentação, o que conduz a uma nova ênfase nos aspectos emotivos e íntimos de determinados eventos, bem como à tendência cada vez maior de revelar as “personalidades” dos envolvidos (GARLAND, 2005). Ao analisar obras recentes de ficção ou documentários que acentuaram a presença visual de cidadãos pobres, negros, moradores de favelas e bairros de periferia no cinema e na televisão brasileiros, particularmente a partir de algumas obras de grande repercussão como Notícias de uma guerra particular (1999), Palace II (2000),Cidade de Deus (2002), O invasor (2003), Ônibus 174 (2003), Cidade dos homens (2003), e Falcão, meninos do tráfico (2006), Hamburguer (2007) demonstra a forma estereotipada por meio da qual esses personagens são apresentados ao público. Em relação ao último trabalho, a autora (2007, p. 117) destaca que os meninos personagens do filme expressam visões escabrosas do mundo, sem perspectiva de futuro, em um presente altamente instável. Esses meninos aparecem desprovidos de individualidade, pequenos ícones de um estado hobbesiano que ameaça se instaurar. Sabemos pelas informações que cercaram a exibição do filme […] que dos dezessete meninos entrevistados, dezesseis já estavam mortos quando o trabalho foi ao ar. Mas o filme não permite distinguir cada um. A mídia contribui para que o sistema punitivo desempenhe, a contento, a sua principal função que, na contemporaneidade, não é diversa daquela que sempre desempenhou na sociedade brasileira: servir como instrumento de controle e de disciplina das classes subalternas, infundindo-lhes terror, de forma a preservar a segurança e os interesses das classes hegemônicas. A mídia, desta forma, ratifica uma confissão “de que, historicamente, criminalizamos a pobreza e mantemos um Direito Penal de ‘classes’” (STRECK, 2009, p. 93). Na ótica de Andrade (2003, p. 61), “a mídia passa a colonizar, com imensas vantagens, a função legitimadora historicamente desempenhada pela Criminologia positivista – e o conjunto das ciências criminais – operando com o mesmo senso comum, criminologicamente modelado, na dimensão do ‘espetáculo’ de amplíssimo alcance.” Episódios como a invasão pela polícia paulista do território conhecido como “Cracolândia” com o escopo de reprimir o tráfico e o consumo de drogas, bem como a remoção violenta dos moradores de bairros populares nos grandes centros do país – a exemplo do bairro Pinheirinho, em São José dos Campos – SP tornaram-se, segundo Cantarino (2012, p. 6), “emblemas de um momento político de retomada da criminalização das favelas e periferias pela opinião pública, em que a violência policial, mesmo que ilegal (por conter excessos, abusos e violação de direitos humanos) conta com legitimação social.” Isso porque “o aumento da repressão estaria relacionado a uma intensificação dos estereótipos e estigmas em torno da pobreza e da exclusão, que fazem com que a violência por parte do Estado (da polícia) torne-se legítima.” Repristina-se, aqui, a mesma forma encontrada

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O mistério dos cinco editores chineses desaparecidos

Cinco editores de uma mesma empresa especializada na publicação de livros sobre corrupção no governo chinês estão desaparecidos misteriosamente. O último a sumir sem explicações é Lee Boo, de 65 anos, coproprietário da editora Mighty Current , sediada em Hong Kong. Ele não foi mais visto desde a virada do ano quando não voltou para casa após uma reunião. O primeiro dos editores da Mighty Current a desaparecer foi Gui Minhai, cujo ultimo contato foi feito na Tailândia, no começo de outubro. Entre novembro e dezembro de 2015, três outros funcioarios da editoria não foram mais vistos. A policia chinesa afirma que está investigando o caso mas os desaparecimentos assumem cada vez mais um viés político.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] É o que garante a reportagem “The Case of the Missing Hong Kong Book Publishers”, publicada pela revista New Yorker em 8 de janeiro e da qual publicamos os parágrafos (em inglês ) a seguir: …Although none of the booksellers have disclosed their locations, a few have been in sporadic contact with family members to communicate, in opaque terms, that they are “assisting in an investigation.” On the phone with his wife, Sophie Choi, earlier last week, Lee conveyed that he was calling from Shenzhen, specifying that he, too, was voluntarily helping with a case but, strangely, spoke in Mandarin, the standard mainland dialect, rather than his native Cantonese. Choi asked why his mainland travel permit, which he would normally have needed to visit Shenzhen, was still at home. A few days later, in a fax to a colleague and his wife, Lee wrote that he had travelled to Shenzhen “by his own methods,” and implied that he would be staying on the mainland for some time in order to aid in the investigation. That letter added that Lee “had to handle the issue concerned urgently and could not let outsiders know.” So far, these baffling correspondences have raised more questions than they have answered. What is the investigation? Are they assisting in its proceedings or detained as the target of the investigation? For the moment, Choi has dropped the missing-persons police report based on her belief in the authenticity of her husband’s handwriting, although some Hong Kong politicians have openly raised the possibility that the letter was written under duress. Gui is a Swedish national and Lee holds a British passport, and both countries have expressed deep concern about their missing citizens. Chinese officials have not publicly acknowledged their involvement in the disappearances, or in any “investigation.” After British Foreign Secretary Philip Hammond inquired about the status of the booksellers, however, Chinese Foreign Minister Wang Yi described Lee Bo as “first and foremost a Chinese citizen.” Taken together with an editorial in China’s nationalist Global Times, in which Mighty Current was accused of “profiting on political rumors,” selling books with “trumped-up content,” and making money through “disrupting mainland society,” the implication seems evident enough. To be a Chinese citizen, even one living in a semi-autonomous territory with its own set of laws, seems to mean being subject to China’s strictures and within its reach… O texto integral da reportagem pode ser lido aqui.

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Rainha da Jordânia responde a charge de Charlie Hebdo sobre Aylan

Desenho sugere que menino sírio poderia ser ‘médico, professor, pai’. Charge de revista causou polêmica ao citar criança e caso de assédio. Desenho publicado pela rainha Rania, da Jordânia, questiona o que o menino sírio Aylan poderia ser quando crescesse (Foto: Reprodução/Facebook/Queen Rania) A rainha da Jordânia respondeu com um desenho alternativo a uma caricatura do jornal satírico francês Charlie Hebdo sobre o pequeno Aylan Kurdi, um menino sírio afogado numa praia turca e cuja foto, representação explícita do drama dos refugiados, comoveu o mundo. saiba mais Charge do Charlie Hebdo sobre garoto sírio afogado causa revolta No último número do Charlie Hebdo, o diretor da revista, Riss, assina uma charge em que um homem aparece assediando uma mulher. O desenho é acompanhado da seguinte legenda: “Migrantes: no que teria se transformado o pequeno Aylan se tivesse crescido?”.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] O próprio Riss responde, com a legenda “Apalpador de bundas na Alemanha” (tradução livre de “Tripoteur de fesses en Allemagne”), em referência às agressões sexuais registradas neste país na noite de Ano Novo. Segundo as denúncias, a maioria dos suspeitos seria de refugiados. Em suas contas do Facebook e do Twitter, a rainha Rânia da Jordânia publicou um desenho do caricaturista jordaniano Osama Hajjaj, que dá uma visão alternativa: ao lado do pequeno afogado, uma menino mais velho usando uma mochila escolar e depois, um médico. A charge foi publicada em árabe, inglês e francês com a mesma pergunta inicial da caricatura do jornal francês: “No que teria se transformado o pequeno Aylan se tivesse crescido?” A rainha respondeu: “Aylan poderia ter sido médico, professor ou pai carinhoso”. O desenho do jornal Charlie Hebdo gerou fortes críticas nas redes sociais. Questionada pela AFP na quinta-feira sobre a controvérsia, a publicação não quis se pronunciar. Da France Presse

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Liberdade de Imprensa e o pensamento único nos USA

Liberdade de empresa’ imprime ‘pensamento único’ e mantém sociedade refém de grupos econômicos, corporações de mídia e governos. Conheça 5 temas ‘censurados’ na imprensa dos Estados Unidos.   Bloqueio midiático ocorre por toda a parte, os meios de comunicação dos EUA preferem abordar os problemas econômicos, políticos e sociais de outros países, enquanto que as dificuldades relacionadas à realidade estadunidense nem sempre aparecem em suas manchetes. Volto a lembrar, já falei muitas vezes: as corporações de mídia são um instrumento de Estado ou de grupos econômicos, poderosa ferramenta a serviço das classes dominantes. Para produzirmos conteúdos críticos e independentes do capital, a única saída digna é ocupar os espaços da imprensa alternativa, livre e contra hegemônica, seja através dos blogs, pela internet, pelos movimentos sociais, sindicatos, coletivos, ou pelos poucos partidos legitimamente de esquerda.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] O portal Alter.net fez uma lista de problemas que não aparecem nos principais veículos dos EUA, que parecem se orientar mais aos interesses dos 5% de seus leitores mais privilegiados. Nenhuma guerra é mais intensa que essa nos dias atuais, o campo de batalha da informação, do saber, da comunicação de massa. Um dos principais pilares da Democracia real é a Liberdade de Imprensa com pluralismo e diversidade de conteúdo, estamos anos luz disso, seja aqui ou nos EUA. O “pensamento único” persiste e bloqueia o acesso as informações necessárias. Imaginem se cada um dos 320 milhões de cidadãos norte-americanos tivesse consciência desses 5 temas que traduzem a decadente e triste realidade da classe média e do povão nos EUA. A explosão social ocorreria imediatamente. 1 – Oito milionários ganham mais do que 3,6 milhões de trabalhadores Segundo o recente relatório “Out of Reach 2014”, uma radiografia da situação social no país, um trabalhador estadunidense de tempo integral com salário mínimo pode alugar um apartamento com um dormitório. Enquanto isso, os lucros no mercado de apenas oito milionários como Bill Gates ou Warren Buffet superam a renda total de 3,6 milhões de trabalhadores que ganham um salário mínimo. 2 – A evasão fiscal ameaça a educação estatal Vários estudos independentes constatam que as empresas estadunidenses pagam cada vez menos impostos, necessários para o financiamento de programas estatais de educação e pensões. Estima-se que a porcentagem dos ganhos corporativos arrecadados como impostos de renda reduziu de 7% em 1980 para cerca de 3% nos dias de hoje. 3 – Os EUA gastaram 34 bilhões de dólares desde que começou a recessão Embora essa quantidade de dinheiro, equivalente a 100.000 dólares para cada cidadão estadunidense, tenha sido destinada para amenizar as conseqüências da crise econômica provocada pela explosão da bolha financeira em 2008, aproximadamente 93% da população dos EUA não se beneficiou desta redistribuição da riqueza e o patrimônio líquido médio dos lares estadunidenses apenas se recuperou durante os últimos cinco anos. 4 – Empresas com sede nos EUA pagam mais impostos fora do país Grandes multinacionais como Citigroup, Pfizer e Exxon aproveitam os benefícios fiscais dos EUA, reduzindo ao mesmo tempo o pagamento de impostos. Assim, em 2013, a Exxon tinha nos EUA cerca de 43% da gestão, 36% das vendas, 40% dos ativos e entre 70% e 90% de sua produção de poços de petróleo e de gás, enquanto que pagou de impostos nos EUA apenas cerca de 2% de seus lucros totais. 5 – Salários baixos estagnados durante décadas Um estudo demonstra que os salários de empregos de pouco prestígio como o de empregados de restaurantes não cresceu desde os anos 80 e com uma remuneração de apenas 2 dólares por hora. Tampouco esses trabalhos sofreram grandes mudanças na estrutura social e de gênero, já que 40% desses empregados são pessoas de cor, e cerca de dois terços são mulheres. Daniel Mazola/Tribuna da Imprensa

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Redator-chefe do ‘Charlie Hebdo’ : “Estamos diante de novas formas de totalitarismo”

Gérard Biard fala um ano depois do ataque terrorista contra o jornal francês. Gerard Biard é o redator-chefe da revista satírica francesa Charlie Hebdo, que faz agora em um ano sofreu um atentado no que morreram 12 pessoas. Biard repasa o que supôs neste ano para o semanário e sua forma de entender o humor. MAIS INFORMAÇÕES Um Deus assassino e em fuga na capa do ‘Charlie Hebdo’ 67 jornalistas foram assassinados neste ano por exercer sua profissão Estado Islâmico obriga Europa a mudar regras da luta antiterrorista[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Pergunta. Um ano depois da matança que dizimou a redação do Charlie Hebdo, o que você não quer ouvir no dia 7 de janeiro de 2016? Resposta. Tenho medo até de ouvir isso. Diante desses atos de terrorismo, sempre acabamos encontrando explicações e justificativas que de fato soam como desculpas. É inaceitável. Para mim, trata-se apenas de rejeitar uma ideologia totalitária baseada em dogmas religiosos. P. No entanto, qualquer explicação não serve como desculpa… R. É verdade, mas o Estado Islâmico tem milhares de razões para nos odiar, por isso procurar explicações é um exercício que não tem fim e, repito, sempre há o risco de buscar as “razões corretas”. Estas não existem, pois o único objetivo é impor a sociedades democráticas uma ideologia religiosa radical. P. Você se refere ao fascismo islâmico? R. Eu, que sou de origem italiana, rejeito a palavra “fascismo” porque tem muitas conotações em um contexto histórico. “Totalitarismo” me parece mais adequado e a palavra abrange muito mais do que o estalinismo e os fascismos do século XX. Infelizmente, estamos diante de novas formas de totalitarismo no século XXI. P. Como você viveu os atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris? Como uma repetição do 7 de janeiro? R. Eu estava na redação do Libération para comemorar sua mudança de endereço, muito perto da Sala Bataclan e dos cafés do XI distrito de Paris. Éramos 300 jornalistas e estávamos todos em um estado de estupefação: era impossível acreditar no que as redes de informação contínua nos mostravam. Nossa obsessão no Charlie Hebdo dessa vez foi falar das matanças sem ser sinistros. Nossa mensagem foi simples: “Eles que se f…”. Isso foi dito pela redação do Charlie Hebdo, mas também por todos aqueles franceses que saem para beber e vão a concertos. E o “eles” se refere, evidentemente, àqueles fanáticos que querem impor um novo totalitarismo religioso na França e no resto do mundo, porque a França, é claro, não é nada mais do que um símbolo e não é o único país ameaçado. “Não existe uma tradução satisfatória para o ‘secularismo’ francês em outro idioma” P. Como você explicaria o conceito de laicidade para um público que não é francês? R. Começaria por dizer que não existe uma tradução satisfatória em outra língua. Em inglês, secularism não é suficiente para traduzir “laicismo”. Depois, nós sempre temos que estar conscientes de que há duas visões da separação entre Igreja e Estado: na França, a religião não deve se imiscuir nos assuntos do Estado, enquanto que num país como os EUA, é o Estado que não deve se imiscuir nos assuntos religiosos. São visões opostas e é por isso que é tão difícil falar de laicismo em um país anglo-saxão. P. Outras capas do Charlie Hebdo causaram polêmica, como a do pequeno Aylan que morreu em uma praia na Turquia… R. Sim, porque mais uma vez nos acusaram de ter blasfemado. Quisemos mudar voluntariamente o significado do que, em nossa opinião, tinha se tornado “uma imagem piedosa”, e estamos orgulhosos de manter essa tradição de desenho de imprensa. P. A linha editorial do Charlie Hebdo mudou a partir de janeiro de 2015? “Agora nos esforçamos para ser mais didáticos” R. No que diz respeito ao fundo, não queremos mudar. Mas assumimos o fato de que 70% das pessoas que nos leem não nos conheciam antes de 7 de janeiro de 2015. Muitos franceses, mas também muitos europeus, aos quais temos de transmitir a mensagem de um jornal satírico quando na verdade não existe um equivalente no Velho Continente. É verdade que nos esforçamos para ser mais didáticos, mas nunca deixaremos de fazer o que sempre fizemos. El País

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Os limites da garimpagem de dados na internet

Web scraping é uma técnica usada para extrair dados e informações contidas em websites.  Também é uma ótima ferramenta para repórteres que saibam usá-la porque é cada vez maior o número de instituições que publicam dados relevantes em suas páginas na web. Com a técnica dos web scrapers, também conhecidos como bots, é possível coletar grandes quantidades de dados para matérias jornalísticas. Eu, por exemplo, criei um bot para comparar os preços do álcool de Québec com os de Ontario [duas das principais cidades canadenses]. Meu colega Florent Daudens, que também trabalha para a Radio-Canada, usou um web scraper para comparar os preços de aluguel de vários bairros de Montreal com os de anúncios de Kijiji. Mas quais são as normas de ética que os repórteres devem seguir quando utilizarem web scraping? Essas normas são particularmente importantes porque, para pessoas sem uma minima intimidade com a internet, web scraping pode parecer pirataria. Infelizmente, nem o Código de Ética da Federação Profissional dos Jornalistas, nem as orientações sobre ética da Associação Canadense de Jornalistas dão uma resposta clara a esta questão.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Portanto, fiz algumas perguntas a vários colegas que são repórteres de dados e procurei algumas respostas por minha própria conta. Dados públicos, ou não? Este é o primeiro consenso por parte dos repórteres de dados: se uma instituição publica dados em seu website, esses dados são automaticamente públicos. Cédric Sam trabalha para o South China Morning Post, em Hong Kong. Também já trabalhou no jornal La Presse e na Radio-Canada. “Eu uso web scraping quase todos os dias”, diz ele. Para ele, os bots são tão responsáveis pelas informações recolhidas quanto os humanos que os criaram. “Se é um humano que copia e cola as informações, ou se um humano codifica um computador para fazê-lo, dá na mesma. É como se você contratasse mil pessoas que trabalhariam para você. O resultado é o mesmo.” Entretanto, os computadores do governo também guardam informações pessoais sobre os cidadãos. “A maioria dessas informações é escondida porque de outra forma estaria violando as leis de privacidade”, diz William Wolfe-Wylie, um desenvolvedor de programas da Canadian Broadcasting Corporation – CBC e professor de Jornalismo na Universidade de Toronto. E aqui está um limite muito importante entre web scraping e pirataria: o respeito à legislação. Os repórteres não deveriam bisbilhotar informações que gozam de proteção. Se um usuário comum não as pode acessar, os jornalistas não deveriam tentar obtê-las. “É muito importante que os repórteres reconheçam essas barreiras legais, que são legítimas, e as respeitem”, diz William Wolfe-Wylie. Roberto Rocha, que até recentemente era repórter de dados para a Montreal Gazette, acrescenta que os jornalistas deveriam ler sempre os termos e condições de uso de cada página web para evitar problemas. Outro detalhe importante a ser verificado é o arquivo  robots.txt.file, que pode ser encontrado nas páginas website e informa o que é e o que não é permitido extrair ou fazer scraping. Por exemplo, este é o arquivo do Royal Bank of Canada com as restrições a bots externos (user-agents) : Você se identifica, ou não? Se você é um repórter e quer fazer algumas perguntas, a primeira coisa a fazer é apresentar-se e dizer qual a matéria que pretende fazer. Mas o que deveria acontecer quando você  usa um botpara pesquisar ou enviar perguntas a um provedor ou a um banco de dados? A norma deveria ser a mesma? Para Glen McGregor, repórter de assuntos nacionais do Ottawa Citizen, a resposta é positiva. “Quando se trata de matérias com cabeçalho http, ponho meu nome, o número de meu telefone e uma nota dizendo: ‘Sou um repórter e estou extraindo dados desta página. Se você tiver problemas ou preocupações com isso, ligue para mim.’ Portanto, se o gerenciador da internet perceber, de repente, um enorme volume de problemas em seu website, se assustar e pensar que está sendo atacado, ele pode verificar quem o está fazendo. Verá minha nota e meu número de telefone. Acho que é uma coisa ética importante que deve ser feita.” Jean-Hugues Roy, professor de Jornalismo na Universidade do Québec em Montréal, que também usa o web scraper, concorda. Mas nem todo mundo pensa assim. Philippe Gohier, editor-chefe da versão digital do jornal L’Actualité, faz o possível para não ser identificado. “Às vezes, eu uso pseudônimos”, diz ele. “Mudo meu endereço IP, assim como os cabeçalhos, para que pareça um ser humano, e não um bot. Tento respeitar as normas, mas também tento não ser detectado.” Quando você não se identifica ao extrair dados de um website, isso é comparável, de certa forma, a fazer entrevistas com uma câmera ou um microfone escondidos. O Código de Ética da Federação Profissional dos Jornalistas de Québec tem algumas normas a este respeito. Procedimentos clandestinos Em alguns casos, é justificável que os jornalistas obtenham a informação que procuram por meios clandestinos: nomes falsos, microfones e câmeras escondidos, informações imprecisas sobre os objetivos de suas reportagens, espionagem, infiltração… Esses métodos devem sempre ser a exceção à regra. E os jornalistas os usam quando: – A informação procurada é, definitivamente, de interesse público. Por exemplo, casos em que ações sociais condenáveis devem ser expostas; – A informação não pode ser obtida ou checada por outros meios, ou estes já foram utilizados sem sucesso; – O benefício do público é maior que qualquer inconveniência individual. – O público deve ser informado sobre os métodos utilizados. De uma maneira geral, a melhor prática consistiria em você se identificar, mesmo que seja um botque faz todo o trabalho. Entretanto, você deve ser mais discreto se a instituição à qual foi feita a pergunta ou consulta tiver a possibilidade de alterar as condições de acesso às informações contidas em sua página, caso ela descobrir que o interessado é um repórter. E quanto àqueles que têm medo de ser bloqueados se você se identificar como repórter, não se preocupe; é bastante fácil mudar seu endereço de IP. Para alguns repórteres, a melhor prática é perguntar sobre

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